Capítulo III

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Ariella


Sabe quando você tem a sensação de que algo ruim está prestes a acontecer? Eu a estava tendo agora. Tudo começou quando eu já acordei de um pesadelo. Piorou quando eu cheguei ao trabalho e os caras tinham quebrado um dos quadros da parte nova, Leslie perdeu as estribeiras e gritou com eles e coube a mim acalmá-los e a ela também. Devo ressaltar que ela estava de TPM?
Depois, logo quando meu turno começou e eu estava preste a servir a primeira bebida, Abraão interrompeu tudo que eu estava fazendo e disse:
- Pode largar tudo, você vai sair comigo hoje. – e saiu sem nem ao menos olhar pra trás.
- O quê? – perguntei, seguindo-o até o escritório – Do que você está falando?
- O bar não pode ficar sem um dono e, como a gata da semana não pode ir, sobrou você. – ele continuou andando.
- Você só pode ter perdido a noção. Eu não vou a lugar nenhum com você. – eu disse e ele parou de andar, se virando para mim.
- Ah, Ariella, você é perfeita pra esse tipo de evento.
- E o que você quer dizer com isso?
- Nada. – ele se aproximou de mim, colocando as mãos em meus ombros – Você é a minha única esperança. Leslie não quer ir e eu não conheço nenhuma mulher no momento que não queira quebrar minha cara no meio pra eu poder levar ao jantar.
- E quem foi que disse que eu não quero partir sua cara no meio?
- Estou falando de uma que realmente vá fazer isso. – cruzei os braços, olhando-o desconfiada. Algo ele estava tramando e, pela sensação que eu tinha, não era algo bom – E então?
- Tudo bem. – ele sorriu. Pro inferno com isso, minha curiosidade falou mais alto – E onde vai ser esse jantar?
- Você vai ver, eu te pego às oito. Use um vestido longo. – ele continuou andando e entrou no escritório.
- Mas já são quase seis horas. – ele se virou pra mim e riu.
- Então é melhor você se apressar, não acha? – e fechou a porta na minha cara.

Não vou nem comentar que cheguei em casa chutando os sapatos e jogando as roupas pela casa pra poder me arrumar de um jeito que, eu sabia, demoraria horas para terminar. Eu teria que tomar o banho mais rápido para, pelo menos, ficar decente, já que eu só tinha duas horas para me arrumar. Só que todos os meus planos foram para o além quando a água quente do chuveiro bateu em meu corpo e eu me senti tão relaxada que quase mandei uma mensagem para Abraão dizendo que não iria mais. Mas a curiosidade falou mais alto e eu me arrastei para fora.
Eram oito e dez quando eu escutei a campainha tocar, peguei minha bolsa em cima da cama e joguei minhas coisas dentro da mesma. Fazia um tempo que não me arrumava tanto assim para um lugar. Na verdade, eu nem lembrava da última vez em que eu usei um vestido longo e, devo ressaltar, eu não tinha perdido a manha, ainda mais com o pouco tempo que me foi dado.
Abri a porta e, por um momento, eu esqueci como se respirava. Eu jurava que ele ia aparecer todo desarrumado, provavelmente de calça jeans e camisa social, mas eu nunca pensei que Abraão estaria de smoking. Pior que ele ficava tão gostoso dentro de um.
- Já está pronta? – ele perguntou, colocando as mãos nos bolsos – Nós meio que estamos atrasados.
- Estou e... Abraão, meu Deus, o que é isso? – perguntei, saindo de casa, fechando a porta e vendo-o chamar o elevador.
- Isso o quê?
- Você – apontei para ele – de smoking. – joguei a chave na bolsa e parei ao seu lado – Eu jurava que eu você ia de jeans e camisa social.
- Pera aí né, Ariella, eu sei que eu sou meio desleixado, mas eu sei me vestir de acordo com a ocasião.
- E qual é a ocasião?
- Jantar beneficente. – ele segurou a porta do elevador e esperou que eu passasse – Minha mãe está juntando dinheiro pras crianças carentes e precisa de uma festa como essa para os ricaços soltarem a grana. – ele apertou o botão do hall – Você sabe, eles vão, fingem que se importam, abrem a carteira e depois saem por aí espalhando que sua ajuda foi fundamental, mas nós dois sabemos que eles estão lá pelos comes e bebes.
