Certo dia, Daniela voltou a falar de Elsa.
— Você despachou aquela carta?
— Qual, Daniela?
— Léo Paiva para Elsa Coelho.
Ela continua preocupada com Elsa, pensou ele.
Houve um silêncio.
— Não — disse ele, finalmente.
— Por quê?
— Elsa não merecia ler aquilo.
Daniela ia dizer algo, mas calou-se e beijou-o na testa.
— Acho que Elsa ainda está viva — disse ele.
— O quê? — Daniela foi pega de surpresa.
— Chegou uma carta dela, destinada a Léo Paiva.
Rafael puxou um envelope aromatizado da bolsa-carteiro.
— Vai entregar?
— Claro, Daniela.
— Então...
Rafael respirou fundo. Era nítido que enquanto a história de Elsa e Léo não tivesse um desfecho, Daniela não sossegaria.
— Quero que você leia antes — contou.
— Obrigada, meu amor — disse ela.
Daniela correu para a cozinha. Cinco minutos depois, lia a carta:
Barra, Bahia, 20 de maio de 1993.
Léo,
Pedi a uma das enfermeiras que escrevesse para mim enquanto dito. Não tenho mais forças nas mãos nem nas pernas. Estou definhando. Dizem que eu tenho pouco tempo. A doença já devastou minha visão, deixando-me nas sombras. Choro todos os dias, confesso. Mas tenho esperança... Esperança de que você venha e segure minha mão. Lembra-se de quando eu ficava ao seu lado e não costumava ter medo de nada? Preciso de você, entende? Nem que seja por um minuto. Sei que já faz dez anos e que talvez você já tenha encontrado um novo amor — você sempre foi um galanteador! Mas lembre-se de tudo que te dei. Por favor, só preciso que você esteja do meu lado. É a única coisa que lhe peço.
Elsa Coelho
P.S. Não tive retorno quanto à última carta. Recebeu?
Elsa realmente ama esse homem, pensou Rafael.
— O que faremos? — indagou Daniela, perplexa.
— Nada — disse ele, irritado. — Minha intenção era te acalmar, queria que você não se preocupasse mais com essa história, mas acho que fiz besteira. Sou um grande idiota. Deveria ter lido a carta antes e inventado alguma coisa sobre Elsa para você.
— Você não conseguiria mentir, Rafael.
— Não custava tentar — disse serenamente.
Daniela ficou calada por alguns segundos, imersa em devaneios. Só há um jeito... Não custa tentar.
— Léo precisa ir até lá vê-la!
— Você mesma contou que ele não quer, Daniela.
— Sim, é verdade.
— E mesmo que ele fosse...
— Ele traria paz a Elsa — disse Daniela, nervosa. — E isso já seria o bastante.
— Então, como faremos para Léo ir até lá?
— Comover Léo seria uma perda de tempo, pior ainda seria explicar que eu abri as cartas... Não, não podemos fazer isso.
— E o que vamos fazer?
— Eu vou comprar as passagens e você arrume as malas.
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Algumas Cartas Não Devem Ser Abertas
Historia CortaALGUMAS CARTAS NÃO DEVEM SER ABERTAS foi publicado originalmente em uma antologia da Andross Editora. AMOR NAS ENTRELINHAS, organizada por Leandro Schulai, em 2014. Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam. [Clarice Lispector].