Rabiscos

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Não pensei, não hesitei. Apenas corria na direção dele o mais rápido que conseguia. O motorista tentou freiar mas já era tarde, juntei toda a força que tinha e empurrei Jimin para a calçada, mas não tive tempo de correr. Foi tudo tão rápido, que quando voltei a si estava no chão, atordoada em meio a estilhaços do vidro do carro.
—Amy! Amy! - Chamava Hongbin.
—Amy! - Gritava Akemi.
Minha vista estava um pouco embaçada, senti uma forte dor na minha cabeça e no meu braço direito. Me sentei no chãolentamente com a ajuda de Hongbin, estavamos rodeados de pessoas, olhei para todos os lados até que finalmente o achei. Jimin havia caido no chão devido ao meu empurrão, ele tropeçou no meio fio. Do jeito que ele caiu ele ali estava, sentado, com alguns arranhões e com os olhos estalados, imóvel.
—Amy, você está bem?! - Perguntava Hongbin.
—Estou bem. - Falei colocando a mão na minha cabeça e soltando um baixo gemido.
—Está sangrando. - Disse ele, em seguida rasgou um pedaço de sua camiseta e o precionou contra o pequeno ferimento no lado esquerdo de minha cabeça.
O fitei por alguns segundos, ainda estava um pouco atordoada por causa do impacto, e quando voltei meu olhar a calçada Jimin já não estava mais lá. Ouvi o alto som de uma sirene se aproximando, e em questão de segundos a ambulância chegou. Só me lembro que depois que me colocaram na maca eu apaguei, e só acordei algumas horas depois no hospital. A enfermeira foi até a sala de espera avisar que eu havia acordado, e que um de cada vez poderia vir até o quarto me ver, mas em menos de um minuto Amy e Nate já estavam aqui.
—Que susto que você me deu! Sabe o quanto fiquei preocupado? Olha aqui, eu vim com um pé de cada tênis, sem uma meia e acabei de ir no banheiro desvirar a minha camiseta! - Dizia Nate.
Brevemente ri e respondi:
—Eu estou bem, irmãozinho. Não deveria tê-lo preocupado desse jeito, Akemi, sempre exagerada.
—Yah, eu fiquei muito preocupada também ok?! - Ela se manifestou. —Mas parece que nossa preocupação não chegou nem perto da do Hongbin.. - Disse ela revirando os olhos.
—Hongbin? - Perguntei.
—Sim, ele não parava de olhar pra você lá no parque, e quando o acidente aconteceu ela saiu correndo mais rápido que todo mundo pra ver se você tinha se machucado. - Continuou ela, num tom diferente, ciúmes com certeza.
—Ah... com certeza irei agradecê-lo por isso, pode arranjar o telefone dele pra mim? Se é que você já não tem...
—Telefone? Nem precisa, ele tá aqui.
—Aqui?
—Sim, eu disse pra ele ir pra casa e descansar, mas ele nem ligou, aff. - Ri denovo, ela realmente estava com ciúmes.
—Vamos sair pra ele entrar, é um alívio ver que não foi nada tão grave, visitarei você amanhã. Melhore logo. - Disse Nate dando um beijo em minha testa.
—Ok, não se preocupe e não pule refeições, também não vá dormir muito tarde viu mocinho.
—Pode deixar. - Disse ele como uma cara de pau. —Vamos Akemi.
—Eu vou ficar mais um pouquinho.
—Você não quer deixar o Hongbin entrar né.
—Yah!
—Vamos. - Dizia ele puxando ela pelo braço.
—Taaaaa. - Resmungava ela o acompanhando.
Não demorou muito para que Hongbin entrasse, ele se sentou ao meu lado e perguntou:
—Como você está?
—Estou bem, foi só um ferimento superficial na cabeça e um ombro deslocado, não se preocupe.
—Não me preocupar?! Yah! Você entrou na frente de um carro em movimento pra salvar aquele imbecil! Aish!
Abaixei minha cabeça e desviei o olhar. Como será que ele está? Será que Jimin se machucou? Espero que não..
—Desculpa. - Disse Hongbin depois de um profundo suspiro. —Eu só fiquei preocupado, você deu um susto em todos nós.
—Akemi me contou que você foi o primeiro a vir me socorrer, vou pensar em alguma forma de te agradecer. - Falei com um breve sorriso.
Percebi que ele corou e desviou o olhar, deu um breve sorriso muito envergonhado.
—Ah.. não precisa me agradecer, apenas se recupere logo, ok?
—Em uns dois dias já estarei em casa, ficarei aqui até os resultados dos exames sairem pra ter certeza de que não foi nada demais.