- Então você é rico. – falei, olhando para ele. Eu já desconfiava que meu chefe não era apenas um simples dono de bar. Algo nele me dizia que tinha muito mais nele que eu deveria saber. Leslie uma vez soltou que seu pai era um cara importante, mas nunca disse seu nome e o que fazia. Aparentemente,Abraão não gostava de ser associado com o nome do seu pai, queria fazer algo para ele sem a ajuda de ninguém.
- Meus pais são. – o elevador abriu e ele segurou-o para que eu passasse. Algo dentro de mim se incomodava com toda essa educação vinda do senhorMaddox. Normalmente ele parecia um velho ranzinza e insuportável, mas essa noite ele estava extremamente atraente, educado, cheiroso, gostoso e eu vou parar por aqui. Balancei a cabeça, vendo-o pegar minha mão e colocar na curva do seu braço.
- Da onde vem toda essa educação e por que você não a usa com mais frequência? – soltei, meio que rápido demais, e me arrependi no mesmo momento.
- Eu gosto de ser um velho ranzinza, e esse Abraão só aparece em algumas ocasiões.
- Pois eu acho que ele deveria aparecer mais.
- Por quê?
- Porque, por mais que eu goste do velho ranzinza Maddox, esse Maddox educado é muito bom também. Você deveria arrumar um jeito de encontrar um equilíbrio entre os dois.
- Nah! Se eu começar a ser muito educado, os caras não vão querer pagar a conta, então eu prefiro ser meio ranzinza mesmo. – ele parou em frente a uma daquelas BMW pretas e abriu a porta do carro.
- Não vai dirigindo? – perguntei, entrando no carro.
- Não, com a quantidade de álcool que eu vou beber não tem como sair de lá sóbrio. – ele sentou-se ao meu lado.
- Vou logo dizendo que não vou te carregar. – o motorista falou e Abraão riu.
- Claro que vai.
- Ah, não vou mesmo. Senhorita, faça o favor de controlar seu namorado, por favor. A última vez em que ele bebeu todas, teve que ir ao hospital pra tomar glicose.
- Ele não é meu namorado, mas não se preocupe, ele não vai beber todas.
- E quem é você pra mandar em mim? Capaz até de você se juntar a mim.
- Eu acho muito difícil.

xXx

- Essa é a casa dos seus pais, não é? – perguntei, descendo do carro.
- É, sim.
- Tenho a impressão de que já vim aqui. – falei, tentando me lembrar de quem era essa casa. Abraão me ajudou a subir as escadas, enquanto eu segurava a barra do vestido. A mansão estava toda decorada e, pela quantidade de vozes vindas do salão, parecia estar lotada também.
- Você veio. – um homem falou logo quando entramos no local.
- Claro que vim, pai. Mamãe foi ao meu apartamento hoje, deixar o smoking e fazer uma ameaça, para caso eu não aparecesse.
- Ariella, você veio. – ele disse abrindo os braços. Espere um segundo, eu conheço esse homem.
- Governador Maddox? Ah, meu Deus, há quanto tempo.
- Minha querida, já lhe disse inúmeras vezes que não precisa me chamar assim. Will já está de bom tamanho.
- Claro, Will. É sua festa?
- É, sim. Agora vamos, entrem. Você lembra de Anne?
- Claro que sim, ela sempre foi a minha favorita das amigas de minha mãe.
- Ela vai adorar te ver. – coloquei minha mão na curva do braço de Abraão outra vez. E aí foi que me ocorreu: Abraão tinha chamado o governadorMaddox de pai?
- Espere um segundo. Pai? Você o chamou de pai?
- É, porque ele é meu pai.
- Você é o outro filho do governador Maddox? Aquele que foi pro internato porque nenhuma escola o aceitava?
- Também não foi assim.
- Claro que foi. Você era a melhor parte das conversas do clube. Todo mundo te achava meio louco por causa das suas histórias, mas eu sempre achei hilário o jeito que você não ligava pro que os outros pensavam. Essa coisa meio James Dean, rebelde sem causa.
- Não sabia que você era presidente do meu fã clube.
- Bem que você gostaria, hein. – dei um beliscão em seu braço e ele me olhou puto – Mas pode se dizer que sim. Dereck sempre achou que você era um...
