WenClair em Linhas De Sangue e o Destino

Capítulo 21 - Armadilha de Covarde

Wandinha chegou os portões silenciosa, ainda vestida com as roupas do dia anterior. O cheiro de cigarro e pólvora ainda a acompanhava, mas nada disso parecia perturbar sua expressão impassível.

Lurch, o mordomo colossal da família, estava parado na entrada, suas mãos grandes cruzadas na frente do corpo. Ele a olhou com uma mistura de reprovação silenciosa e preocupação paternal. A voz grave ecoou no corredor escuro.
_ Srta. Addams, seus pais estão esperando no escritório.

Wandinha parou por um momento, apertando levemente a mandíbula. 

_ Claro que estão.
Murmurou, em um tom que só Lurch pôde ouvir. Mesmo assim, não contestou. Com passos firmes, dirigiu-se ao escritório, onde o ar era carregado de autoridade e expectativas.

Ao abrir a porta, encontrou Morticia e Gomez sentados lado a lado, como soberanos em um trono invisível. Morticia, elegante e fria, observava a filha com os olhos de uma águia, enquanto Gomez, sempre apaixonado pela família, ostentava um olhar mais caloroso, mas igualmente inquisitivo. Sobre a mesa, um jornal com uma manchete discreta chamava atenção: Desaparecimento de empresário intriga Detroit.

_ Wandinha,
 começou Morticia, sua voz suave como seda, mas afiada como uma lâmina.
_ Espero que tenha um bom motivo para nos fazer esperar por notícias.
Gomez deu uma tragada em seu charuto antes de completar:
_ Você sabe o quanto prezamos pela comunicação em nossa família. Então, conte-nos: onde esteve?

Wandinha cruzou os braços, os olhos negros brilhando com uma pitada de desafio.
_ Estive com alguém que precisava da minha atenção.
 Sua voz era neutra, quase desinteressada, mas suficientemente firme para não deixar margem para mais perguntas.

_ Alguém?
 Morticia arqueou uma sobrancelha.
_ E quem seria esse alguém?

_ Alguém que não representará mais um problema.
respondeu Wandinha, dando de ombros e demonstrando um desdém calculado.
_ Os detalhes são irrelevantes.

Houve um momento de silêncio tenso, em que os pais trocaram um olhar. Morticia finalmente relaxou na cadeira, um sorriso discreto curvando seus lábios.

_ Bem, desde que o problema tenha sido resolvido de maneira... satisfatória.Gomez bateu levemente o charuto no cinzeiro, analisando a filha.
_ E a sua marca, mi vida? Como se sentiu? Há algo que gostaria de compartilhar?

_ Não.
respondeu Wandinha sem hesitar, já se virando para a porta.
_ Com licença, vou tomar um banho.

Morticia a observou sair, um olhar meio nostálgico no rosto.
_ Nossa pequena Addams está crescendo.
Murmurou para Gomez, que apenas sorriu com orgulho.

No quarto, Wandinha finalmente permitiu-se relaxar. Depois de um banho longo e quente, vestiu seu robe preto e sentou-se à beira da cama. O quarto, decorado com tons de ébano e vinho escuro, era um reflexo perfeito de sua alma: organizado, mas com sombras de caos escondidas nos cantos.

Fechando os olhos, os eventos da noite anterior invadiram sua mente como uma onda inevitável. O embrulho em seu estomago ao ver as marcas na pele da Sinclair. O som aveludado da voz da garota, ecoando em cada traço de memoria. O perfume doce, mas nada enjoativo. E o calor reconfortante do corpo dela, junto ao seu. 
 Não lembrava, qual a ultima vez, que teve uma noite de sono tão tranquila. Sem pesadelos, com os recentes fantasmas que a perturbavam, ou com os olhos dos homens deles, esgueirando-se nas sombras dos cantos escuros de seus pesadelos. Nunca imaginou, que a cama espaçosa, e bem projetada, com lençóis de fios egípcios, seria tão desconfortável, se comparada a um sofazinho de dois lugares, num apartamento do subúrbio de Detroit.

Ela abriu os olhos, encarando o teto acima de sua cama. Uma nova sensação se instalava em sua mente. Não arrependimento, mas uma pequena dúvida, como uma sombra passando por sua psique. Algo que ela não ousaria confessar nem para si mesma: Estaria ela, tendo desejos por uma mulher?Wandinha levantou-se da cama, caminhando até a janela. Observou a cidade que fervilhava abaixo, enquanto ela ia se deitar, um mundo estava despertando lá fora, todos se preparando, para suas rotinas diurnas, e ela querendo encerrar a dela. 

Com um suspiro leve, ela sussurrou para si mesma: 
_ Ela não pertence a essa vida!Ela fechou as cortinas, mergulhando o quarto na escuridão total, e preparou-se para o que viesse a seguir.