—Que bom, se precisar de qualquer coisa me ligue tá? Vou deixar meu número com seu irmão.
—Ah, ok...mais um vez, obrigada.
Ele sorriu e depois se retirou.
Dois dias depois eu já estava pronta pra receber alta, fui até a recepção encontrar Nate e pagar a conta.
—Eu fui pagar mas.. - Disse Nate.
—Mas...?
—A moça disse que alguém já pagou tudo.
—O que?! Aish.
Fui até o balcão me informar,  e a recepcionista me mostrou o recibo com a assinatura de Lee Hongbin.
—Aish, esse garoto.. - Resmunguei baixinho. (...)
O médico disse pra mim repousar e não me esforçar, mas eu tive que ir pra escola ver se ele está bem. Ao chegar na sala ele não estava lá, pra variar. E só alguns minutos depois que a aula tinha começado ele entrou.
—Atrasado denovo Park Jimin. - Disse o professor. —Yah, JungKook, não vá na onda do seu amigo ai hein.. - Brincou o professor, mas Jimin nem deu ouvidos, sentou-se no seu lugar como se ninguém tivesse falado com ele.
Eu olhava de vez em sempre, mas não é novidade que ele não ligue. Eu estava entediada, não podia copiar pois pra ajudar foi o meu ombro direito e meu braço inteiro está enfaixado, o máximo que eu posso fazer é fotografar a lousa e copiar em casa quando estiver melhor.  Passei as aulas perdida em meus pensamentos e ora ou outra olhando pra ele - nada anormal - que pra variar desenhava naquele caderno sem olhar pros lados nem por um segundo.
Quando bateu o sinal do intervalo, ele saiu sem ao menos olhar pra trás. Revirei os olhos e peguei minha bolsa para sair também até que Kook veio até mim.
—Oi. - Disse ele com um sorriso fofo.
—Oi.
—Você está bem? Sobre aquilo que aconteceu no parque...
—Sim sim, obrigada. - Respondi com um sorriso.
—Quanto ao Jimin... não ligue pra esse jeito dele, ele é meio insensível assim mesmo, mas só por fora haha.
—Ah... - Desvirei o olhar e sorri.
—Aqui estão as anotações das aulas que você perdeu, são importantes porque vai ter prova essa semana, se você tiver alguma dúvida eu posso tentar te ajudar. - Disse ele me entregando os papéis.
—É muita gentileza da sua parte. - é bem provável de que eu esteja igual a um pimentão de tão sem graça - obrigada, Kookie.
—Denada. - Disse ele com um sorriso, em seguida foi procurar Jimin.
Fui até o refeitório onde encontrei Hongbin almoçando com Nate, Akemi estava vindo no corredor e quando ela me viu, correu até a mesa pra chegar antes de mim.
—Posso falar com você? - Perguntei a Hongbin.
—Claro. - Disse ele se levantando logo em seguida, Akemi me encarou com os olhos entreabertos, Nate brevemente riu.
Subimos até a quadra de esportes para conversar.
—Está melhor? - Perguntou ele.
—Sim, só o ombro que ainda dói um pouco mas é só uma questão de tempo.
—Ah sim, não pode se esforçar hein. - Ele sorriu.
—Pode deixar. - Sorri.
—Então..sobre o que quer conversar?
—Aé. - lerda. —Quero te dar isso. - Abri minha mochila e retirei um pacote de presente.
—Yah, isso aí não é pra mim né?
—É.
—Aaaish, eu disse que..
—Yah, se você recusar você vai ver só.
Ele meio que se surpreender com minhas palavras ameaçadoras e pegou o pacote da minha mão, ambos rimos. Ele estava envergonhado, abriu o pacote todo atrapalhado e ficou com mias vergonha ainda.
—Você rasgou sua camiseta aquele dia, então eu comprei uma nova. Não tinha da mesma cor então eu escolhi branca, espero que goste. - Eu também estava corada, mas não igual a ele.
—Eu adorei, nossa, vai servir certinho! Não precisava mas...obrigado. - Ele sorriu e desviou o olhar.
—Não é o suficiente pra te agradecer, então eu fiz isso...
—Tem mais? Aish.
Entreguei um pote a ele, ele abriu e seus olhos brilharam.
—Bolo de limão?!
—Akemi me disse que é sua sobremesa preferida, ela sabe tudo sobre você, não sei como então não me pergunte, haha.
Ele riu e corou mais ainda.
—Não posso aceitar.
—Yah, não ficou tão ruim assim pode comer sem medo.
