Ninguém...

77 7 0
                                    

Na volta pra casa, nenhuma palavra saiu de minha boca. Enquanto Nate conversava com Akemi, eu caminhava um pouco mais à frente, chutando as pedras no caminho, observando a paisagem nublada, porém mais uma vez distraída com meus turbilhões de pensamentos. Afinal, o que foi aquilo? Foi real? Sobre Jimin...eu..eu esperei tanto por esse dia, eu não esperei dez anos pro nosso reencontro ter sido assim! Perguntas e mais perguntas, todas sem respostas. Queria tanto saber o que se passa na mente dele, no coração dele...como será que ele se sentiu ao me ver? Será que ele realmente se lembra de mim? Por que ele agiu assim tão...frio? Por que? Por que? Por que?!!
-Ei, Nate.. - Cutucou Akemi.
-Sim? - Respondeu Nate.
-O que ela tem hoje?
-Eu não sei...mas melhor deixar ela quieta um pouco, sei quando algo está encomodando a minha irmã.
-Hummmm, ela está estranha, não estava assim de manhã no ônibus, estava normal.
-Deve ser a TPM.
Akemi brevemente riu.
-É.
Nate sabe que eu não estou bem, e sabe que Jimin tem algo a ver com isso, mas sabe também o que fazer num momento como esse: me deixar quieta e não questionar.
Ao chegar em casa, esquentei o almoço - faço comida a noite pois meu dia é meio corrido - e depois tomei um banho quente e relaxante, deixando as perguntas tomarem conta da minha mente - denovo - enquanto a água caia sobre meu corpo e o vapor exalava de minha pele. Eu não conseguia fazer exatamente nada direito, estava cega de pensamentos, eu fazia tudo pensando nele, pensando nos pontos de interrogação, e acima de tudo, medo. Será que ele vai pra escola amanhã? E se ele for embora denovo? Não, por favor Jimin! Me trate como quiser, me ignore, me xingue, mas não se vá denovo, por favor.
-Nate, está pronto? - Perguntei ao terminar de me arrumar.
-Aham. - Disse ele fechando a porta do quarto.
Nate trabalha em uma loja de video games num shopping aqui perto, ele vai fazer quinze anos tá na hora de trabalhar pra comprar as porcarias que ele gosta de comer e seus jogos de computador. Já eu, junto de Akemi, trabalho em um CafeBook, uma espécie de Café junto de uma livraria em frente a um pequeno parque. Eu arrumo as prateleiras, procuro livros que os clientes querem, sirvo bebidas e etc, é um lugar bem calmo e confortável de se trabalhar, nós duas temos a mesma função mas ela passa a maior parte do dia no balcão babando os garotos que jogam bola no parque. (...)
-Amy Amy Amy! - Chamou Akemi toda desesperada.
-Que?
-Tem um grupo de garotos gatos vindo do parque pra cá. - Os olhos dela brilhavam
-E dai?
-Como eu estou? - Disse ela passando a mão no cabelo.
Revirei os olhos e peguei uma pilha de livros para colocar no lugar.
-Eles chegaram! Deixa que eu anoto os pedidos. - Ela correu até eles com um sorriso lá na orelha.
Nem respondi e fui arrumar os livros. Ao terminar, voltei para o balcão para ajudá-la com os pedidos, pois não são poucos garotos, devem estar em sete ou oito.
-Leva esses dois copos de refrigerante que eu levo os sanduíches. - Disse Akemi.
-Tá.
Peguei os dois copos e fui até a mesa com o máximo de cuidado para não derramar. Ao chegar na mesa, gelei ao perceber que Jimin estava entre eles. Ele me fuzilou com o olhar e depois virou a cara, em questão de segundos, eu fiquei nervosa na hora, e ao colocar os copos na mesa sem querer derramou um pouco do refrigerante na calça dele.
-Aaish, preste atenção! - Disse ele, grosseiramente.
Minhas mãos estavam tremendo, e eu não conseguia olhar pra ele direito.
-P-Perdão, Jimin. - Peguei um dos guardanapos de cima da mesa para ajudá-lo a limpar mas ele tomou da minha mão.
-Ah nem sujou para de frescura, não precisa tratá-la assim. - Disse um dos garotos sentado ao lado dele, ele aparenta ser um pouco mais novo, muito meigo, com pele branca e cabelos negros assim como os de Jimin, porém com um nariz um pouquinho grande mas nada exagerado.
Mais uma vez Jimin me fuzilou com o olhar, provavelmente porque eu disse o seu nome.
-Jimin? Vocês se conhecem? - Perguntou outro garoto, esse era bem diferente, usava um moicano loiro enorme, mas tem profundas e sexys covinhas.
-Não. - Respondeu Jimin, curto e grosso.
