Nine: Five eight

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Nunca desejei enlouquecer logo cedo, sempre soube que uma hora iria acontecer, mas não precisava ser agora, né? 
Foi como um sonho, ou pesadelo, para ser mais sincera. A voz ecoou e depois simplesmente cessou, deixando-me na incerteza de estar sã ou não.

Olho para o lado, notando a presença de duas mulheres no meu quarto, enfermeiras, imagino, já que estão uniformizadas. Elas conversavam num canto do quarto, baixinho; imagino que não queiram que eu ouça. Ouço o barulho da porta abrindo, em seguida uma loira entra, uma medica. Uma das enfermeiras pede para que eu a siga. Pronto.
Tenho absoluta certeza de que vão prender-me numa maca, devo ter ficado pirada. Não consigo evitar esse pensamento, eu não entendo mais nada a muito tempo e não me espantaria se estivesse realmente louca. A médica me guia pelos corredores do hospital, o mesmo padrão de sempre, paredes brancas e aquele cheiro memorável;

"Se sente melhor, meu bem?" me encara, com um pequeno sorrido simpático nos lábios. 

"Bem...acho que sim" respondo.

"Acho que preciso perguntar algumas coisas para você. Sem estresse, está bem?"

"Sim, continue..."- sinto um nó se formar em minha garganta. 

"Você se lembra de algo que fez ontem a noite?"

Pronto. Eu não enlouqueci! Se ela me pergunta isso, é porque também deve ter visto algo!

"Nao tenho certeza...acho que não" minto.

"Tem certeza? Não está omitindo nada, certo?" me encara, como quem já sabe a verdade.

"Bem, eu...acho que posso ter ouvido vozes, mas nada impede de ter sido pura imaginação, certo?" afirmo mais para mim mesma do que para ela.

"Algumas enfermeiras alegarem que você estava tendo comportamentos estranhos por volta das 05:00 da manhã. Você se lembra de ter ouvido as vozes próximo a este horário?"

"Não, não me lembro do horário..."

...

Os dias foram longos e torturantes. Graças a aquelas malditas vozes, tive que ficar mais tempo do que o esperado. É um saco, aqui é chato e não posso comer o que quero, ou usar minhas redes sociais, daria de tudo para dar um rt em qualquer porcaria agora. Acho que o melhor para passar o tempo seria dar uma volta, têm um parque com acesso permitido somente a pacientes e funcionários, não tive a oportunidade de ir lá ainda, mas com certeza é melhor que meu quarto. Minha perna está quebrada, mas com a ajuda de muletas sei que poderei viver minha vida normalmente. Coloco meus pés no chão, estranhando o contrato, fazia tempo que não andava por aí livremente. Saio pelos corredores como quem não quer nada, deve ser um saco para quem está aqui a mais tempo que eu, imagina conviver com o som dos bipes e barulhos de pessoas morrendo diariamente?
Torturante...

Desde a mudança não mantive muito contato com minha mãe ou com meu padrasto. Eu tenho uma mania muito tosca de afastar as pessoas de mim, inclusive aqueles que me amam incondicionalmente como eles. As pessoas geralmente tendem a me achar grossa, e impassível, e eu não nego, mas também não o faço de propósito. O parque estava bem a minha frente, aos arredores vários outros pacientes caminhavam, uns com ajuda de enfermeiros, outros sozinhos, alguns jogavam xadrez, mas com certeza nenhum deles chamara minha atenção tanto quanto uma garota super estranha que me olhava fixamente agora. Não enlouqueça Lola! Não tem nada ali!

Ignoro e continuo meu caminho, preciso me concentrar em outra coisa, eu não quero pirar e ter que ficar mais dias aqui, tudo menos isso.

Uma prateleira de livros me chama atenção, então decido pegar um qualquer, evitando a todo custo olhar naquela direção. Sento-me em uma banquinho, e folheio as páginas de forma descuidada, em busca de qualquer distração. Olho ao meu redor de rabo de olho e percebo que não há mais garotinha diabólica nenhuma me olhando, me sinto mais calma instantaneamente. Deito-me no mesmo banco e passo a olhar pra cima, as folhas das árvores balançando, o vento sereno e o sol das 16:30 que aquece a alma. Olhando por este lado, nem é tão ruim assim ficar aqui, não tenho preocupações e as pessoas cuidam de mim, talvez no final das contas eu esteja apenas tirando umas férias extras. O vento sereno se torna frio, e o relógio visível na sala de espera me avisa que é melhor eu voltar para meu quarto se não quiser pegar um resfriado. Volto em passos lentos, "segurando" a mim mesma nos meus braços, por conta do vento frio que me resfria e bagunça meus cabelos. Ouço então um resmungo, algo como o choro de um bebê pouco distante, como se ele estivesse bem atrás de mim. Olho aos lados certificando-me se alguém além de mim ouviu, ou então, se há alguém com um bebê nos braços por perto. Conforme me aproximo o choro se intensifica e logo posso ver, embaixo de um dos arbustos, um pequeno garotinho loiro chorando. O pego no colo, estranhando o fato dele estar ali, e o por quê dele estar ali. A noite acabara de cair o que acaba me causando arrepios, e eu nem ao menos sei porquê. Ao entrar novamente no hospital, sinto como se estivesse em outro mundo, em outra época...os móveis...coisas...estão diferentes e ninguém além de uma recepcionista muito estranha se encontra presente no local, tem vozes de pessoas conversando por todos os lados, porém quando olho na direção desses sons não encontro nada além do vácuo. Um desespero toma conta do meu corpo e ele se mistura com adrenalina quando revejo a menina de mais cedo. Eu vou morrer, eu estou pirando...
O pequeno ainda no meu colo agora chorava, um choro ardido que me fazia ter vontade de o jogar longe, parecia temer o mesmo que eu, e ficava cada vez mais alto, mais alto a cada passo que aquilo dava ao se aproximar de mim.

O que está acontecendo?






  

A Estranha l Rafael Lange (Cellbit)Onde histórias criam vida. Descubra agora