Capítulo I

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Ninguém repara na menina de capuz andando pela rua cheia de escombros. Ela também não faz questão nenhuma de prestar atenção ao que acontece em sua volta. Tentando não parecer suspeita, enquanto anda o mais rápido possível, a garota entrou em um prédio abandonado, sumindo de vista.

Seu pai, geralmente, era quem levava comida para casa. Era raro quando ele a deixava sair do pequeno apartamento que moravam, mas agora que ele está morto, é ela quem carrega o fardo de lutar para sobreviver. A lembrança do pai a deixa, muitas vezes, sem ar. Como se algum órgão tivesse sido arrancado a força do seu corpo e a ferida ficasse exposta. 

Tentando distrair a cabeça, ela apertou o passo. Não é difícil para ela se disfarçar, qualquer um que a veja na rua pode muito bem achar que ela é extraordinariamente normal. Não uma fugitiva da lei, uma ninguém, uma sem causa.

Seus cabelos pretos, olhos castanhos, pele clara e corpo atlético se encaixam perfeitamente com os dos outros adolescentes que vivem em sua região. A diferença entre ela e eles, é que ela tem apenas um objetivo na vida: fugir. Enquanto eles vão para a escola, brincam com os colegas na rua e até mesmo trabalham.

O nome dela não está na lista de cidadãos, então não dá para simplesmente entrar na fila que se forma em frente ao Centro de Dações todas as semanas e pegar as cestas de comida, água e produtos de higiene pessoal que o governo fornece para as famílias. Assim como ela não pode ir até o Centro de Cura ou Centro de Vestimentas.

Mas ela não liga. Viver das migalhas dadas pelo Governo e ainda ter que agradecer por isso nunca foi o estilo do pai, e consequentemente, nem o dela. 

A garota terminou de atravessar o prédio e saiu em uma rua bem pequena e tumultuada. É impossível um automóvel passar ali - não que exista muitos carros, os automóveis são raros, somente os mais ricos usam um.

Com o capuz na cabeça ela andou por entre a multidão com facilidade, sempre fitando o chão sujo de poeira e cheio de buracos. Em uma mão ela segura a sacola de comida contrabandeada, a outra está enfiada dentro do bolso, agarrada a uma pistola que ela espera não precisar usar.

 Assim que chegou ao final da rua, que para o seu desagrado é sem saída, diminuindo suas chances de fuga, ela entrou em um prédio amarelo, desbotado, de quatro andares, um dos únicos que continuou em pé depois das guerras e catástrofes.

- Olá Fay, vejo que fez as compras da semana. - Um homem gordo, baixo e careca, usando um avental velho e surrado, apareceu na primeira porta do corredor.

- Sim, fui até a casa do Marcus hoje, ele pareceu surpreso em não ver meu pai. - Fay tentou parecer o mais indiferente possível, mas ao lembrar da pena nos olhos de Marcus, sua voz falhou. Ela não gosta de se sentir fraca. - Assim que contei o que aconteceu ele ficou com dó e acabou me dando mais comida que o necessário, ele também não aceitou que eu o pagasse. 

Marcus é o contrabandista que vive na vizinhança, e tem um estoque de comida e água que ele vende no mercado negro. Também vende drogas, mas Fay nunca quis chegar perto de nenhuma delas. Ele só não foi preso até hoje porque a maioria dos Soldados que patrulham a região se beneficiam com a mercadoria dele.

- Ah sim! O Marcus pode ser muito legal quando quer, mas acredite em mim Fay, você não pode confiar naquele homem. Um dia ele te doa comida, no outro ele te apunhala nas costas.

Fay concordou com a cabeça. O pai dela já havia a advertido, em conversas passadas, sobre como Marcus pode ser maquiavélico quando quer.

- Quer saber? Por que você não janta aqui hoje? - O homem saiu da frente da porta e deu espaço para Fay entrar.

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