-Então como ela sabe o seu nome? - Outro garoto se manifestou, branquelo, de bochechas apertáveis, também loiro, parecido com a CL do 2ne1, espera, aff Amy o que você ta falando?
-Aaaah Jiminie, fala ai, quem é essa? - Outro garoto, curiosos não? Este também é muito bonito, meigo e fofo, mas seus dedos são meio tortos, medo.
-Ninguém. - Disse Jimin, em seguida ele me encarou com um olhar tipo " o que está esperando pra sumir daqui?".
Tenho certeza de que todos notaram minha expressão cabisbaixa ao ouvir aquelas palavras, não consegui fingir. Lentamente me curvei e disse:
-Perdão, não acontecerá novamente. - Tão baixo que soou quase como um sussurro, todos os garotos ficaram em silêncio olhando pra mim, em seguida me retirei sem olhar pra trás.
-Desculpem a demora meninos, aqui estão os lanches. - Disse Akemi chegando com a bandeja toda contente.
Voltei pro balcão, me sentei e fiquei ali no cantinho, observando eles comerem, lutando pra não chorar. Ninguém....ninguém....ninguém... a voz dele ecoava em minha cabeça, ninguém. Doeu, Park Jimin, essa doeu muito. Akemi terminou de servir os refrigerantes, e quando ela voltou pro balcão, nem percebeu minha expressão cabisbaixa, ficou babando nos garotos até que:
-Tão gatos. - Suspirou. - Mas ainda prefiro o HongBin, eu acho, e você Amy?
Permaneci em silêncio, sem mexer um músculo.
-Amy? - Chamou.
Continuei do mesmo jeito.
-Nossa, o que aconteceu? Que cara é essa?
Suspirei.
-Eu...vou tomar um ar.
Me levantei, tirei o avental e o joguei em cima do balcão, passei pela mesa dos garotos e percebi que eles olharam pra mim desfarçadamente, mas não retribui os olhares. Havia um banco vazio do outro lado da rua, no qual eu me sentei com as mãos nos bolsos de minha larga blusa de moletom. Fiquei ali do mesmo jeito por vários minutos, com uma expressão que deprimia qualquer um que olhasse na minha cara. Depois de um certo tempo, eles começaram a sair, Jimin foi o primeiro, ele me viu do outro lado da rua mas desfarçou colocando as mãos nos bolsos de sua calça jeans e virando  o rosto, aguardando o resto sair. Eu poderia arriscar meu emprego para segui-los, descobrir onde ele mora, o que ele apronta, eu poderia fazer isso? Poderia, mas aquelas palavras ainda estão doendo. Esperei eles irem embora, fechei meus olhos e suspirei profundamente, o dia continua Amy, anda, levante-se!
Voltei para o CafeBook, Akemi ficou me olhando tipo "será que pergunto?", enquanto desfarçava limpando a mesa.
-Por favor não faça perguntas. - Falei enquanto colocava o avental.
Em seguida fui ajudá-la a limpar a mesa normalmente.
-Então tá né. - Resmungou, baixinho mas eu ouvi. (...)
No final do expediente, eu estava exausta. O dia continuou normalmente, mas aquilo não saia da mente, é incrível como ele consegue ser tão insensível, tão frio, não consigo me conformar com isso. Ao chegar em casa, apenas tomei um banho e cai na cama.
-Amy, não vai jantar? - Nate apareceu na porta de meu quarto.
-To sem fome, obrigada.
-Mas você não comeu nada desde que chegou, tem certeza?
-Tenho.
A cara dele foi até meio engraçada, eu rejeitar comida? Sim isso é novo pra ele.
-Ok então, boa noite.
-Boa noite.
Ele virou as costas para voltar pro seu quarto, mas eu o interrompi:
-Nate.
-Sim?
Me sentei na cama.
-Pode me dar um abraço?
Aquilo o surpreendeu, deu pra perceber.
-A-Ah, claro.
Ele veio em minha direção com um sorriso meigo e me abraçou. Sou quatro anos mais velha e esse muleque ta quase maior que eu, affz. O abraçei bem forte, e ele retribuiu o carinho. Ele percebeu que a antiga foto minha abraçada com Jimin de dez anos atrás estava em cima do criado mudo, e que havia dois pingos em cima dela, sim, lágrimas. Nate sabe que tem algo acontecendo, sabe que está doendo, e sabe também que a melhor coisa que ele pode fazer pra ajudar, no momento, é me abraçar e dizer:
-Pode contar sempre comigo, irmã.
-Obrigada...por me entender.
Ele acariciou minha bochecha e deu um rápido beijo em minha testa.
-Não vai comer mesmo?
Brevemente sorri.
-Não.
