Capítulo IV

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Rita costuma olhar para mim para que a ajude em tudo o que não sabe fazer sozinha. Na verdade, ela consegue. É uma menina inteligente, mas ainda não o descobriu. Não se consegue aperceber de muitas coisas. Mas por vezes não a consigo ajudar. Outras não devo. E isso ela também não percebe. Questiona sempre porque é que não a ajudo na escola.

Esses são os momentos em que não devo. Por vezes Rita pede-me que faça batota nos jogos ou que a ajude a soletrar para não ter de pensar ou até que espie a sua psicóloga quando está a falar com os pais dela. Tento sempre arranjar uma forma ou desculpa para não o fazer mas quando não encontro fica chateada comigo.

As sextas são os dias em que Rita sai mais cedo da escola para ir à psicóloga e normalmente são os dias em que fica mais agitada. Rita odeia profundamente ir à sala da Sr. Collins, apesar de se dar bem com ela. A Sr. Collins é meiga, calma e compreende a Rita, mas o que ela não gosta é de todas as perguntas e os testes que ela lhe faz.

"Rita hoje é dia de ires à psicóloga."

"Eu sei Clara!"

"Quem é que te vai levar hoje?"

"Deve ser a dona Manuela. Mas tu vens comigo!"

"É óbvio que sim! Vou sempre."

Rita tem de atravessar a escola, contornar o ginásio e depois passar a rua até finalmente chegar à sala da psicologia. Nunca deixam Rita fazer esse caminho sozinha, por isso vem sempre uma auxiliar ou professora trazê-la.

Rita começou a frequentar a psicóloga quando os pais decidiram colocar os gêmeos com apenas cinco anos no primeiro ano de escolaridade. Ambos foram seguidos durante um mês para saber se estavam aptos para o 1º ano. André passou rapidamente nos testes da Sr. Collins, mas Rita não. Contudo, os seus pais não queriam deixá-la para trás, então deram a permissão a Rita, se ela continuasse a ser vigiada.

"Olá Rita!" -a Sr. Collins parecia bem disposta.

"Olá!"

"Podes pousar as tuas coisas ali ao fundo e senta-te aqui à minha beira."

Rita fez exatamente o que lhe mandara. Sentou-se ao lado da Sr. Collins e permaneceu calada. A psicóloga levantou-se e foi buscar alguns desenhos. Rita escolheu o da Princesa Sofia (a sua princesa preferida) e com os seus lápis de cor começou a colorir.

"Bem Rita, enquanto pintas, vamos falar sobre algumas coisas importantes."

"Está bem!" -disse sem levantar os olhos do desenho.

"Hoje vamos falar da Clara!"

Rita ficou calada e parou de pintar. Olhou para mim confusa. A psicóloga prosseguiu.

"Fala-me dela."

A Rita demorou a responder mas, a medo, começou a falar sempre sem tirar os olhos do desenho.

"Ela é minha amiga."

"Como é que ela é?"

"É do meu tamanho, tem o cabelo encaracolado e é loira. Tem os olhos azuis como o céu."

"Oh, como deve ser bonita!"

Rita olhou para mim.

"Sim, ela é muito bonita!"

"Onde é que ela vive?"

"Vive comigo."

"Os teus pais sabem que ela vive contigo?"

"Não sei."

"O que é que costumam fazer juntas?"

"Brincar."

"Ela fala?"

"Claro que sim." -respondeu confusa.

"Ela é uma boa menina?"

"Sim."

"Porque gostas dela?"

"Porque nunca me abandona."

A psicóloga começou a escrever algumas notas no seu caderno.

"Sobre o que é que vocês costumam falar?" -prosseguiu.

Rita já estava a ficar cansada das suas perguntas. Ficou calada nos dez minutos seguintes até que a psicóloga disse "se não quiseres responder, não faz mal."

"Devias conhecê-la" -foi tudo o que Rita disse.

A psicóloga fez um jogo estranho com a Rita e momentos mais tarde o pai veio buscá-la.
Em casa Rita estava um pouco calada. Teve mais uma zanga com André e uma luta pelo comando da televisão com a Sofia. À noite, e já na cama, Rita disse:

"Porque é que a Sr. Collins queria falar de ti?"

"Não sei. Talvez ela quisesse saber como eu era."

"Mas porque é que não te perguntou?"

"Ela não me vê. Lembras-te?"

"Oh, pois é!"

Rita adormeceu depois disso. Deitei-me ao seu lado e fechei os olhos, mesmo que não tenha conseguido dormir. Os amigos imaginários normalmente não dormem. Temos 24 horas por dia para aproveitar.

Até que me esqueçasOnde histórias criam vida. Descubra agora