Capítulo 5 [2ª parte]

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Vinte e seis de novembro – 10h03min


Abro os meus olhos lentamente, devido à claridade que havia no quarto, como se a luz solar fosse um repulso à minha vista. Bocejo e olho o despertador sobre a mesinha de cabeceira, reparando que aquele quarto não era meu. Logo lembranças da noite anterior me passam pela cabeça e sinto um arrepio percorrer todo meu corpo. Viro-me com lentidão e deparei-me com o Enzo a dormir na mesma cama que eu, passivo e com o seu braço sobre a minha cintura, como se eu fosse algo que lhe pertencesse, como se fossemos um casal, um casal de verdade.

Imagens da noite anterior aparecem na minha mente e estremeço. Eu tinha-me entregado ao homem que me comprara, literalmente. Apesar de ter sido bom, sinto-me vazia pois sei que o que aconteceu entre nós não tinha significado nada para ele. Já para mim significou que fui fraca e que me entreguei ao homem que eu não amo. Nunca imaginei que seria assim a minha primeira vez e isso deixara-me extremamente irritada, mas, também, triste.

Encaro os olhos azuis de Enzo e, por alguns momentos, fiquei estática a olhar para aquele homem à minha frente, totalmente nu e descontraído. O seu braço sai da minha cintura como se a mesma fosse um lugar proibido ao seu toque.

- Bom dia! – Sussurrou com uma voz muito rouca e desvia o seu olhar, levantando-se da cama, não se importando com a sua nudez.

Enzo desaparece na casa de banho e eu aproveito e levanto-me da cama. Não valia a pena trata-lo de forma diferente, afinal só tínhamos feito algo insignificante. Não havia qualquer sentimento entre nós, era apenas sexo, algo carnal para satisfazer o prazer de ambos. Nada de olhares românticos, delicados carinhos ou palavras bonitas. Procuro as minhas roupas pelo quarto e encontro o meu vestido e a minha roupa interior sobre uma poltrona no canto da divisão altamente moderna, como o resto da casa. Não iria passar o corredor, totalmente nua, e dar-me ao azar de alguém me ver nestas figuras. Visto apenas o vestido e pego nos meus sapatos e no resto das minhas coisas.

- Lia! – O meu nome dito por ele sempre suave como choques eléctricos no meu pensamento, provocando impulsos nervosos até ao meu estômago e resto do meu corpo. Era tão estranho porque eu gostava de ser chamada por ele, e isso deixava-me tão frustrada por momentos. Virei-me para o Enzo e encarei-o, tentando não me intimidar com o seu olhar azulado. – Não falas nada? Podemos ir tomar o pequeno-almoço juntos, a um lugar qualquer, o que achas?

O meu coração batia fortemente, como se eu estivesse a ter um grande terramoto entre os meus órgãos. Porquê todo aquele simpatismo? Ergo a minha sobrancelha.

- Não, obrigada. Vou voltar para o meu quarto. – Dito isto, volto a virar-me e antes que consiga alcançar a fechadura da porta sinto a sua mão no meu braço.

- Como te sentes? – Reviro os olhos. Ainda tem a lata de me perguntar como me sinto. Talvez eu até tenha acordado de mau humor, na minha primeira manhã pós-sexo, mas não me importo. Nós não somos nada um ao outro, eu ainda odeio aquele homem por pensar que pode mandar em mim e usa-me como brinquedo.

- Enzo larga-me. – Peço baixo, não o encarando pois não queria que ele visse a minha fraqueza perante aquela situação. Não lhe iria mostrar a minha parte fraca, quer dizer, eu lhe tinha mostrado que era fraca quando não consegui não ir para a cama com ele. Fecho os meus olhos por momentos e respiro fundo.

- Fala comigo, Lia. O que se passa? – A sua voz, apesar de séria, continha alguma preocupação. Acabo por virar-me para ele, desistindo de manter o meu silêncio e encaro-o.

- O que se passa? Ainda tens a inocência de me perguntar tal coisa? – Falo. – Estragaste a minha vida, Enzo! Roubaste-me a vida... Ela poderia não ser perfeita, mas a que levo agora não é muito melhor que a que eu tinha anteriormente. E, se queres saber, eu não acredito que isto tenha a ver com dinheiro. Não acredito que a minha mãe me tenha vendido para ti do nada. Há mais história aqui no meio e eu vou descobrir. – Resmungo. – Agora, podes mostrar a tua linda noiva aos teus amigos da máfia e dizer-lhes que és muito feliz a meu lado e que me tratas como uma rainha. Eu não quero saber! Tiraste-me tudo! – Sinto as lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas. – Não é porque me tiraste a virgindade que eu vou apaixonar-me por ti. Aliás, cada vez odeio-te mais! – Continuo. – Agora, larga-me, por favor... - Fecho os olhos e viro-me de costas para ele, esperando que ele tirasse a sua mão do meu braço.

- Lia... Eu preciso que me ouças... Não é fácil, mas como disseste: sim, há uma explicação para eu te ter comprado e a tua mãe sabe perfeitamente do que se passou. – Enzo continua a falar, enquanto permaneço de olhos fechados, tentando entender o que ele quer dizer com aquilo. – A tua vida meio que estava destinada a isto desde que nasceste. Lia, eu peguei em ti ao colo quando tinhas apenas quatro anos de idade.

- Chega! Não quero mais ouvir o que tu queres dizer! Larga-me. – Grito, puxando o meu braço para mim e choro mais. – Deixa-me em paz! – Sinto as mãos de Enzo no meu rosto e largo as minhas coisas no chão, levando as minhas mãos ao seu peito para o tentar empurrar para longe de mim. – Deixa-me Enzo! – Choro e consigo sair da beira dele, abrindo a porta do seu quarto e indo para o meu. Assim que entro naquela divisão, tranco a porta atrás de mim e escorrego pela mesma, chorando compulsivamente. Sentia-me vazia, oca, como se já não valesse mais a pena aquela vida que eu levava. A noite anterior tinha sido agradável, mas o que é bom acaba rápido. A realidade de tudo aquilo tocara-me à porta. Não estava só a minha vida em jogo como todo o meu passado que, pelos vistos, eu não conhecera.

Não sei se ele disse a verdade ou não, mas sinto que toda a minha vida foi uma completa mentira. Sinto-me um objecto nas mãos de pessoas reles, maldosas.

Sem qualquer resposta para as minhas perguntas continuei a chorar, ali, no quarto, sozinha e sem ninguém para me consolar. Sem alguém para me dar esperanças, dizendo que tudo ia fiar bem. Sem alguém para minimizar aquela dor horrível que não saía do meu peito.


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