-Ok, vá dormir então se não amanhã eu tenho que tacar um balde de água gelada pra você levantar, porque você só levanta no horário no primeiro dia de aula.
-Verdade.
-Boa noite.
-Boa noite.
Mesmo depois de ele ter se retirado e apagado a luz, liguei o abajur e fiquei horas olhando para aquela foto, mas não foi em vão. Cheguei a conclusão de que na vida, só temos certeza de uma coisa: a morte. Isto é fato não é? Todos morrerrão um dia. Mas agora, tenho duas certezas sobre minha vida: não deixarei Jimin partir pela segunda vez, não o perderei denovo, até que o dia que minha morte chegue. Eu não esperei dez anos pra ele aparecer do nada e querer se livrar de mim agindo friamente, ele não vai conseguir isso tão facilmente, eu quero respostas Park Jimin, e eu vou consegui-las! Quando me convenci disso, desliguei as luzes do abajur e adormeci.
No dia seguinte, Nate se surpreendeu ao levantar e ver que eu já estava de pé preparando o café da manhã.
-Bom dia irmãozinho. - O cumprimentei com um sorriso.
Ele me encarou com uma expressão tipo "quem é você e o que fez com a minha irmã",  baguncei o cabelo dele e falei:
-Sente-se para comer, se não vamos nos atrasar.
Eu queria passar uma imagem boa hoje pra ele não se preocupar, ontem passei muita negatividade, tanto pra ele quanto pra qualquer um que viesse falar comigo. Estou bem? Esqueci tudo sobre ontem? Não. Mas o que um sorriso não esconde, não é mesmo? Tudo isso também é um pouco de medo, tá, vamos ser sinceros aqui, muito medo. Medo de chegar na escola e ele não estar lá, medo de ele não voltar, medo de ele sumir denovo sem deixar pistas e eu não poder encontrá-lo. Mas não vamos pensar negativamente, certo? Certo.
Depois de aprontar tudo, lá fomos nós para o segundo dia de aula, ouvindo as ladainhas da Akemi no ônibus, nada anormal. Ao chegar no colégio, fui direto pra sala, mas Jimin não estava lá. Isso não me surpreende, mas me deixa nervosa. O sinal de entrada bateu, os alunos começaram a chegar um por um, em poucos minutos a sala estava cheia, mas a carteira de Jimin estava vazia. A primeira aula era português, eu mal abri meu caderno, muito menos os livros, só não dormi porque tava pensando naquele idiota, onde ele se meteu? Aff. Quando finalmente bateu o sinal do fim da primeira aula, no mesmo instante em que o professor se retirou da sala, Jimin entrou. Por fora eu desviei o olhar, mas por dentro dei um profundo suspiro de alívio. Logo atrás dele entrou outro garoto, fiquei surpresa ao perceber que era o "narigudo" de ontem como aluno novo na sala.
-Bom dia turma. - Entrou a professora de filosofia.
-Bom dia. - Disse a turma, num desânimo.
-Parece que temos outro aluno novo não é? Por favor, apresente-se jovem.
-Olá turma, sou Jeon JungKook.
Todos o cumprimentaram e a aula começou. JungKook...ele anda com Jimin, mas é completamente diferente. Ele fica quieto na dele, mas se você puxar conversa ele bate um papo com você numa boa, meigo e sorridente, por que Jimin não é assim? Aff. Pelo menos com os outros garotos JungKook foi amigável, mas será que comigo é a mesma coisa? Será que o Jimin falou algo pra ele sobre mim? Aish. Durante a aula, Kook copiou os textos do quadro e prestou atenção em tudo, já Jimin, ficou rabiscando o caderno durante todos os cinquenta minutos, o que será que ele tanto rabisca? Ele não me deixa ver, aff. Assim, mais uma aula se passou, e enquanto o professor de física não chegava, alguém resolveu puxar conversa:
-Oi. - Disse JungKook.
-O-Oi. - Respondi, isso me surpreendeu.
-Você é a garota de ontem né?
-Sim. - Desviei o olhar.
-Então é daqui que vocês se conhecem. - Ele olhou pro Jimin, mas o mesmo o ignorou e continuou a rabiscar seu caderno.
Fiz um olhar meio cabisbaixo, acho que ele percebeu.
-Não ligue pra ele, ele é insensível assim mesmo, menos quando está diante de um prato de carne assada, ai ele fica meiguinho meiguinho.
Jimin arrancou e queimou a alma dele com o olhar, mas ele nem ligou.
-Qual seu nome? - Perguntou.
-Amy.
-Prazer Amy, sou JungKook, mas pode me chamar só de Kook se quiser.
-Prazer, Kook. - Brevemente curvei minha cabeça o cumprimentando.
-Ah que isso, não precisa de formalidade comigo não. - Disse ele com um sorriso meigo.