Foi como um soco e um bem doloroso. Dizem que leva uma questão de segundos para tudo mudar e, no momento, eu era a prova viva disso. Meu humor foi de "tudo isso não vai ser tão ruim assim" pra "alguém, por favor, me dá um tiro". Fazia sete meses que eu os evitava a todo custo, troquei até de celular para que eles não me localizassem e aqui estavam, me encarando como se eu fosse alguém de outro mundo. Acho que o pior não foi ver Dereck, depois de tudo, mas sim minha mãe, com uma cara de surpresa pela proximidade minha e de Maddox. Ela não parecia brava. Na verdade, parecia até satisfeita.
- Puta que pariu! – Abraão disse baixinho ao meu lado.
- Você sabia que eles estavam aqui? – perguntei e ele apenas me olhou, mordendo o lábio.
- Pra quem desapareceu por sete meses, você parece estar muito bem, minha filha. – minha mãe disse e eu apenas balancei a cabeça, olhando para ela – Muito obrigada por nos avisar do seu paradeiro, e melhor, ter deixado eu e o seu ex-noivo cuidarmos da vergonha que você nos fez passar.
- Eleanor, por favor. – meu pai falou, olhando para ela – Você não está feliz que Ariella esteja bem?
- Acho que ela está pouco se fodendo, pai. Pra ela tudo que importa é a porcaria de um status. – eu mesma não acreditei no que eu tinha falado, mas, devo admitir, eu me senti muito bem falando – Agora, se vocês me dão licença, eu tenho que cumprimentar a dona da festa. Vem, Abraão! – puxeiMaddox pela mão e saí andando pela multidão. Avistei Anne, que pareceu surpresa pelo fato de eu estar arrastando seu filho pela mão em sua direção.Abraão pareceu sentir meu desespero e puxou minha mão para que eu andasse devagar.
- Calma, você vai arrancar meu braço desse jeito. – ele disse, fazendo com que eu o olhasse.
- Desculpe, eu só...
- Você não me deve explicação. Nós vamos cumprimentar minha mãe e, se você quiser, podemos ir pra outro lugar.
- Tudo bem, e Abraão...
- O quê?
- Você estava certo.
- Eu? Sobre o quê? Espera um segundo, deixa eu pegar meu celular pra gravar esse momento.
- Estúpido! – dei um soco em seu braço – Sobre eu me juntar a você na bebedeira.
- Tomara que você não seja uma daquelas que fica bêbada com a primeira dose.
- Acho que você vai ter que esperar pra ver.
- Abraão, meu filho. – Abraão foi em direção à mãe e a abraçou – E Ariella, quanto tempo. – ela me abraçou – Fico feliz em vê-la outra vez, vejo que está melhor do que nunca.
- Muito obrigada, Anne. Sua festa está incrível.
- Muito obrigada, se eu soubesse que você estava namorando meu filho...
- Nós não estamos namorando. – falei, olhando para Abraão, que apenas sorriu.
- Mãe, se você nos dá licença, nós vamos encher a cara porque essa é a primeira vez que Ariella vê sua família depois de ligar o foda-se.
- Abraão! – eu e Anne falamos ao mesmo tempo.
- Eu vou te quebrar no meio. – falei, dando-lhe um beliscão.
- Ariella, já te ocorreu que isso dói pra caralho?
- Se fosse pra fazer carinho, eu estava te beijando. – Ai, meu Deus! Muito bem, Ariella, que comentário mais sem noção numa hora não tão boa. Pior ainda foi o sorrisinho de lado que Abraão deu, que fez minhas bochechas queimarem.
- Podem ir encher a cara, mas não fiquem em condições precárias, por favor.
- Não se preocupe, Anne, Abraão não vai fazer você passar vergonha hoje.
- Isso mesmo, Ariella, bota ele na linha.
- Vou colocar, sim. Vamos, Maddox. – disse pegando Abraão pelo braço e o arrastando até o bar.
- Isso é jeito de falar na frente da sua mãe?
- Não é como se ela não soubesse que eu bebo.
- Mas essa é uma festa beneficente, Maddox, não o bar depois do expediente. Você trate de beber pouco.
- Pensei que minha mãe era outra e que ela tinha acabado de dizer que nós podemos encher a cara.
- É, mas nós vamos beber educadamente. Pelo menos, por enquanto. – falei, me apoiando no bar – Vocês tem champanhe? – o barman assentiu – Pode trazer duas taças, por favor. – o bartender voltou e colocou as taças no balcão. Abraão estava prestes a pegar uma, quando eu dei um tapa em sua mão.
