04. Harry

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Quando me deixaram na porta de Geraldine, eu era apenas uma criança, incapaz de compreender o que estava acontecendo

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Quando me deixaram na porta de Geraldine, eu era apenas uma criança, incapaz de compreender o que estava acontecendo.

Aquela porta carmesim... Eu não sabia que se tornaria o maior símbolo da minha vida. Um lugar onde o amor deveria existir, mas que logo descobriria ser meramente uma fachada para a crueldade. Quando a porta se abriu e vi o rosto de Geraldine pela primeira vez, um arrepio percorreu meu corpo ao encarar seus olhos frios, fúnebres, quase como se não houvesse vida alguma neles. 

Nos primeiros dias, ela parecia apenas indiferente. Eu chorava por comida, por conforto, e ela respondia com descaso. Às vezes, me perguntava se ela tinha um coração, se algum dia seria capaz de sentir algo verdadeiro e genuíno por mim. Mas, à medida que os dias se transformavam em semanas, percebi que ela não tinha amor algum a oferecer. 

As memórias da minha infância são borradas e manchadas como pinturas expostas à chuva. Lembro-me das noites em que me encolhia em um canto do casarão, tentando escapar de suas palavras cortantes e de seu olhar afiado que não conseguia mais suportar. 

Uma vez, ela me disse que eu não passava de uma ''aberração'', um erro que deveria ter sido corrigido antes mesmo de eu nascer. Essas palavras ecoaram dentro do meu peito, moldando minha percepção de mim mesmo e do mundo ao meu redor.

Haviam momentos fugazes em que eu sonhava com algo diferente, com uma família amorosa, risos compartilhados e abraços calorosos. Entretanto, esses sonhos eram rapidamente esmagados sob o peso da realidade fria e opressora que Geraldine Galaretto impunha sobre mim.

Com o passar dos anos, aprendi a me proteger. O medo e a dor tornaram-se meus companheiros constantes nas noites frias em que permanecia acordado, divagando sobre ser alguém que não queria ter por perto, mergulhando amargamente na solidão. Aprendi a evitar seus acessos de raiva e suas críticas cortantes como lâminas; cada dia se tornava como uma luta para encontrar um motivo para continuar, uma razão para acreditar que havia algo a mais além das paredes do meu quarto mofado e escuro no último andar da casa. Sua justificativa para um quarto tão longe de todos, era que não queria que eu transmitisse minhas ''doenças'' para seus hóspedes.

Em meio à escuridão da minha vida com Geraldine, encontrei pequenas luzes brilhantes. A Sra. Petúnia e o Sr. Lino me acolheram em seus braços carinhosos, surgindo como gotas de chuva em um deserto árido. Eles me ensinaram tudo o que sei sobre flores e mostraram como encontrar jardins secretos nos livros quando a realidade se tornava insuportável. E, claro, com o emprego na Giardino que comecei a vislumbrar um futuro diferente. 

Enquanto crescia sob o olhar vigilante e cruel de Geraldine, aprendi a sonhar com a liberdade. Liberdade não apenas do seu domínio, mas também da dor emocional que ela inflige diariamente.

Costumo evitar desafiar sua paciência, chego sempre no horário certo, às dezessete horas em ponto, logo após o meu expediente. Não respondo, não retruco... Não aproveito as inúmeras oportunidades que tenho para rebater suas provocações. Permaneço como um fantasma no lugar de mim, deixando com que nossos diálogos se transformem em monólogos monotemáticos que existem apenas por causa dela. 

Ink & Tide • LarryOnde histórias criam vida. Descubra agora