Até que me esqueças

Capítulo V

A escola onde Rita e o seu irmão gêmeo andam, faz todos os natais uma peça de teatro que depois é apresentada aos pais. As peças são muito diferentes mas de alguma forma têm um tema natalício que encaixe na época. Este ano são os alunos do 1º ano os protagonistas da peça e, mesmo sem lhe perguntar, sei que Rita tem vontade de fazer a audição. Rita adora teatros e filmes desde que a conheço, por isso, não a imagino a desperdiçar uma oportunidade como esta. Decidi não perguntar e esperar que ela estivesse pronta para me contar.

"Clara, quero fazer a audição!" disse enquanto arrumava os seus livros na mochila, sexta-feira à noite. "Achas que sou capaz?"

"Claro que sim. " respondi-lhe e pareceu-me mais convencida. 

Nos dois dias de fim-de-semana que se seguiram, Rita treinou o texto no seu quarto rodeada das suas bonecas. Estava alegre e entusiasmada, à parte de quando se esquecia do texto.

"Clara, não sei se vou conseguir decorar. Podias ajudar-me!"

"Eu ajudo. Em quê que precisas de ajuda?"

Rita não respondeu, permaneceu sentada de pernas à chinês, pensativa. 

"Não quero que se riam de mim." respondeu cabisbaixa.

"Ninguém se vai rir de ti. Tu és capaz." 

"Tenho vergonha." sussurrou. "E se me esquecer do que tenho de dizer?"

Senti-me na obrigação de ajudar Rita a se sair bem na audição. Afinal esse era o meu papel como amiga imaginária: ajudá-la, protegê-la e fazer-lhe companhia. 

"Já sei! Eles não conseguem ver-me certo? Então fazemos as duas a audição. Tu fazes de menina e eu de vampiro, assim em vez de olhares para eles e ficares envergonhada, olhas para mim. E se te esqueceres das falas eu estou aqui para te ajudar."

"Sim. É capaz de resultar." -respondeu-me mais contente.

"Mas promete-me uma coisa."

"O quê?"

"Se passares, eu não te vou ajudar no dia da estreia. Vais te esforçar, decoras as falas, e não olhas para mim, está bem?"

"Está bem!" -disse a medo.

Segunda feira, começou como qualquer outra segunda feira. Atrasados como sempre, lá chegamos à escola 4 minutos antes de tocar a campainha. Zara, a única amiga real de rita, estava à sua espera. Zara sabe da minha existência. Assim como Rita sabe da existência de Pucca e Garu, os amigos imaginários de zara. Quando eu falo com Rita ou Zara com os pôneis nenhuma delas estranha em ver a outra a falar "sozinha". Normalmente depois de falarem connosco partilham uma a outra a conversa.

"O que disse a Clara?" -perguntou Zara curiosa.

"Ela vai ajudar-me na audição."

"A sério? Como?"

Rita explicou a Zara o meu plano para a ajudar a fazer a audição sem problemas. O toque soou e as amigas entraram.

"Bem, crianças, como vêem no quadro estão uns exercícios de matemática. Vou formar pares para vocês os fazerem mais rapidamente. Quando acabarem vão à minha mesa buscar um dos livros para começarem a treinar para as audições de amanhã com o vosso par. Bom trabalho!"

"Rita, ficas comigo?" -perguntou Zara.

"Sim!"

"Para sermos mais rápidas dividimos os exercícios e depois eu copio por ti e tu por mim!" -disse Zara.

"Não me parece certo!" -Rita respondeu-lhe sem tirar os olhos de Clara que as observava no fundo da sala.

"Pronto, está bem! Vamos fazendo as duas se preferes assim!"

"Obrigada!"

Rita começou a olhar atenta em volta da sala. Parecia procurar alguma coisa ou alguém.

"Clara!" -sussurrou.

"Sim! O que se passa?"

"Consegues encontrar o André?"

Demorei a responder para ter tempo de o procurar. Consegui reconhecê-lo pelos tênis que estava a usar. Eram os seus preferidos e usava-os sempre que tinha ginástica nas extra-curriculares.

"Está ao lado do Tomás."

"Obrigada!"

Rita foi vagarosamente ter com André. Passou-me pela cabeça que talvez quisesse saber que personagem teria o irmão gêmeo escolhido.

"André! Para que personagem vais fazer a audição?"

"Para o vampiro 1! E tu?"

"Para a menina!"

Rita voltou para o seu lugar satisfeita. Não percebi porquê mas também não perguntei. Quando as duas meninas acabaram o trabalho começaram a ler atentamente o livro e comecei a sentir a Rita um pouco nervosa.

"O que se passa?" -perguntei.

"A menina e o vampiro 1 apaixonam-se no livro!"

"E qual é o problema?"

"Eu não quero apaixonar-me pelo meu irmão!"

Fez uma cara de nojo que me deu vontade de rir mas não o fiz. Rita precisava de um incentivo.

"Rita, isso não importa! Vais lutar pelo papel que queres e além disso, aqui entre nós, ouvi o David e o Manuel a dizerem que também queriam o papel do vampiro 1."

Rita ficou mais aliviada. Talvez não acreditasse que o André conseguiria ser melhor do que o David e o Manuel na audição.

No final do dia, e quando chegou a casa, Rita queria muito ensaiar. Foi ter com o seu irmão Tiago, ele estava ocupado com trabalhos da escola e recusou-se a treinar com Rita prometendo fazê-lo noutra altura. Depois, entrou no quarto de Sofia, mas também estava ocupada a fazer um projeto da escola com duas amigas que Rita desconhecia. Pensou duas vezes antes de ir ter com André mas quando o foi ficou surpreendida por André aceitar de imediato. Os dois irmãos ficaram uma hora no quarto de André. O gêmeo de Rita ensinou-lhe as falas e quando saíram, pareciam bastante orgulhosos do trabalho que tinham feito.

Na hora do jantar, Rita e André fizeram uma cena da peça para toda a família e as caras de orgulho eram visíveis não só nos pais. Quando a mãe estava a deitá-la, Rita pediu-lhe uma coisa que nunca antes havia pedido.

"Mãe, posso dormir no quarto do André?"

"Ahhhh, claro... Vou buscar um colchão e ver se o André não se importa!"

Maria saiu com um sorriso na cara.

"Rita, queres mesmo dormir com o André?"

"Sim, eu gosto muito do meu gêmeo!" -respondeu-me.

Percebi que algo entre eles tinha mudado. Estavam mais próximos. Mas fiquei feliz por isso ter acontecido. Rita dormiu com um irmão mas, como sempre, não saí da sua beira. Adormeceu tranquila e deixou-me orgulhosa.