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Romênia, Transilvânia, 1453 d.C.
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Marília Mendonça

O salão estava silencioso novamente. Maraisa dormia profundamente no divã, seus traços finalmente relaxados após dias de tensão. O lobo continuava imóvel perto da porta, mas seus olhos brilhantes observavam cada movimento que eu fazia.

Eu sabia que precisava lidar com outra questão urgente: Maiara.

O vínculo entre nós era profundo, mas seu lado feral ainda a dominava. A transformação a deixava com uma força incomparável, mas o preço era a dificuldade em retornar à sua forma humana. Caminhei até ela, que estava encolhida num canto mais escuro do salão, a respiração pesada e o olhar fixo no chão.

— Está na hora, Maiara, — disse suavemente, mas com firmeza.

Ela ergueu os olhos para mim, o vermelho ainda brilhando neles, resquício do animal que habitava dentro dela.

— Não sei se consigo... — Sua voz soou rouca, quase irreconhecível.

— Você consegue, — insisti, ajoelhando-me à sua frente. Coloquei uma mão sobre seu ombro. — Eu vou ajudá-la.

Os músculos dela estavam rígidos, tremendo de esforço enquanto tentava conter a fera dentro de si. Ajoelhei-me mais próxima, olhando diretamente em seus olhos, canalizando o que havia aprendido ao longo dos anos.

— Concentre-se na sua respiração. Foque em quem você é, no que você deseja proteger. Maraisa está segura agora. Ela precisa de nós.

As palavras pareceram perfurar a névoa que ainda a consumia. Lentamente, as garras começaram a encolher, os ossos se reajustando com um som baixo e quase doloroso. Foi um processo demorado e angustiante, mas, finalmente, Maiara estava de volta à sua forma humana, encolhida e ofegante.

Envolvi-a com o meu manto para proteger seu corpo vulnerável e me sentei ao seu lado, permitindo-lhe alguns momentos para recuperar o fôlego.

— Foi mais difícil do que antes, — admitiu ela, sua voz trêmula.

— Você se forçou além do limite, — respondi, ajustando o manto ao redor de seus ombros. — Mas o que você fez hoje foi necessário.

Ela levantou os olhos para mim, o cansaço evidente em sua expressão.

— Maraisa... Ela disse aquilo.

Eu sabia exatamente ao que ela se referia. A voz de Maraisa ainda ecoava na minha mente, junto com o peso de suas palavras: "Então eu aceito."

— Ela tomou uma decisão, — comecei, tentando organizar meus pensamentos. — E, sinceramente, não sei como me sinto sobre isso.

Maiara franziu o cenho, seu tom se tornando quase acusador.

— Você a queria sob sua proteção desde o início. Agora ela finalmente aceitou, e você está em dúvida?

— Não é dúvida. É... mais complicado que isso, Maiara. — Passei uma mão pelo cabelo, tentando dissipar a tensão. — Ela está frágil, confusa, e eu não sei se aceitou porque realmente confia em mim ou porque simplesmente não vê outra saída.

Maiara suspirou, recostando-se na parede de pedra atrás de nós.

— Talvez seja um pouco de ambos. Mas, no final, não importa o motivo agora. O que importa é o que você fará com essa confiança.

Olhei para Maraisa, que ainda dormia profundamente no divã, alheia ao peso das decisões que havíamos tomado por ela e ao caos que estava à sua volta.

— Eu vou protegê-la, — declarei finalmente, minha voz carregada de determinação. — Custe o que custar.

Maiara me observou em silêncio por um momento antes de assentir.

— Então faça isso. Mas lembre-se, Marília: proteger alguém não significa controlá-lo.

Suas palavras foram como um golpe inesperado. Eu sabia que ela estava certa, mas o pensamento de deixar Maraisa fazer suas próprias escolhas me assustava. O mundo havia sido cruel com ela, e a ideia de que ela pudesse se machucar novamente era insuportável.

— Vou tentar, — respondi, embora não soubesse se conseguiria cumprir essa promessa.

Maiara inclinou-se para frente, os olhos fixos nos meus.

— Você não pode cometer os mesmos erros que outros cometeram com ela. Se for forçá-la a algo, mesmo que seja para o bem dela, perderá a confiança que acabou de conquistar.

Eu segurei o olhar de Maiara, absorvendo suas palavras. Ela tinha razão, como sempre. E, ainda assim, o desejo de proteger Maraisa era quase insuportável.

— O meu lobo...é leal a você, Marília. Assim como eu. Mas lealdade não significa que devemos concordar com tudo.

Assenti, sabendo que aquelas palavras eram uma forma gentil de me lembrar de meus limites.

— Eu vou encontrar o equilíbrio, — prometi, olhando novamente para Maraisa. — Por ela.

Maiara relaxou um pouco, deixando-se cair contra mim. Nós duas estávamos exaustas, mas havia uma sensação de alívio no ar. A batalha havia sido vencida, pelo menos por enquanto.

E enquanto eu observava o rosto tranquilo de Maraisa, sabia que minha verdadeira luta estava apenas começando.

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