visão

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Esse capítulo deu blackout no nosso cérebro. Recomendamos cautela.

Boa leitura!

ESCUTEM "só dessa vez" da clara valverde.

Beijos.

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A tristeza é um lugar ameno, sem muito movimento. A mesma pintura na parede, a mesma pincelada, tom, rosto, se repetindo um milhão de vezes. É assim que sua imagem no espelho aparece: inalterada, não importa quantas dietas e jejuns ou exercícios faça, o resultado ainda é o mesmo. Um corpo indesejável, cheio de defeitos e marcas que fazem com que Robson se afaste cada vez mais.

Ele diz: a culpa é sua. Mas Fátima não consegue entender como. São os hormônios, a tristeza, a maneira como Robson parece cada vez menos com o homem que se casou e mais com uma caricatura abstrata do amor. Ela já nem sabe como é. O amor. Se ele se disfarça em algum canto da sua casa ou se perdeu de vez. Não tem como a culpa ser apenas sua, não é?

Fátima não tem certeza, mas sabe que tenta. As roupas, os sorrisos, as receitas que ela prepara e não pode comer. O olhar de desprezo de Robson.

Eu não gosto do que eu vejo.

Essa lingerie tá apertada.

Essa blusa tá marcando.

E, quando percebe, não são mais os comentários externamente, mas dentro da sua cabeça, que repetem um milhão de vezes a mesma coisa: você não é suficiente.

É isso que torna as palavras de Diana tão estranhas aos seus ouvidos. Porque são doces e amorosas e carregam uma intenção explícita de fazer bem. Primeiro, parece apenas pena, mas Fátima começa a perceber que é sincero, porque acontece várias e várias vezes. Não só os elogios, como os olhares que a acompanham a todo momento e a deixam sem ar. Pior, a fazem querer ser digna desse olhar.

Então, ela começa a se arrumar apenas para Diana. A colocar a blusa mais curta, colorida, só para atravessar o quintal e encontrá-la. Ajeitar os cabelos, os cílios, o perfume, porque percebe que Diana gosta.

O vestido verde musgo, a blusa vermelha, o brinco de pedrinhas coloridas que não usava há muitos anos. São só para ganhar aquele olhar. Duas esmeraldas brilhando em sua direção. Isso a assusta. Porque seus olhos parecem enxergar uma dimensão nova, despida das medidas de contato que ela colocou como seguras para os outros, como se precisasse se esconder.

Ela se sente vista.

Sente-se mais à vontade nos lugares, circulando nas propriedades do condomínio. Quer sair com o vestido estampado que estava no fundo do guarda-roupa. Quer usar o perfume que Diana tanto elogia. Ela quer se inserir no mundo, além de só existir.
"A vida não espera a gente ficar totalmente confortável com tudo, Fátima. Ela acontece mesmo assim" Diana uma vez diz, entre uma taça de vinho e outra quando ela comenta dos vestidos que quer se desfazer.

Fátima leva como um lema pessoal. A vida acontece. Independente das imposições de Robson, das dietas malucas, da maneira como ela se sente com relação ao seu corpo. Ela segue pulsando, vibrando em frequências desconhecidas e misteriosas.

Ela não quer mais se esconder da vida.

E percebe que é algo que começa de dentro mas reflete do lado de fora. Os vizinhos passam a falar com ela, como se não fosse mais uma presença ausente em todos os lugares. Ela conversa com mais liberdade, mais leve. Tamara, que também mora no condomínio, sempre puxa conversa nos lugares. Pergunta das receitas, fala do próprio namorado que mora no Rio de Janeiro, pergunta do casamento de Fátima. Ela não tem coragem de revelar ser um fracasso.

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