Ele riu e disse:
—Não é por isso é que..
—Yah Lee Hongbin! Se você recusar os meus presentes eu vou ficar triste! Quer ficar famoso na escola por fazer garotas chorarem? Hein? Hein?
—Isso é chantagem moça. - Ambos rimos.
—Por fim.. - Falei lhe entregando um pequeno envelope.
—O que é isso?
—O dinheiro da conta do hospital que você pagou.
—Isso eu não vou aceitar.
—Ah, por favor..
—Não.
—Aaaish, quem você puxou pra ser teimoso assim?
Ele ergueu uma das sobrancelhas e sorriu de canto.
—Mas sério, eu não posso aceitar isso. - Falei.
—Foi de coração. - Disse ele sorrindo, em seguida bagunçou meu cabelo. —Obrigada pela camiseta, e sobre o bolo, não o dividirei com ninguém eu prometo. Até mais tarde.
Ele me deixou lá plantada com o envelope na mão, aish. No mesmo instante avistei Jimin vindo, sozinho, estava suado - deveria estar jogando basquete - e não hesitei em ir até ele.
—Oi. - Falei, ele revirou os olhos ao ver que era eu. —Você está bem?
—Sim. - Respondeu, curto, grosso e frio. Em seguida continuou andando.
Corri até ele e parei em sua frente.
—Yah, ainda não terminei.
Ele fechou os olhos e respirou fundo, impaciente.
—Minha amiga me disse que você está com um ematoma no braço por causa daquele dia, deve estar dolorido então eu trouxe uma poma...
—Não preciso disso. - Continuou andando, mas fui até ele novamente.
—Precisa sim, não seja teimoso. - Peguei a pomada e tentei entregar nas mãos dele, mas ele deu um leve tapa na minha mão fazendo com que o frasco caisse no chão.
—Eu disse que não preciso! - Bufou e continuou andando.
—Yah, Park Jimin! - Falei entrando na frente dele denovo.
—Saia da minha frente.
—Não até você pegar.
Ele revirou os olhos e suspirou.
—Por favor..
—Qual é o seu problema?!
Me calei abaixei a cabeça.
—Sério, eu já estou cheio disso!
De repente, meus olhos marejaram, instantaneamente.
—Que foi? Ficou sensível de um hora pra outra? - Disse ele em um tom debochado.
—Qual é o SEU problema?! - Gritei. —Será que por um segundo, um mísero segundo você vai parar de me olhar com tanto desgosto?!
Ele se calou e me fitou por alguns segundos.
—Eu já estou cheio de você! Eu não entendo porque você fica atrás de mim toda hora, me olhando, me agradando, colocando meu nome em trabalhos, respondendo a chamada por mim porque eu estou ouvindo música em horas que não devia, e aquilo? O que foi aquele acidente?! Porque você me salvou?! Eu não sei porque você faz essas coisas, só sei que você me irrita!
—Você disse que sabia quem eu era!
—Porque o professor disse o seu nome!
Me calei imediatamente. O que é isso? Está me zoando?
—Você deve estar me confundindo com outra pessoa.
—Eu não est...
—Já chega! Escuta garota, quer me agradar? Aja como se nem soubesse o meu nome, ok? Isso vai ser bom tanto pra mim quanto pra você.
Senti uma lágrima cair.
—Você... - Uma voz apareceu atrás de mim, era Hongbin.
Ele apareceu do nada e empurrou Jimin para longe de mim.
—Você fez ela chorar! - Disse ele e em seguida lançou um soco no rosto de Jimin, mas quando o mesmo foi revidar Kook apareceu.
—O que está acontecendo aqui?! - Disse ele. —Jimin, arrumou encrenca denovo?
Jimin encarava Hongbin, estava com raiva e de saco cheio de ele ficar se entrometendo toda hora, mas o jeito que Hongbin olhava pra ele...estava assustando até a mim.
—Esse imbecil já chegou me socando! - Disse Jimin.
Hongbin deu um passo a frente pra tentar socá-lo denovo, mas eu entrei na frente dele e falei:
—Já chega!
—Vamos sair daqui. - Disse Kook arrastando Jimin, que fitava Hongbin com um olhar que dizia "vai ter volta".
Depois disso as lágrimas começaram a cair de meus olhos, uma a uma, sem fazer nenhum esforço. Hongbin tentou enxugá-las com uma das mãos mas eu desviei.
—Eu gostaria que você não se metesse mais. - Falei e em seguida me retirei, antes mesmo que ele pudesse dizer algo.
