11. Uma pergunta - Lado B

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Se alguém me dissesse que eu estaria diante de uma Amanda inconsciente e tentando controlar a minha ansiedade enquanto isso, jamais acreditaria. Mas se eu pudesse voltar no tempo agora, me enviaria uma mensagem, um sinal de fumaça, sobre toda a merda que poderia acontecer se eu estivesse de volta a esse Hospital. Voltar pela segunda vez faz tudo perder o sentido a cada minuto que continuo aqui.

Se eu não estivesse lá naquela noite, o que poderia ter acontecido? Elisa estaria nervosa demais e provavelmente demoraria para chamar o SAMU. O que ela faria com as meninas enquanto isso? Alguém apareceria para ajudar?

Elisa me mandou embora há quinze minutos e era o que eu devia ter feito, em vez de ter atravessado as portas da unidade de internação. Mas estou aqui, contra todos os motivos que eu tenho para não estar.

A primeira vez que eu chamei Amanda para sair, ela tinha dezesseis. Eu queria me exibir no volante, havia acabado de receber a carteira provisória, mas meu avô não me deixou pegar o carro. Fomos andando e eu tentei fazer parecer que tinha sido de propósito. Fomos a uma sorveteria que havia inaugurado duas quadras depois do nosso condomínio. Ela ainda funciona, mas virou um café. Eu sempre que passo pela frente, me lembro de como aquele era um dos nossos lugares favoritos.

Ela não parava de sorrir e eu tinha quase certeza de que meu corpo poderia se dissolver a qualquer momento, tamanho nervosismo. Eu estava transpirando pelas mãos, enquanto me esforçava para me convencer de que não havia nada de errado, sempre saímos juntos. Mas daquela vez era diferente. Ela sabia como eu me sentia e eu também sabia que era correspondido. Eu sempre soube que Amanda tinha uma quedinha por mim e demorei um certo tempo para enxergar algo diferente nela. Ou que poderíamos ser mais do que amigos.

Amanda pediu um torpedo e eu um milkshake de flocos com calda de chocolate. Duvidei que ela conseguiria comer quatro bolas de sorvete com banana caramelada e ela simplesmente aceitou o desafio.

Naquele mesmo dia, eu prometi algo que quase acabou comigo anos depois. Eu penso nisso às vezes, por mais vezes do que consigo admitir. Talvez eu tenha estragado tudo naquele dia na sorveteria, quando sequer éramos mais do que vizinhos que tinham uma quedinha um pelo outro. Coloquei tudo a perder quando respondi que era um cenário impossível. Logo depois de Amanda dizer que me perder seria a pior coisa que poderia acontecer e esse seria um risco enorme depois que nos beijássemos.

Eu ri, meio nervoso. Disse que ela era meio doida e ainda completei: era impossível um mundo existir sem que estivéssemos juntos. Um na vida do outro.

Até algum tempo depois ela pedir que eu evitasse ir à casa de Mel enquanto ela estivesse por lá, para não deixar o clima esquisito. E ter pedido a Mel para me contar, porque ela não queria me ver de jeito nenhum.

Minhas mãos estão suando agora, exatamente como naquele dia na sorveteria. Encaro o último leito através da porta aberta. Me empurro até ela, guiando passos lentos e com a pulsação acelerada. Um ritmo que me alerta sobre o quão é errado estar aqui. Havia prometido a mim mesmo que não faria isso. E sim, é um clima estranho pra caramba.

A primeira coisa que confiro são as informações no monitor.

Frequência cardíaca variando em setenta e quatro.

Saturação em noventa e um.

Cama elevada para reduzir a pressão intracraniana.

Máscara bem-posicionada.

Padrão respiratório regular e nenhum sinal de desconforto.

Parece estável.

Depois, olho para ela.

Essa é a primeira vez em anos que eu consigo olhar para ela por tempo suficiente para que eu me permita sentir a nostalgia de todas as lembranças, antes de me sentir culpado.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora