Corações em Fúria

Capítulo 3 Apaixonado

Camilo Bellini
Tio Elijah tem seus 63 anos, mas a vida lhe fez bem. Com cabelos castanhos que exibem leves fios brancos, ele parece mais jovem do que realmente é. A sabedoria dos anos moldou seu caráter, e ele possui um olhar que transmite a confiança de alguém que já enfrentou muitas tempestades. Sem hesitar, ligo para ele imediatamente, e sua voz firme responde em apenas três toques, como sempre tão metódico.
— Olá, tio Elijah.
— Olá, Don. Ou devo dizer Camilo, já que me ligou no número pessoal?
A leveza em sua voz é um alívio em meio ao meu turbilhão de pensamentos.
— Antes de tudo, tio, por favor, confirme que nem tio Vincenzo nem sua amada esposa, tia Aurora, estão no mesmo ambiente que você. Você sabe que eles tendem a ser fofoqueiros.
— Pode ficar tranquilo, não estão. Pode falar, sobrinho. Se apaixonou por uma brasileira, né?
Um silêncio se instala, e seu tom de voz sugere que ele já sabe mais do que está dizendo.
— Acertou, mas… — hesito, pressionando a têmpora com a mão —, se sabe que eu tenho noiva, né?
— Essa noiva, que ninguém além do senhor e meu finado avô viram o rosto? — respiro fundo, tentando manter a calma — E isso porque você nem era filho dele, apenas irmão da minha mãe. Imagina se fosse filho.
Sinto uma mistura de alívio e desconforto ao falar com Elijah. Ele é um dos poucos que ainda entende as complexidades da minha vida, o peso das tradições que carrego, e, ao mesmo tempo, ele tem o dom de aliviar a pressão que sinto nos ombros. O que estou prestes a revelar poderia mudar tudo.
Mas ele é a única pessoa que confio para me ajudar a desatar esse nó em minha vida.
Sentei-me em um canto da sala, o peso do mundo sobre meus ombros, enquanto a ligação permanecia ativa. A voz de tio Elijah ressoava no telefone, firme e calma. Sabia que precisava abrir meu coração a ele, mesmo que cada palavra fosse carregada de inseguranças e medos.
— Tio, preciso te contar tudo o que aconteceu — comecei, a voz hesitante.
— Vá em frente, sobrinho. Estou ouvindo.
Respirei fundo, tentando organizar meus pensamentos. A lembrança de Beatriz surgiu em minha mente, e o calor daquele encontro inesperado se espalhou pelo meu corpo.
— Eu estava em uma boate, e foi lá que conheci uma mulher, Beatriz. A conexão entre nós foi instantânea, algo inexplicável. Eu a vi dançando, e não consegui desviar o olhar. Ela era deslumbrante, com aqueles olhos que brilhavam sob as luzes. Eu… eu a admirei de longe, e quando finalmente nos encontramos, tudo virou um turbilhão.
Tio Elijah permaneceu em silêncio, permitindo que eu continuasse.
— Mas, por conta de um golpe do destino, acabei dormindo com ela. —
A palavra "dormindo" me pareceu inadequada, mas não sabia como descrever a intensidade daquilo que compartilhamos. — E agora, estou aqui, me perguntando o que fazer. A Cosa Nostra não vai aceitar isso, tio. Como Don, tenho responsabilidades, e fiz uma promessa ao meu nonno. Não sei como isso aconteceu, mas sinto algo profundo por ela, algo que nunca experimentei antes.
O silêncio do outro lado da linha parecia mais pesado agora.
— Camilo, você sabe que na Cosa Nostra, se você tira a virgindade de uma mulher, você tem duas opções: casar ou eliminar. É uma regra que não podemos ignorar. O que você realmente sente por ela?
Essas palavras ecoaram em minha mente, e a realidade do que fiz começou a pesar sobre mim.
— Eu… eu não quero machucar Beatriz. Não posso fazer isso. Mas não sei se sou capaz de casar com ela. Tenho uma noiva, e isso me foi imposto desde o início.
— E é exatamente isso que precisa ser resolvido, sobrinho. — Elijah respirou profundamente. — A verdadeira pergunta é: quem você realmente deseja ao seu lado? O que o faz sentir vivo?
Fechei os olhos, a imagem de Beatriz preenchendo meu coração. A forma como ela sorriu, a leveza de sua risada, tudo me fazia querer estar perto dela. Mas o peso da promessa, da tradição, era opressivo.
— Eu não sei, tio. Tudo isso é confuso. Não quero decepcionar minha família, mas não posso ignorar o que sinto.
— Às vezes, Camilo, é preciso tomar decisões difíceis. Você deve seguir seu coração, mas lembre-se das consequências. Pense no que realmente deseja para seu futuro. E, acima de tudo, proteja aqueles que ama.
Suas palavras eram como um farol em meio à tempestade. O que eu realmente queria? Essa pergunta ressoava em minha mente, e, enquanto conversávamos, percebi que a resposta poderia moldar meu destino.
— Obrigado, tio. Preciso de tempo para pensar.
— Estou aqui para você, sempre. Lembre-se disso.
Desliguei o telefone, o coração pesado, mas ao mesmo tempo mais leve. O conselho de Elijah reverberava dentro de mim, e agora, mais do que nunca, eu precisava enfrentar a verdade sobre meus sentimentos e as escolhas que teria que fazer.