Fui pra biblioteca dando passos rápidos, ouvi alguém me chamar mas ignorei. Me sentei em um canto qualquer, e desabei. Sinceramente eu não sei mais o que fazer. Pensei que jamais iria dizer isto mas... desistir está parecendo a minha única opção. Eu não confundi ele com outra pessoa, na verdade, pensando bem eu reconheci apenas o físico, pois o Jimin que eu vejo agora é um Jimin vazio, frio, insensível, sem amor, sem carinho. Dói vê-lo assim, eu quero mudar isso o mais rápido possível, quero trazer aquele Jimin sorridente de volta, mas as coisas só se complicam. Com mais essa de que ele não se lembra de mim, está praticamente impossível. Apenas o fato de eu olhar pra ele, ele já fica irritado. Mas o que mais me deixa frustada, é que quanto mais ele age assim, mais eu quero ajudá-lo, ficar perto dele, agradá-lo. Droga. Preciso de alguém pra me ajudar, alguém que também queira o bem dele tanto quanto eu, sozinha eu não vou conseguir. Acho que eu já sei quem posso pedir ajuda... é isso! Com certeza ele vai me ajudar! (...)
O sinal bateu e tive que voltar pra sala, mas dessa vez durante todos os 120 minutos das duas últimas aulas eu não tive coragem de olhar pra ele nem se quer uma vez. Mas também não preciso de muito esforço pra adivinhar o que ele está fazendo, da pra ouvir o som alto dos fones dele e o barulho do lápis rabiscando a folha de seu caderno de desenho. Quando o sinal de saída bateu ele foi o primeiro a sair, nem olhou pra trás pra esperar o Kookie, que já foi atrás dele logo em seguida. Percebi que embaixo da mesa dele havia alguma coisa, fui ver o que era e me surpreendi ao perceber que era o famoso caderno de desenho que ele tanto rabisca. A última aula foi um trabalho de química e ele deve ter colocado o caderno embaixo da mesa e acabou esquecendo. Eu sei que se eu abrir e ele souber eu vou estar morta, mas minha curiosidade falou mais alto. Abri o caderno e comecei a folhear, não haviam muitos desenhos, mas todos eram uma mesma pessoa, uma criança. Uma garotinha doce, em diferentes ângulos, sorrindo, chorando, brincando, suas linhas e sombreamento preto e branco eram simplismente perfeitas.
—Essa criança....se parece com...comigo. - Gaguejei.
Eu deveria estar vendo coisas, vegetando, sei lá. Mas não. Todos os desenhos eram em preto e branco, a única parte que ele pintava eram os olhos dela, com um verde tão forte e intenso quanto o de uma floresta inteira. É muita coincidência, não? Estamos na Coréia do Sul, quantas garotas ocidentais com os olhos verdes será que ele conhece? Devo me iludir? Aish. Fechei o caderno, o abracei e fiquei fitando a parede por alguns segundos, quando ele apareceu na porta. Suspirou, veio até mim e tomou o caderno de minhas mãos sem um pingo de gentileza, e em seguida foi embora.
No ônibus de volta pra casa, segui em silêncio e mais uma vez perdida em meus pensamentos, Akemi chegou a perguntar se eu tava drogada ou algo assim pois eu sempre reclamo de ela falar demais, mas nem isso eu respondi. Eu estava de licença médica por causa do meu braço, e teria que arrumar algo pra fazer o dia todo já que Nate e Akemi foram trabalhar. Um terço do dia eu passei fitando o teto do meu quarto, jogada na cama igual um boneco, pensando naqueles desenhos.
—Não faz sentido. - Eu sussurrava vez ou outra.
O resto do dia eu passei comendo, mas nada de anormal nisso. No final da tarde eu desci na papelaria que fica a umas duas quadras daqui tirar xerox das anotações que Kook me emprestou. Quando voltei pra casa, fiquei vegetando trocando de canal a cada três segundos tentando achar algo descente pra assistir até Nate chegar. (...)
No dia seguinte, na escola, tentei ignorar Jimin o máximo que eu conseguia - na verdade ele que me ignora né mas - e na saída, corri até Kook.
—Hey, JungKookie! - Chamei.
—Ah, Amy, no que posso ajudar? - Disse ele com um sorriso meigo.
—Bom eu... eu meio que buguei na hora de aplicar essa fórmula aqui. - Falei mostrando o papel a ele. —Pode me ajudar nisso?
—Claro, acho que estou livre hoje.
—Sério? Obrigada Kookie, pode ser as três lá no CafeBook?
—Combinado.
—Ok, até mais tarde. - Me despedi com um sorriso.

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