"Claro que está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isto significaria que não é real?"
(J.K Rowling)Eu conheci Henrique quando tinha sete anos. Ele era um dos garotos mais velhos que não deixavam as crianças andarem de triciclo no playground, porque utilizavam todo o espaço para jogar futebol. Eu só gostava dos balanços do parque, então não me importava.
Também me lembro do quanto achava engraçado ele ter cachinhos como um anjo. Até que um dia ele acertou a bola no meu rosto. Não foi de propósito, embora isso não tenha me impedido de fazer um escândalo. A armação dos meus óculos de grau feriu meu rosto e eu não tenho certeza se realmente doeu ou se foi por causa de toda a vergonha em ter sido o motivo de risada.
Todos estavam rindo, menos ele. Naquele mesmo dia eu recebi um pedido de desculpas e uma boneca; um sinto muito envergonhado e abraço desajeitado.
E tantos anos depois, Henrique está aqui novamente.
Jogando algo muito pior do que uma bola de futebol contra o meu rosto. Arremessando a realidade com tanta força que fico tonta só por vê-lo aqui. Desta vez eu não quero uma boneca ou um abraço desajeitado. O que eu quero, ele não pode me dar, até por que já foi oferecido uma vez e eu recusei.
Henrique parece cansado. A barba por fazer e a expressão de quem não dormiu e se encheu de café para conseguir manter os olhos abertos são prova disso. Eu reconheço esse jeito dele de piscar os olhos, como se aproveitasse cada momento para um pequeno cochilo.
- Henrique! - Monstrinha cumprimenta. Pisco atônita, quando ele sorri discretamente de volta para ela. Não sei se o tempo parou ou se fui eu - A bela adormecida acordou.
- O médico já avaliou? - Henrique pergunta, mas não para mim, em meio a um encontro de sobrancelhas.
E o que é que você esperava, Dica? Que ele entrasse recitando juras de amor, dizendo que as horas em que ficou esperando você acordar o fizeram perceber que jamais deixou de te amar e tudo o que aconteceu foi um grande sinal de que é hora para uma nova chance?! É claro que não!
- Ele já está vindo, eu já informei na enfermaria que Dica acordou - responde Rosa em um gritinho escandaloso.
- Ela apresentou alguma anormalidade quando acordou? - insiste Henrique, dessa vez diretamente para Monstrinha.
- Só está sendo a Dica de sempre - responde Monstrinha.
Rosa não consegue conter uma risadinha. Ela é tão indiscreta que me faz encolher de vergonha.
- Essa aqui é Rosa, amiga de Dica. Rosa, esse é o... - Eu não acredito que Monstrinha está procurando um adjetivo para ele - Esse é Pedro Henrique.
- Muito prazer - Rosa o cumprimenta sorridente demais.
Por que Rosa não pode simplesmente acompanhar a conversa sem ficar olhando para mim a cada palavra que Henrique diz? Eu já entendi que ele está me ignorando e não preciso que alguém fique me lembrando.
Eu poderia me esconder debaixo dos lençóis, mas acho que é tarde demais. Henrique está se aproximando da cama.
- Ela reclamou de alguma coisa quando acordou? - pergunta ele, de pé ao lado do meu leito.
Será que eu pareço tão mal que não posso responder as perguntas?! Eu tenho certeza de que eu sou a melhor pessoa para respondê-las.
- As reclamações de sempre - Monstrinha ri e eu olho feio para ela - Ela disse que estava com sede.
- Estava preocupado com você - diz Henrique e dessa vez eu não tenho dúvidas de que ele está falando comigo.
O frio que eu estava sentindo se desloca diretamente para a minha barriga. E eu sei que não é o ar-condicionado que ficou mais frio de repente. Ou que seria impossível ter o nosso bebê se mexendo dentro de mim, porque seria um pouco cedo para isso e eu estou de volta e não estou grávida... É ele. São esses cachinhos castanhos, essas sobrancelhas que se juntam quando ele parece preocupado. São os mesmos olhos que estavam sobre mim horas atrás, os mesmos que disseram amar e que enfrentaríamos o futuro juntos. São as mesmas mãos, mas que não estavam dentro dos bolsos, mas invadindo a minha roupa enquanto me beijava.
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Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]
ChickLitUma garrafa de tequila embalada com papel de presente não era exatamente o que Amanda estava esperando, mesmo que fosse seu aniversário. No entanto, fora providencial. Depois de um dia péssimo, com direito a um encontro totalmente inesperado com um...