- Outch! Pensei que a outra taça era pra mim.
- Você já está bem grandinho e pode pedir sua própria bebida. – respondi, começando a beber a primeira taça. Coloquei a taça no balcão e bebi a outra.
- Fala de mim, mas acho que quem vai fazer eu passar vergonha aqui é você. – Abraão me deu um empurrão – Quem diria que Ariella Matos, a garota das sandálias azuis, não tem nada – nada mesmo – de bartender.
- Claro que tenho. Seu bar está muito melhor desde que eu cheguei.
- Alguém já te disse que você se acha muito? – Abraão se virou, apoiando os cotovelos no balcão.
- Tem que se achar, meu amor, não dá pra ficar perdida como antes. – aproximei-me dele – Vai, Abraão, pode admitir: você precisa de mim.
- Já te ocorreu que sou eu quem está te fazendo um favor em tudo isso? Dono do bar – ele apontou para si mesmo – Bartender. – ele apontou pra mim.
- Mas parece o contrário, já que foi você quem me pediu pra voltar.
A conversa não era para estar indo nessa direção, mas, como nada na vida é planejado, aqui estava eu, passando os dedos pelo peitoral de Abraão na parte onde a camisa ficava. Ele olhou para mim, com um sorriso de lado. Então foi aí que eu percebi que eu não era a única nessa conversa com segundas intenções, ele também estava.
- Tudo bem. – ele colocou o copo em cima do balcão – Sabe do que eu realmente preciso?
- Do quê? – ele nada respondeu, apenas passou o braço por minha cintura e me puxou para mais perto. Afastou meu cabelo pro lado e sussurrou em meu ouvido:
- Sair daqui. Só assim eu posso te mostrar o que não só eu, mas você também quer. – e então mordeu a minha orelha, fazendo com que eu soltasse um suspiro alto. Abraão se afastou e seu rosto ficou a centímetros do meu. Eu estava prestes a beijá-lo quando um pigarro nos interrompeu.
- Dereck! – falei, me afastando de Abraão – Oi! Hum... Como você está? – pela cara que Dereck fez, essa não era a melhor pergunta para se fazer. Claro que não era, eu tinha terminado o noivado com o cara e fugido, deixando tudo para que ele resolvesse.
- Estou bem, apesar de tudo. – ele respondeu – Você também, pelo visto. Maddox. – ele cumprimentou Abraão.
- E aí, Dereck, meu caro. – Abraão se desencostou do balcão e parou ao meu lado. Eu esperava tudo, menos que Abraão passasse o braço por minha cintura, me puxando para mais perto dele. Eu sabia o que ele estava fazendo, homens não são tão difíceis assim de decifrar – Aproveitando a festa?
- Ariella, você ficou com o anel de noivado da minha avó, não ficou? – Dereck ignorou Maddox e virou-se para mim.
- Oh, é verdade, fiquei mesmo.
- Será que você poderia me devolvê-lo?
- Claro, eu posso deixar na sua casa.
- Não precisa, eu posso mandar alguém ir buscar, é só dizer o endereço.
- Estou morando no mesmo prédio que a Sam.
- Mando alguém na segunda. Com licença. – Dereck saiu sem nem ao menos olhar pra trás.
- Acho que ele ainda está puto. – Abraão disse.
- Eu também estaria. – afastei-me dele – Vou ao toalete, volto já.
- Não se preocupe, eu estarei aqui no bar. – ele levantou o copo e se virou para o bar novamente.
Passei entre as pessoas o mais rápido que pude, eu não queria que ninguém me parasse. Eu tinha um pouco de medo que alguém me reconhecesse e começasse a falar sobre Dereck ou, bem pior, sobre Abraão. Como é que eu ia explicar minha relação com Abraão? "Ah, eu trabalho pra ele em um bar." É, acho que não.
Entrei no corredor que uma senhorinha me indicou onde ficava o toalete, mas antes que eu pudesse chegar, alguém me puxou.
- Vem aqui. – minha mãe me puxou pelo braço.
- Mãe, pelo amor de Deus, você está me machucando.
- Bem que você merece, depois de tudo o que você me fez passar. – ela me soltou – E o jeito como falou comigo? Isso é jeito de tratar sua mãe?
- Olha, mãe, eu sinto muito pelo jeito como eu falei com a senhora, mas você tem que entender...
- Você está namorando com o filho do governador?