Apenas retribui o breve sorriso. Só pela cara do Jimin já ficou mais do que óbvio de que ele não gostou nada dessa "aproximação" minha e do Kook, ao contrário de mim que adorei, Jimin se tornou uma pessoa muito difícil de se lidar, isso que eu convivi com ele por apenas um dia e algumas horas até agora, e Kook parece ser bem próximo dele, e bem mais sociável. Quando o professor de física chegou, todo mundo já fez aquela cara de defunto. Ele é um saco, nem sei como que fui com azul na matéria dele ano passado. (...) Mais uma aula se passou, e Jimin rabiscando aquele caderno, tentei espiar de todas as maneiras, acho que ele percebeu isso, não, ele com certeza percebeu isso e eu tava com medo de ele tacar a mesa em mim. Eu tentava espiar pelo menos um pouquinho, mas nele não me deixava ver de jeito nenhum, colocava a mão em cima, o estojo, a mochila, teve uma hora que JungKook desfarçou a risada mas eu percebi, no final eu desisti, não consegui ver nada e ainda paguei mico, ótimo.
Quando o sinal bateu, os dois enfiaram os cadernos nas mochilas e sumiram, e como eu sou lerda fiquei um tempão tentando fechar minha bolsa porque o ziper emperrou, aff. Ao finalmente conseguir fechar a bendita bolsa, corri para o refeitório. Os dois garotos estavam sentados numa mesa, já comendo, peguei minha bandeja, me servi e me sentei algumas mesas depois da deles. E agora? O que eu faço? Minha estratégia é ir lá como quem não quer nada com o Jimin, puxando conversa com Kook e fazer algumas perguntas e indiretas. Mas seria muita cara de pau né? Aish. Ah, dane-se, eu vou lá!
Quando me levantei, um grupo de garotos chegou na mesa deles e se sentaram, eram os mesmos garotos que estavam com eles no CafeBook ontem, affz que azar. Me sentei lentamente com uma cara de desânimo, até que alguém apareceu:
-Posso me sentar com você? - Era HongBin com sua bandeja na mão.
-Ah, claro. - Claro? Por que eu disse claro? Eu não sei!
Ele se sentou com um sorriso meigo e disse:
-Amy, não é?
-Sim.
-Sou HongBin.
-Muito prazer, HongBin. - Ele sorriu.
Uma garota se aproximou da mesa dos garotos e se sentou junto a eles, ela tinha longos cabelos negros de dar inveja. Eu não parava de olhar para aquela mesa, e HongBin percebeu isso.
-Quem são eles? - Perguntou.
-Hãn? Eles quem? - Ai que vergonha.
-Aqueles garotos novos.
-Não sei, não os conheço..
-Humm, e aquele ali? - Apontou discretamente para Jimin. -Aquele você conhece né?
-Só aquele ali.. - Desviei o olhar. Eu poderia falar que não, que eles não eram "ninguém", mas não consegui.
Tomei um gole de suco pra desfarçar, mas no mesmo instante HongBin perguntou:
-Você gosta dele?
Engasguei. Comecei a tossir, meu olho chegou a lacrimejar.
-Ta tudo bem? - Perguntou. Que ótima impressão você causa nas pessoas né Amy.
-Tudo. - Respirei.
Ele ficou me olhando, esperando eu responder a pergunta.
-Gostar dele? Haha, nada ver, ele apenas alguém que eu conheço a alguns anos..
-Mentira.
O encarei com cara de taxo.
-O jeito que você olha pra ele... - Olhei para Jimin. -Parece o  jeito que eu olho pra vo...ÉR.... um jeito diferente, estranho, sei lá, e você ta toda hora olhando pra ele sem parar e.. - Acho que alguém ficou nervoso.. e, espera, como ele sabe que eu fico olhando pro Jimin toda hora?
-Ah...é só impressão sua. - Desviei o olhar, alguma coisa me diz que minhas bochechas estão completamente coradas.
Ele sorriu, sem graça.
-Eu..vou no banheiro. - Disse ele, eu estava corada sem dúvidas, mas ele tava mais.
-Ok.
Ele sumiu, parece que evaporou, e também não voltou.
-Oi. - Disse Nate se sentando ao meu lado. -Fazendo amigos novos é.
-Acho que sim, na verdade não sei.
Ele riu.
-Cadê a Akemi? - Perguntei.
-Ela foi lanchar lá na biblioteca com umas amigas pra terminar um trabalho, pediu pra mim te avisar, mas como você tava acompanhada eu não quis atrapalhar.. - Dei um leve tapa na cabeça dele.
-Imbecil. - Resmunguei baixinho, ele riu.

DELIRIUMOnde histórias criam vida. Descubra agora