Querido diário,A quantos anos não nos vemos? Acho que parei de escrever aqui quando Hanna se foi. Você me lembrava dela, mas no estado que estou, tudo o que eu quero é lembrar de Hanna, minha Hanny. Estou doente e acredito que vou morrer sem vê-la novamente, por isso fiz Rodrigo trazer você para mim hoje, para que, pela última vez, eu possa falar de Hanna.
Eu lembro de quando a gente se conheceu, na sorveteria rosa, na esquina da praça. Pedimos o mesmo sabor de sorvete, morango com calda de limão, e desde então viramos amigas. A Hanna era louca; uma vez ela arrancou o próprio dente porque eu havia perdido o meu. Nós íamos a todo lugar juntas, para a escola, a igreja. Uma vez fomos a um lago, corríamos de mãos dadas no pequeno bosque. Éramos crianças, e ela ainda usava vestido. Desde essa época já sentíamos a necessidade de ficar juntas. A gente vivia beijando o rosto uma da outra. Os adultos diziam que só era sentimento de amizade, afinal meninas são carinhosas, era normal.
Lembro também de quando pintamos o cabelo, eu de rosa e ela de preto. Meu cabelo era loiro, então não precisei descolorir. O dela era ruivo, mas ela nunca voltou à cor natural. A tinta era barata, então ficamos com as costas e mãos manchadas. Nossas mães brigaram com a gente igual loucas, mas no dia seguinte nos levaram ao salão e pintamos o cabelo com profissionais. Lembro também de quando aprendemos a andar de bicicleta. Ela era horrível e sempre caía, mas jamais desistia, e eu amava isso nela.
Lembro também da nossa adolescência. Eu sempre me apaixonava rápido, e ela sempre me consolava quando eu era enganada. Mas eu também era o consolo dela; sempre que ela brigava com sua mãe, era no meu colo que ela chorava. A mãe dela era terrível, sempre com aquele papo de feminilidade. Hanna nunca foi super feminina; na verdade, ela era quase uma rockstar que odiava qualquer contato masculino, mas eu amava isso nela.
Lembro da nossa banda, com a Kelly e Viviane. Éramos boas, mas Hanna era espetacular; tocava qualquer instrumento com um amor quase apaixonante. Iríamos cantar juntas para sempre, se ela não tivesse ido embora. Não a culpo, eu também teria ido se fosse ela. Hanna não era do tipo que aceitava sofrer; se tivesse que ir embora, ela iria. Se tivesse que brigar, ela brigaria. Da mesma forma que, se precisassem dela, ela ficaria. Eu precisei, e ela não ficou. Pela primeira vez, ela fez algo para ela quando se tratava de mim, e eu amei isso nela.
Lembro do nosso primeiro beijo. Ela se declarou da forma mais linda do mundo; eu nunca tinha ouvido palavras tão lindas, e, no fundo, eu sei que só Hanna poderia falar aquilo, que só foi perfeito porque foi ela que falou. Eu ainda sinto os lábios macios dela nos meus, o gosto salgado das lágrimas se misturando na saliva. Eu fiquei tão feliz que não consegui me manter quieta, tive que correr, e corri saltitante até em casa. Fiquei tão empolgada que simplesmente contei à mamãe, mas o olhar dela foi decepcionante. Ela disse que era um erro, que eu devia cortar isso antes dessa "doença" se espalhar. Disse que eu deveria ir à igreja e me fez prometer que jamais tocaria no assunto. E eu não toquei e continuei sua amiga, e eu me odeio por isso.
Lembro de quando fomos ao centro. Passeávamos juntas, entrávamos e saíamos de lojas. Entramos em uma de porcelanas, e lá estava aquele belo par de pratos floridos. Na hora, eu imaginei a gente usando eles enquanto comíamos um bolo que eu fiz, felizes e juntas, e a fiz prometer que seríamos amigas para sempre. Fui uma boba por crer nisso.
Lembro também da nossa maldita briga. Ela fumou como nunca aquele dia, e eu odiei. A gente gritava e chorava, tudo isso porque eu iria me casar com Rodrigo. Admito que o escolhi porque ele era parecido com ela, mas eu só fiz isso por nós. Como poderíamos ficar juntas? Se agora, onde o mundo é mais avançado, já matam pessoas iguais a nós, imagina o que fariam naquela época? Era um romance impossível.
Lembro também da carta, a carta que ela me deixou quando se foi. Depois disso, eu passei por todos os estágios do luto. Eu neguei, disse que era mentira, ia à estação todos os dias na esperança de vê-la e ouvi-la dizer que era só uma brincadeira. Depois, eu fiquei com raiva, disse que era estúpida e que nada fazia sentido. Depois, a barganha. Eu negociava comigo mesma: se ela der um sinal de vida, eu sigo em frente; se ela estiver bem, eu a superarei. Depois, a depressão. Eu chorava pelos cantos, me recusava a sair da cama, mal cuidava de mim mesma. E, por fim, a aceitação. Eu aceitei que ela não voltaria, que não viria para mim novamente. Rodrigo me ajudou; ele me compreendia e apoiava. Então o tempo passou. Os pratos que ela me deu de presente permanecem na estante. Acho que nunca serão usados, mas eu espero genuinamente que nós nos encontremos novamente, em outra dimensão talvez, em outro universo onde seríamos fadas, ou em outra realidade onde seríamos um homem e uma mulher. Apesar dessa última ideia me parecer repugnante, se ela estiver comigo, eu seria feliz…
A caneta cai da mão de Lizzie. O aparelho toca um “pi” estridente. Lizzie se foi. Rodrigo, que estava ali do lado, pega o diário e o fecha sem ler, pega a caneta do chão e chama o médico. O enterro vai acontecer em breve, e uma semana depois, Hanna volta. Elas não se despediram.
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Versão da Lizzie, não sei porque fiz isso, não é algo que eu tô levando a sério, tá mais para um exercício de escrita, mas eu espero que tenha ficado bom
Ps: repararam que os adesivos da carta estão no diário?
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Memórias de um quase algo
RomanceHanna e Lizzie são amigas desde de sempre, mas conflitos internos e desejos reprimidos podem ser o motivo da separação delas