Uma semana antes
A sala inteira observava a professora em um silêncio mortal. A mulher terminava de escrever seu nome na lousa e traçava um risco embaixo. Ruby Smith. Quem, em todos os infernos, teria um nome daqueles?! Ruby Smith.
– Muito prazer – ela virou-se para a sala e sorriu. Tinha olhos castanhos, cabelos ondulados também castanhos, mas em um tom desbotado e sem brilho. O nariz era empinado e o rosto de pele pálida possuía algumas pintas. Aparentava ter por volta de trinta anos. Usava roupas que já viram dias bem melhores.
Scott deu uma espiada para trás, mas Stiles apenas sacudiu os ombros. Não faziam idéia do motivo da antiga professora ter sido afastada. A dúvida pertencia a todos os demais alunos.
– Espero que seja um ótimo ano – Smith encostou-se à mesa do professor e cruzou os braços. Parecia meio perdida – Apesar de já estarmos no meio do semestre. Mas pra mim é como se fosse começo do ano. Enfim... alguma dúvida?
– Sobre o que? O seu nome, por exemplo? – Lydia perguntou apontando para a lousa.
– É... Ruby? – indagou Jackson, estreitando os olhos para enxergar melhor. O motivo era muito claro: nunca tinha visto um garrancho tão mal feito antes. Se a professora cismasse de passar a matéria na lousa, estariam perdidos.
– Exato, rapaz. Meu nome é Smith. Ruby Smith. Sou a nova professora de Literatura de vocês.
A sala voltou a ficar em silêncio. Os alunos se entreolharam confusos. A professora parecia mais perdida que os demais dentro daquela sala.
– Então... – ela foi dizendo meio hesitante – Isso aqui é Literatura... que tal lermos alguns livros?
– Então... – Lydia a imitou com uma voz arrastada de tédio – Que tal você ler o plano de aula e seguir o roteiro?
A sala riu da provocação. Ruby ergueu as sobrancelhas ponderando a sugestão cheia de deboche e pouco caso.
– Não – respondeu com uma careta – Seguir roteiros é chato. Ainda espero indicações de livros. Vamos lá, garotos. Não conseguem pensar em nada?
E novamente o silêncio pesado e tenso caiu sobre a sala. Os adolescentes alternavam olhares entre a professora e outros colegas. Não podiam se lembrar de uma situação semelhante antes. Nenhum professor perguntava a opinião deles. Não sabiam se levavam a sério ou se era algum tipo de pegadinha.
Sufocando com o silêncio intenso, Stiles não resistiu. Sem parar de brincar com o lápis resolveu dar uma sugestão.
– Harry Potter?
Nem bem terminou de falar e a sala caiu na gargalhada. Alguns se atreveram a vaiar o garoto, que apenas rolou os olhos. Até Scott riu da sugestão. Não devia se surpreender na verdade.
– Ei, ei, ei... menos dez pontos para Gryffindor – Smith gracejou numa forma de fazer a turma ficar quieta. Então se virou para Stiles e o analisou brevemente.
– Harry Potter, hum? – balançou a cabeça – Como é o seu nome, garoto?
– Stiles – ele respondeu meio sem jeito.
Ruby ficou mais alguns instantes em silêncio, para em seguida esfregar as mãos empolgada.
– Gostei dessa idéia, senhor Stiles! Vamos ler Harry Potter esse semestre!!
A turma inteira resmungou em protesto. Stiles não acreditou no que ouvira e fez questão de ignorar os olhares rancorosos que recebeu.
– Sério isso? – Jackson perguntou irritado.
– Super sério, jovem... como é seu nome?
– Jackson Whittemore – respondeu de má vontade.
– Senhor Whittemore e demais alunos, apresento a vocês nosso projeto desse semestre: leremos Harry Potter.
– Qual dos três? – foi Jackson quem perguntou de novo.
Ruby não pareceu compreender a dúvida.
– Como assim "qual dos três"?
O capitão do time cruzou os braços a frente do peito e assumiu uma pose extremamente agressiva.
– Harry Potter não é uma trilogia? Vamos ler os três? Ou só um deles?
– Oh, meu Deus! Santa ignorância! – Stiles não conseguiu se controlar e ficar de boca fechada – A Crônica dos Kane, é uma trilogia. O Senhor dos Anéis, é uma trilogia. Hannibal, é uma trilogia. Jogos Vorazes, adivinha? Trilogia. A trilogia do Mago, é uma trilogia. Harry Potter é uma saga de sete livros. Sem contar Quidditch Através dos Séculos, Animais Mágicos e Seu Habitat e Contos de... de... de... hum... são sete livros – ficou quieto ao ver que todos nas sala, e isso incluía a professora e Scott (seu melhor amigo, diga-se de passagem) olhavam para ele completamente abismados. Exceto Jackson, claro, que começara a fuzilá-lo ao ouvir a parte do "santa ignorância".
– Muito bem, senhor Stiles. Quero ver essa paixão toda na hora de escrever o trabalho. E na hora das provas. Falando em provas, vou explicar para o senhor Whittemore e para os demais, como será nossa avaliação. Vocês lerão os sete livros até o final do semestre. Para cada livro lido farão uma analise crítica com contribuições positivas para a literatura norte-america e mundial, e alguns pontos negativos da obra – parou para respirar um pouco – Cada análise valerá até um ponto. Ao final você podem ter, ou não, um total de sete pontos. Então faremos uma prova valendo até três pontos. Está fechada a média dez. Voalá... Ah! E os trabalhos têm que ser feito a mão. Nada de... copiar da Wikipédia.
Vozes se fizeram ouvir. A maioria reclamava pela complexidade e dificuldade do trabalho para valer tão pouco. Culpa de quem? Do Stiles claro... e o dito rapaz ficou arrepiado sabendo-se vítima de olhares indignados.
Apesar de não demonstrar sentia-se bem empolgado com a idéia! Faria um trabalho ótimo e talvez aproveitasse para reler sua coleção.
– Ótimo que estamos todos de acordo – Ruby esfregou as mãos de contentamento – Para a aula de hoje quero que destaquem uma folha. Espero uma análise pessoal de cada um: escolham cinco pontos positivos e cinco negativos que enxergam em si mesmos e desenvolvam uma redação de, no mínimo, três laudas.
– Que isso... – Scott virou-se para trás e resmungou com o amigo – Me sinto de volta ao primário!
– Escrevendo uma redação tipo "Como foi suas férias" – Stiles riu – Mas foi inteligente. Assim ela vai conhecer a sala um pouco melhor, não?
McCall deu de ombros. Roubou uma folha do caderno do outro e riu baixinho, endireitando-se na cadeira.
Stilinski apenas girou os olhos. Sabia que se estivesse na carteira da frente teria sido ele a roubar uma folha do amigo. Scott aprendera o truque consigo, afinal de contas.
Sem enrolar mais puxou uma folha e se concentrou no trabalho que a professora passara. Pensar em qualidades próprias era fichinha! Stiles sabia que tinha muitas: era simpático, inteligente, falava bem... ou falava muito... enfim. