Segunda Feira, 23/02 - Parte 4

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De volta no carro de Carol e a caminho de sua casa, Maria baixa o olhar e foca em respirar devagar e sentir a textura da sua roupa, do banco, do cinto.

— Come isso, foca em sentir o sabor. — Carol oferece uma bala para ela.

Maria coloca na boca e aos poucos consegue se acalmar. Se pergunta se estaria vendo coisas, os mascarados que pensa ter visto. Aquele dia certamente foi um dia unicamente atípico para ela, mas ter Carol ali consigo a deixa aliviada, feliz. Ter alguém por perto é sempre gostoso, apesar de quebrar a membrana entre ela, sua introversão e o resto do mundo é... Complicado.

Maria abre sua janela e sente ar fresco batendo no rosto.

— Isso, ventinho no rosto. Ar fresco. — Carol, preocupada com Maria, faz questão de ir devagar. — Respira, Maria. Respira.

Chegando na kitnet de Maria, elas levam as sacolas pra dentro da casa e passam alguns minutos deitadas, quietas de mão dada. Apenas emitindo grunhidos de cansaço e se espreguiçando, se esticando. Só que logo a fome bate, e — entre fazer um café e fofocar mais — ambas começam a esquentar a janta e a beber cerveja, brindando por uma boa semana para elas.

Elas vão jantando e flertam com a ideia de assistirem algo juntas, mas acabam ficando conversando e conversando. Colocam o papo em dia, e Carol diz sobre o que tem feito da vida (trabalho, casa, baladinhas, namoricos e faculdade) enquanto Maria foge de falar o quanto nada mudou para ela. Ela acorda, trabalha e volta para casa, com eventuais momentos de ir ao mercado, pagar conta, tentar agendar algum médico, tentar sair para fazer algo, mas passando mais tempo livre em casa. "Descansando", cansada demais para aproveitar de verdade o tempo livre.

Se Maria contempla sua baixa otimização de seu descanso, Ishin nem tem o luxo de ponderar-lo, ainda imerso em trabalho, já no restaurante de comida asiática. Apenas mais uma noite de trabalho, dentre tantas outras. Eu queria poder ter algo de interessante para contar, além do dia a dia de trabalho em um restaurante, a limpeza, a correria, a organização, o caos de uma cozinha, os pedidos de entrega que chegam e os motoboys indo e vindo. Eventualmente, felizmente, chega a hora de fechar o estabelecimento. É um estabelecimento no geral pequeno e é Ishin quem fica encarregado de limpar e fechar o restaurante enquanto sua colega, Marcela, fecha o caixa do lugar. Já é quase meia noite e meia. O expediente oficialmente acabou meia hora atrás, mas só podem deixar o lugar após limpá-lo por completo. É um restaurante de comida japonesa, que se vende como "familiar" e com "cada prato sendo feito com cuidado especialmente para o freguês", "caseiro". Ishin é um dos cozinheiros do lugar, graças a tudo que sua mãe o ensinou a respeito da culinária japonesa, somada com Ishin ter tido sorte de trabalhos em restaurantes ser fácil e acabar tendo a chance de ir para essa área.

Marcela o ajuda com as tarefas. Organizando, limpando, verificando o caixa, fechando sistema... tarefas que não caberiam a apenas um cozinheiro e uma garçonete, mas acabam se vendo sem opções, o dono do lugar pediu para eles fazerem isso, e que opção eles tem? Não é um restaurante com vários funcionários e a maior parte conseguiu sair antes ou ao ajudar pelo menos um pouco.

— Ei, 'Shin, tem problema se eu ir para casa agora? — Marcela se aproxima dele, tímida. — Acha que consegue terminar de fechar o lugar?

— Aconteceu algo? — ele pergunta.

— Eu faço um curso e amanhã vou ter umas provas para tirar o diploma de conclusão do cursinho. E eu queria poder ter tempo de revisar um pouco a matéria e de dormir bem — ela explica, encabulada. — Tudo bem se achar melhor eu ficar pra ajudar.

Um sorriso gentil, mas visivelmente cansado, surge em Ishin.

— Pode ir, Marcela. Estudos em primeiro lugar, e nem falta muita coisa por aqui. Só tome cuidado na hora de voltar, tudo bem? — Ishin teme pelos assassinatos que vêm acontecendo.

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