- O quê? Abraão? Não.
- Não vai ser uma tarefa difícil, já que parece que ele tem uma queda por você.
- O quê? Mãe, do que você está falando?
- Dereck era um bom garoto, mas o filho de um governador? Ah, Ariella, você tirou a sorte grande. – ela segurou em meus ombros – Você deveria se jogar com tudo pra cima dele. Capaz de vocês terem um namoro curto e um casamento, antes mesmo de completarem um ano.
- Casamento? Eu passo sete meses fora e é isso que você tem pra me falar?
- Ah, eu te perdoo pela vergonha que você me fez passar por ter acabado com seu noivado com Dereck.
- Eu não quero seu perdão. Na verdade, a única coisa que eu quero é distância de você.
- Ariella...
- Não, não. Você empurrou Nate para longe de nós e eu sempre achei que, se eu fizesse tudo que você queria, você o aceitaria de volta, mas, Deus, como eu fui burra! Você nunca ligou para nós. Eu passei anos com Dereck porque você dizia que era o melhor pra mim.
- Ah, Ariella, não coloque a culpa toda em cima de mim. Você não terminou com ele antes porque não quis. Eu não te obriguei a nada.
- É, você tem razão, mas isso acabou. Você não vai mais se meter na minha vida.
- Eu sou sua mãe.
- É, pode até ser, mas você não me controla mais. Nunca mais.
- Você não pode ignorar o fato de que você tem uma mãe.
- Claro que posso. Você totalmente ignorou o fato que tem um filho. Talvez devesse ignorar que tem uma filha a partir de agora também.
Saí correndo, vendo minha visão ficar embaçada por conta das lágrimas. Eu simplesmente tinha que sair desse lugar, não dava pra continuar encarando toda essa gente e não bater aquela vontade enorme de chorar ou de morrer. O que viesse primeiro estava valendo.
- Ariella, você está bem? – escutei a voz de Abraão de longe. Virei-me para ele, lembrando-me que tudo que estava acontecendo era sua culpa.
- Mas é claro que não. A culpa é toda sua! – apontei para ele – Toda sua! Você tinha que me trazer aqui?
- Desculpa, eu não...
- Mas é claro, isso é tudo um jogo pra você! O que foi que eu te fiz pra você me maltratar tanto? Aquele papinho foi só lorota porque eu ajudo nas vendas?
- Você não é tudo isso.
- Ah, Maddox, conta outra. Essa você não pode negar, seu bar melhorou muito depois que eu apareci. – limpei minhas lágrimas – Deus! Como eu sou burra. Seu pai foi ao bar semana passada, Leslie disse. Ele te contou tudo. Deus, como eu não vi isso antes?
- Ele me contou sobre você.
- E, mesmo assim, você pediu para que eu viesse com você?
- Ariella, não foi isso que eu planejei. Eu só queria que você visse seu irmão.
- Você é um idiota! Um cavalo! Um insensível! – comecei a socá-lo – Você não tem nada que se meter na minha vida.
- Uou! Uou! – ele tentou se defender – Não precisa me bater.
- Claro que precisa! A culpa é toda sua!
- Ei, para! – ele segurou meus punhos – Olha pra mim. – ele disse, enquanto eu continuava chorando de cabeça baixa – Ariella, olha pra mim! – tentei engolir o choro e levantei a cabeça - Você não acha que está na hora de você mostrar quem é você de verdade pra essa gente? – ele soltou meus pulsos, mas continuou segurando minhas mãos – Essa é sua vida e você não deveria ter que se esconder por querer vivê-la do jeito que você quer. Você não tem que se esconder por medo de encontrá-los, você tem que bater de frente, se impor, mostrar quem você é de verdade, e, se eles não gostarem, paciência. – olhei em seus olhos e, por um momento, eu me perdi. Passei tanto tempo tentando me esconder, passar despercebida, que nunca percebi o quão bonitoAbraão era. Tudo bem, eu sempre soube que ele era um gostoso, mas nunca me senti atraída por ele, pelo menos não tanto como agora – Você é uma mulher incrível. Irritante, porém incrível. – ele me soltou e se afastou.
- Eu sei. – respondi e ele começou a rir – O quê?
- Eu esperava que você dissesse pelo menos um: você acha mesmo, Abraão? Ai, muito obrigada.
- Mas eu sou mesmo. Vou fingir que não sei disso?
