8. Misterioso Alvoroço - Lado B (Parte 2)

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— Isso foi meio esquisito, não foi? — Carol diz, acompanhando a técnica de enfermagem sair da sala.

Tento sorrir, mas me sinto um idiota. Eu sou sincero demais para me manter inexpressivo em momentos de tensão. O preceptor da residência me disse exatamente isso uma vez.

Amanda sempre falava que eu era um péssimo mentiroso.

— Do que vocês estavam falando?

Preciso dizer alguma coisa, algo que não seja contar exatamente o que acabou de acontecer. Mas é como se a minha mente fosse um enorme vazio.

— O que tem aí? — Aponto para o copo de isopor na mão dela. — Café?

Engulo em seco. Minha pulsação continua acelerada.

— Tem um senhor com uma banca lá fora — Carol aproxima o copo de isopor do rosto. — Eu devia ter escolhido o café com leite ao invés do cappuccino. — Carol entorta o copo para me mostrar a espuma amarronzada.

— Por que não pegou alguma coisa para comer?

— Não queria te deixar sozinho e acho que eu não devia estar aqui — sussurra a última parte.

— Quando foi a última vez que comeu? Precisa de mais do que esse cafezinho.

Insisto.

— Os pastéis pareciam cheios de óleo — Ela se desculpa.

— Tem uma lanchonete aqui, acho que no sexto andar.

— Eu tenho um saquinho de jujubas na bolsa — Carol comprime os lábios, sabendo que não é a resposta que eu quero. — Talvez um pacote de biscoito também. As meninas do balé sempre me dão alguma besteira depois das aulas.

— Muito saudável.

Ela sorri e eu quase acredito que podemos seguir desviando o rumo desta conversa, fugindo da noite de ontem. Poderíamos nos manter à salvo, se a qualquer momento uma única pergunta não me arrastasse de volta à confusão que me meti.

Eu só preciso continuar recuando.

— Prometo que quando chegarmos em casa, vou fazer comida de verdade.

— Tipo aquelas para colocar direto no micro-ondas?

— Henrique!

Ela tenta parecer brava, mas não consegue. Carol tem uma covinha no queixo que aparece toda vez que sorri. Vira o resto do seu cappuccino contra os lábios e deixa o copo no braço da poltrona velha e gasta à minha direita.

— Sua lasanha congelada meio queimada é a minha comida favorita no mundo — provoco.

Ela gargalha alto demais e cobre os lábios com a mão quando alguém responde do outro lado.

Tão linda.

— Você vai tomar sopa! Nada de lasanha congelada para você — diz tentando conter a risada — E só para você saber, a sopa é daquelas de saquinho.

No nosso terceiro encontro, Carol me prometeu um jantar na casa dela. Cheguei um pouco atrasado em meio ao cheiro de comida queimada que senti ainda dentro do elevador. Havia fumaça e uma quantidade razoável de panelas sujas na pia, mas nada parecia pronto. Eu perguntei se não era melhor pedir comida e ela negou dizendo que podia dar conta. Com isso, eu supus que cozinhar não era uma de suas grandes habilidades, mas que era algo pelo qual ela não desistiria.

Como qualquer coisa que se dedica a fazer.

No fim, os raviólis pré-cozidos eram tão macios quanto borracha e o molho de tomate estava salgado e tinha um gosto amargo.

Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]Onde histórias criam vida. Descubra agora