Sinto um toque leve no meu ombro. Abro os olhos lentamente e vejo uma mulher de cabelos castanhos e usando um uniforme privativo azul claro. Ela me encara, sem piscar, como se tivesse algo importante para dizer. Olho em volta e percebo que estou sozinho. O casal de idosos sentados algumas cadeiras à frente sumiu, assim como Alicia e Isadora.
Eu deixei as meninas sozinhas? Para onde elas foram? Tateio os bolsos, mas não acho o meu telefone. Matheus passou para pegá-las?
— Ela pediu para te chamar — diz a mulher. Pisco sem entender e tento ler o crachá preso no ombro. Está gasto e apagado exatamente onde deveria estar o nome dela. — Ela acabou de acordar.
Amanda acordou?
— Ela acordou? — Pisco, sem acreditar. Não sei o que pensar sobre a primeira parte, mas ela acordou. Porra! — Como está a...
— Me acompanhe, por favor — A técnica de enfermagem arrasta os sapatos devagar, esperando que eu a acompanhe — Ela perguntou por você.
Perguntou? Amanda costumava ter apagões depois de beber muito.
— Tinha duas meninas aqui comigo, sabe se elas foram embora? Se alguém passou para pegá-las?
E se elas saíram sozinhas, quando cochilei? Elas estavam sob minha responsabilidade. Eu devia ligar para Elisa.
— Não se preocupe, as meninas estão bem.
— Como...
— Achei que ia querer vê-la primeiro — Ela me interrompe com um sorriso gentil.
Ela não é a diarista, não me lembro de tê-la visto mais cedo, enquanto estava com Alicia e Isadora.
— Eu quero — Me apresso. — Na verdade, eu só preciso saber se ela está bem.
Quanto ao resto, não sei.
O posto de enfermagem também parece completamente vazio quando passamos.
Atravessamos as portas da unidade de internação percebo que alguma coisa parece errada. Sigo a enfermeira que agora anda rápido demais. Esse não é o Hospital Escola. As paredes são brancas e há quadros com paisagens naturais e uma única porta sem identificação à esquerda. Os boxes da neuro UTI deveriam estar aqui, mas tudo está diferente. A sala no final do corredor é uma enfermaria, com apenas um leito ocupado. A sala é enorme e no leito de número dois Amanda está mesmo acordada, em posição de noventa graus, com os lençóis azuis cobrindo até a barriga.
Meu pulso vacila e estou ritmo taquicárdico de novo, mas dessa vez é por uma causa muito específica. O sorriso dela é tão grande que alcança e aperta os olhos. Um daqueles sorrisos que me desarmavam no passado. Eu faria qualquer coisa que ela quisesse.
Isso é um sonho.
Só pode ser.
Provavelmente cochilei junto com as meninas. Talvez eu devesse voltar para casa e descansar de verdade.
— Oi.
É a única coisa que consigo dizer.
— Você está liberado para brigar comigo, se me levar para casa.
O som da risada dela soa como música e me atinge com um arrepio. O reflexo pilomotor é a prova de que isso pode ser um sonho lúcido. Confusão, taquicardia. Além da cefaleia e da confusão mental. E midríase, segundo Mel. Talvez eu realmente precise repetir a TC.
— Eu tenho certeza de que a queda não foi tão feia assim.
Olho em volta e tudo o que vejo são as paredes brancas do quarto enorme. No meio da parede uma imagem de uma montanha-russa que parece tirada de um daqueles sites de imagens livre de direitos autorais. Parece completamente fora do lugar, como eu. Assim como nós. A enfermeira sem nome sumiu e tudo o que tenho aqui é ela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]
ChickLitUma garrafa de tequila embalada com papel de presente não era exatamente o que Amanda estava esperando, mesmo que fosse seu aniversário. No entanto, fora providencial. Depois de um dia péssimo, com direito a um encontro totalmente inesperado com um...
![Com tequila e com amor [Concluído] [VENCEDOR DO WATTYS 2017]](https://img.wattpad.com/cover/52542507-64-k506734.jpg)