- Humildade mandou lembrança.
- Eu sou humilde, poxa. Fico muito puta com um negócio desses: a pessoa te elogia e quando você confirma, você não é humilde? Ah vá, tenha paciência! – respirei fundo – Obrigada.
- Ei, eu não fiz nada. – ele olhou para mim – Tudo bem, isso não é totalmente verdade. Na verdade, eu fiz. Eu desconfiava que Dereck vinha, quis irritá-lo por roubar todas as minhas gatinhas do clube.
- Eu sei. – respondi, limpando minhas lágrimas.
- Sabe?
- Claro que sei, você acha que eu não vi o jeito que você segurava minha cintura quando ele se aproximou?
- Então por que não se afastou?
- Eu queria que Dereck visse que eu segui em frente para que ele seguisse também. Bem no fundo, eu sei que ele esperava que eu voltasse e pedisse perdão.
- E você vai fazer isso?
- Mas é claro que não. Agora eu só vou ficar com alguém quando eu realmente quiser, não porque minha amiga achou bonito ou porque ele é o cara mais gato da festa ou porque ele pediu, tem que partir de mim. Eu tenho que querer.
- Fico feliz com o seu progresso, deixou de ser filhinha da mamãe. – olhei para ele, incrédula, e simplesmente mandei o dedo do meio – Você quer sair daqui?
- Mas sua mãe...
- O importante pra ela é que todos me vissem, e não sei você, mas eles definitivamente me viram.
- O que você sugere?
- Tem um posto aqui perto. Vamos encher a cara por lá mesmo.
- De vestido longo, enchendo a cara em um posto? Vou cortar essa da minha lista de coisas que eu tenho que fazer.
- Você tem uma lista de coisas pra fazer?
- Tenho, e trabalhar em um bar sempre esteve no topo da lista.


- Cerveja ou tequila? – Abraão perguntou, segurando as duas garrafas.
- Os dois.
- Os dois então. – andamos em direção ao caixa. Estávamos em um posto perto da casa dos Maddox e Drew, o motorista, estava dentro do carro, jogando paciência enquanto nos esperava comprar bebida.
- Samantha não vai acreditar quando eu contar pra ela tudo que aconteceu essa noite. – falei, pegando a tequila de sua mão e a abrindo.
- Nem eu acreditava que você podia falar com sua mãe daquele jeito, ela sempre me deu medo.
- Você conhecia minha mãe? – perguntei, me sentando no banco do lado de fora da loja.
- Conheço. – ele sentou ao meu lado, abrindo a primeira cerveja.
- Então como nunca nos conhecemos?
- Ah, eu detestava qualquer coisa associada às frescuras daquela gente. Meu irmão ia e fazia o papel por nós dois. Eu sempre dava um jeito de fugir, o que fazia minha mãe quase perder todos os cabelos.
- Você era tipo a ovelha negra da família?
- É, por isso fui parar no internato. Foi lá que eu decidi que detestava o seu querido ex-noivo. Era injusto que ele conseguisse ficar com todas as garotas do internato do lado, só porque ele era bom moço.
- É, nem todo mundo gosta de um bad boy.
- E você, gosta de qual? Bad boy ou bom moço?
- No momento, eu gosto dessa tequila aqui, muito obrigada. – tomei outro gole.
- Tem uma coisa que eu quero te perguntar há algum tempo.
- Se for pergunta pervertida, vou logo dizendo que taco meu salto nas suas bolas.
- Pelo amor de Deus, você é sempre tão violenta?
- Uma garota tem que saber se defender, não acha?
- Claro, o que te fizer sentir melhor. – ele disse, fazendo com que eu risse – Por que seus sapatos são azuis?
- O quê?
- Seus sapatos, todos são azuis. – ele apontou para os meus saltos.
- Abraão, essa obsessão por meus saltos já está ficando um pouco esquisita, pra não dizer assustadora.
- Muito engraçadinha. Azul não é bem uma cor discreta. E as garotas com quem eu saio sempre falam deles.
- Eram da minha avó e tataravó. Não todos, mas uma parte, sim. Ela colecionava sapatos azuis quando mais nova, e eu meio que peguei isso dela, entende? Minha avó faleceu quando eu era mais nova e, por ser tão apegada a ela, decidi continuar com a herança da família.
- Então você continuou a história dela?
