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- Seu irmão deve estar preocupado. - Falei, entregando uma taça de vinho tinto a ela.

- Creio que não. Faz tempo que ele deixou de se preocupar com os meus sumiços. - Sorriu.

- Se você diz.

Mexi no controle de chamas da lareira e me acomodei na poltrona mais próxima ao fogo. Connie estava, de pernas cruzadas, deitada sobre o sofá. Fazia redemoinhos com o líquido de sua taça, aquilo parecia bem interessante para ela.

Mas o que não parecia interessante para aquela mulher? Não faziam nem 24 horas que eu a conhecia e ela já estava ali, na minha casa. Talvez, anos atrás, antes do meu casamento, aquilo seria normal... Mas agora... Quem era aquela mulher?

- O que está pensando aí? - Ela quis saber.

- O que veio fazer em Londres?

- Acho que devo ficar feliz por marcar lugar em seus pensamentos?! - O sotaque francês tomava conta de toda as palavras dela, e isso me agravada, mas...

- Porque não me diz o que te fez vir parar, depois de tantos anos, em Londres?

- Saudades? - Tomou um gole do vinho e me fitou com seus olhos azuis.

- Isso foi uma pergunta ou uma resposta?

- Mas e você? - Ela nunca daria importância as minhas perguntas - Não vai me dizer porque é tão ranzinza? Não sei como não foi lavar a boca depois do meu beijo.

- Começo a duvidar das coisas boas que seu irmão falava sobre você - Bufei. Ela estava fazendo de propósito? - O mundo todo sabe do que aconteceu na minha vida. Porque fica me tirando de tempo com as minhas tragédias?

- Vocês artistas têm o ego um pouco alto, não? - Um fino sorriso surgiu em seu rosto.

- O que quer dizer com isso?

- Airland. Vôo 875 Berlim - Londres. 23 de janeiro de 2013. O motor da aeronave começa a dar falha às 19h e 36 minutos. Tem seu pane total às 20 e 01, com isso, não demorando mais que 20 minutos para se despedaçar e matar milhares de pessoas.

Ela falou tudo sem me encarar, continuava balançando sua taça de vinho. O meio sorriso também não tinha saído do rosto. O que ela queria com aquilo? Sentia algo me corroer por dentro, ela tinha descrito o acidente que levara as pessoas mais importantes da minha vida.
Toda noite eu sonhava com aquilo. Com a ida ao aeroporto. Com a espera angustiante. Com a expectativa de que tudo fosse apenas um engano. E com o sentimento de perda, de destruição, de... de... Quando dei por mim estava chorando.

- Benedict, não foi só você que teve perdas. - Suspirou. - Mas só você pode tentar seguir em frente por aqueles que perdeu. - Sua voz saía de forma lenta e cuidadosa.

- Connie...

Um enorme mal estar tomou conta de mim. Sentia que a qualquer momento meu coração iria explodir. Corri ao banheiro e abri alguns vidros de comprimidos, eram os calmantes, antidepressivos, analgésicos e todos os outros exércitos de remédios que me foram prescritos para que eu tentasse me manter vivo.

O sentimento de dor tinha voltado a toda. Virei os comprimidos que pude na boca e os engoli com um pouco de água da torneira. Lágrimas rolavam em meu rosto. Eu só queria a minha família de volta. Eu só queria que aquela dor parasse. Uma ânsia tomou todo o meu corpo, rapidamente me virei para a privada e vomitei tudo que tinha e o que não tinha. Estava em crise. Me arrastei até o box e liguei o chuveiro. A água fria que caiu percorreu todo o meu corpo e lavou as minhas lágrimas, fazendo com que o meu choro constante fosse apaziguando aos poucos...

Depois de vários minutos, voltei ao meu eu "normal". A água fria ainda corria e a banheira estava prestes a transbordar. O que eu estava fazendo comigo? Saí, com dificuldade, do box. Desliguei o chuveiro e olhei o estado do banheiro.

Eu preciso de ajuda.

Puxei uma das toalhas que estavam nos ganchos de parede e enxuguei o que pude dos meus cabelos, do meu corpo, da minha alma. No mesmo instante me veio a imagem de Connie à cabeça, me dirigi à sala e encontrei a taça de vinho equilibrada no "braço" do sofá, ainda com o líquido balançando em pequenos redemoinhos. A porta estava aberta e não havia mais nenhuma Constance Hiddleston por lá.


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