Na correria das 6 da tarde depois do trabalho, peguei o elevador desesperada. Infelizmente a fila não ajudou em nada. Detestava trabalhar no último andar daquele prédio imenso. Detestava aquele edifício espelhado que causava bolhas de calor e passarinhos morrendo contra o vidro. Detestava tudo a respeito daquele lugar. Até mesmo a maioria das pessoas que o frequentavam.
Andei pelas ruas do centro da cidade desviando de camelôs, transeuntes, moradores de rua e prostitutas. O cheiro de urina invadia minhas narinas e tentava controlar o nojo enquanto meus saltos batiam nas pedras da calçada.
Uma briga começou à minha frente, estavam ocupando todo o espaço, as três pessoas gritavam entre si, aumentando o volume já alto de tudo naquele lugar. Tentei dar a volta pelo canto do asfalto, mas a rua era estreita e uma bicicleta é uma moto vinham em minha direção. Suspirei, esperando mais um pouco. Por fim consegui.
Senti um pingo cair na minha cabeça e torci para ser do ar condicionado de um daqueles muitos prédios, não tive sorte. Uma garoa começou e eu estava com saltos finos, em ruas com poças de urina, que alagavam em alguns minutos e sem guarda chuva, com certeza não era meu dia de sorte.
Ultimamente nenhum dia tinha sido de sorte. Atravessei a rua correndo e quase fui atropelada quando tropecei nos paralelepípedos, ouvi um xingamento, mas ignorei.
Cheguei na estação de metrô e esperei na fila para passar na catraca, suspirei novamente. Enquanto descia as escadas vi o trem passando, não consegui chegar a tempo e ele fechou as portas e saiu.
10 minutos depois entrei na lata de sardinha mal segurando o poste. Para piorar meu dia terrível, deveria ser a Lei de Murphy porque o trem em que estava sofreu problemas técnicos e esperei mais meia hora até que ele andasse novamente.
Eu não tinha um compromisso, só queria chegar em casa, estava extremamente cansada de um dia pesado no trabalho e finalmente era sexta-feira. Olhei para a janela por entre as cabeças e vi ao longe as paisagens da zona norte.
Quando saí passei em frente ao cemitério pensando se deveria visitar o túmulo do meu pai, mas hoje estava cansada demais para isso. 15 minutos de caminhada depois cheguei ao meu predinho de três andares. Subi até o último lance, já me arrastando em meus pés doloridos. Quando finalmente abri a porta, suspirei e vi meu cãozinho me cumprimentar. Agora estava tudo bem.
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Quando chega o outono, eu penso em você. Quando as flores murcham, eu penso em você. Quando as folhas caem, eu penso em você. E, quanto mais frio fica, mais eu penso em nós.Será que vai existir um "nós" quando o inverno chegar? Será que teremos outra primavera? Ou este outono está contando os nossos dias?
Olho pela janela e penso que cada folha se desprendendo da árvore é como um grão de areia na ampulheta do nosso amor. Por isso, não consigo jogar fora este buquê.
Ele já está morto e ressecado, mas sinto que, ao jogá-lo fora, estarei condenando qualquer chance que ainda possamos ter. Então encaro essas flores murchas na minha estante e tento não chorar.
Eu não consegui. Minhas lágrimas caem sobre as pobres rosas, e eu as pego e seguro junto ao peito. Ouço um barulho e vejo que esmaguei as flores ressecadas. Seus pedaços caem no chão como as folhas do lado de fora da janela. Só me restaram os caules e a fita.
Acabou.
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Olho para baixo e vejo o centro da cidade. 30 andares me separam do solo. Tudo está escuro nesse escritório, todos já foram embora, estou sozinha aqui. Nunca me senti tão só.
Consigo ouvir os barulhos da rua mesmo com a distância. Como posso sentir tanta solidão em meio a uma cidade com tantas pessoas?
Verifico uma última vez se apaguei todas as luzes, se deixei a porta trancada, então volto para a grande janela.
Coloco meu celular no bolso e deixo a nota de desculpas na minha mesa. Mando uma última mensagem padrão, dizendo que os amo demais. Não importa se é a mesma linha, é a verdade.
Seguro as fotos e acaricio o rosto da minha mãe, beijo o rosto do meu marido. Sentirei sua falta, mas é melhor assim. Espero que ele nunca saiba que eu descobri. Não importa a traição, só espero que ele não se sinta culpado.
Não foi culpa dele, não de verdade. Eu não estou bem e faz tanto tempo. Desdobro a terceira foto e olho o meu anjinho. Nunca mais fui a mesma desde que ele se foi. Não conseguirei ser, sei disso.
Mãezinha, meu filhinho, estou indo encontrar vocês. Então eu respiro fundo, abro a janela e mergulho.
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Descontando Contos
AcakTextos avulsos, principalmente para você ficar melancólico. Capa da perfeita e maravilhosa @MaraSonhadora