- É. Quando eu me mudei pra cá, a única coisa que eu trouxe foram os seus sapatos. Graças a Deus, ela tinha o pé do tamanho do meu. Desde então, eu coleciono sapatos azuis, tenho de outras cores, mas quase não uso. E sem falar que azul é minha cor favorita também.
- Você é louca.
- Depende do seu ponto de vista. Na verdade, pra Samantha, eu sou uma heroína.
- É, pra aguentar o Dereck, tem que ter passado na fila da paciência umas dez vezes.
- Ei, Dereck não é tão mal, você sabe disso. Ele é um cara incrível.
- Então por que não está com ele?
- Porque ele não é o cara pra mim.
- Também acho que vocês não combinam.
- Você nunca nos viu juntos.
- É, mas você tem aquele negócio no olhar.
- Que negócio?
- Sei lá, alívio. Sabe quando você prende um pássaro e, quando o solta, ele voa o mais alto e mais longe possível? Você é como um pássaro, mas, no seu caso, você foi parar numa pocilga.
- Não acho seu bar uma pocilga, eu gosto de trabalhar lá.
- Percebe-se, você é super simpática atendendo.
- Tinha que existir um equilíbrio, né? Você é o velho ranzinza ,e eu, a garota simpática, sempre feliz, com um gosto maravilhoso para sandálias azuis.
- Ou louca por ter só sandálias azuis.
- Muito engraçado. – tomei outro gole da tequila – Você sabe o que minha mãe me disse?
- Você ficou sozinha com sua mãe?
- Sim, na hora em que eu fui ao banheiro. – olhei para ele – Ela disse que me perdoava pela vergonha que eu a fiz passar com o cancelamento do casamento e que eu tinha tirado a sorte grande, porque Dereck era um partido muito bom, mas você era o filho do governador. Sete meses, Abraão, e é nisso que ela pensa, em dinheiro.
- E o que foi que você disse pra ela?
- Que ela deveria esquecer que tem filha.
- Outch! – ele tomou outro gole – Posso te perguntar uma coisa?
- Claro.
- Como uma mulher de opinião tão forte se deixou ficar em um relacionamento sem amor por tanto tempo?
- Eu amei Dereck em algum tempo do nosso relacionamento.
- Mas não terminou com ele quando parou. Não me entenda mal, eu só acho que você sempre tem algo a dizer sobre tudo, como não teve a dizer sobre sua própria vida?
- Eu sempre fiz o mais fácil, entende? Deixei os outros decidirem por mim o que fazer com minha própria vida, até que um dia eu não pude mais. Cancelei casamento, me demiti do meu emprego e fiz o que eu quis fazer, o que me deu na telha. Eu descobri, depois, que minha vida deixou de ser um pouco mais complicada, depois que eu decidi tomar minhas próprias decisões, fazer tudo que me fazia feliz, em vez de fazer os outros felizes. Se, no final do dia, eu era forçada a colocar um sorriso no rosto, não tinha por que continuar vivendo assim.
- Então um dia você acordou e já não quis saber de nada?
- Praticamente.
- E isso tem a ver com o que aconteceu com Nate?
- Você sabe sobre Nate?
- Eu estava lá.
- Estava? Eu não sabia. Na verdade, quem não estava lá, né?
- Você ainda tem contato com ele?
- Muito pouco, soube que ele está em Mônaco.
- A última vez que eu soube dele, ele estava em Moscou.
- Você sente falta dele?
- Muita. Ele é meu irmão, sabe? E, depois que ele decidiu virar piloto de corrida, tudo piorou pro meu lado. Esse não era o destino que minha mãe tinha pra ele. Ela queria que ele virasse advogado. Quando Nate foi embora, o foco ficou em mim, por isso que eu fazia tudo pra agradar minha mãe. Talvez, com um pouquinho de esforço, eu poderia ser uma filha exemplar e Nate poderia voltar pra casa.
- Talvez Nate não quisesse voltar pra casa.
- Acredite, eu o entendo mais do que nunca agora. – ele olhou no relógio.
- Acho melhor nós irmos pra casa.
- Ah, não. Vamos ficar mais um pouquinho?
- Por que essa vontade enorme do prazer da minha companhia?
- Não quero voltar pra casa sozinha e Samantha saiu com um sueco, então eu vou ficar sozinha com meus pensamentos e eu não quero isso.
- Você podia ir lá pra casa. – olhei para ele – Ou não.
- Não, tudo bem. Estou doida pra conhecer o covil do mal do meu chefinho.
- A piada nunca acaba contigo, hein?
- Claro que não, velho ranzinza.

Na verdade, o apartamento de Abraão estava longe de ser um covil, era totalmente diferente do que eu esperava. Ele tinha, pelo menos, umas três prateleiras de livros e todos organizados em ordem alfabética, sem falar a prateleira dedicada aos CDs e DVDs. As paredes também tinham vários quadros, fotos e, para minha surpresa, até um diploma.
- Esse diploma aqui tem seu nome. Você é formado? – olhei para ele.
- Por que o espanto? – ele perguntou, tirando a gravata e indo em direção à geladeira.
- Porque eu sempre pensei que você tinha começado o bar com dinheiro do seu pai.
- Ah, não, eu terminei a faculdade. Virei professor por uns anos até ter dinheiro suficiente pra alugar o ponto. Eu sempre quis fazer tudo sozinho, sabe? Quando as coisas apertaram, aí sim eu pedi ajuda ao meu pai. – ele disse, abrindo a cerveja e tomando um gole.
- Você é formado em quê?
- Literatura.
- Literatura? Nunca pensei em você como um romântico.
- Não sou, não mais, pelo menos, sempre fui apaixonado por livros. Claro, a maioria deles fala de amor, mas tem uns que falam de outras coisas.
- Estou vendo, sua prateleira é bem variada. Isso aqui é Eleanor & Park? – peguei o livro da prateleira – Eu amo esse livro. – olhei pra ele – Pensei que você não era romântico.
- É um romance adolescente, mas é, sim, um livro incrível. – ele andou até meu lado e continuou: – "Eleanor estava certa. Ela nunca parecia agradável. Ela era como a arte, e arte não era para ser agradável; era para fazer você sentir alguma coisa.."
- Eu adoro essa frase.
- Talvez porque tenha tudo a ver com você.
- Comigo? – perguntei, olhando para ele.
- É. Não a parte que você não tem uma aparência agradável, porque você tem, mas a parte que você parece arte e faz as pessoas sentirem algo, essa parte é totalmente parecida com você.
- Eu faço você sentir alguma coisa?
- Sim, normalmente é ódio.
- Idiota! – coloquei o livro na prateleira.
- Porém, por outro lado, você me faz querer ser uma pessoa melhor. Sei lá, estranho, não acha?
- Está prestes a ficar mais estranho.
Acho que a tequila ajudou muito, também o fato dele estar apenas de camisa social e cabelo bagunçando do jeito que ele era e que, recentemente, eu descobri ser o meu favorito. Eu apenas me joguei em seus braços e dei-lhe um selinho longo, um movimento rápido demais, que fez com que eu me desequilibrasse um pouco, mas Abraão passou o braço por minha cintura e me puxou para mais perto. Poderia até parecer loucura, e, se fosse, eu estava pronta pra dar tudo de mim e perder o juízo de vez. Eu entendia porque sempre havia garotas correndo atrás dele, alguém que beijava daquela maneira deveria ser proibido de sair por aí distribuindo. Ou melhor, deveria distribuir sim, mas só pra mim.
Agarrei seus cabelos mais forte, mas Abraão pareceu ter outra ideia e se afastou.
- Ariella...
- Eu sei – me afastei dele – Péssimo pros negócios.
- É, você trabalha no meu bar e eu...
- Tudo bem, eu entendo. – respondi, andando até a porta. Dei um passo para o lado, esperando que ele abrisse a porta e, quando ele o fez, virei-me para ele. – Obrigada pela noite, apesar de tudo.
- Boa noite, Ariella.
- Boa noite, Maddox. – dei dois passos até ele, passando meus braços ao redor do seu pescoço. Era um abraço amigável, uma forma de se despedir, masAbraão teve uma ideia diferente. Quando eu estava prestes a me afastar, ele me segurou pela cintura, fazendo com que nossos rostos ficassem próximos.
- Foda-se os negócios. – e então ele me beijou do jeito tão apaixonado que eu não sabia que ele sabia fazer, mas que eu tinha certeza que não queria que ele parasse nunca.
Cambaleamos até o quarto, deixando um rastro de roupa pelo caminho.
Naquela noite, eu descobri que Abraão não era apenas um gostoso que me beijava como se o mundo dependesse disso, ele também era um ardente amante na cama.

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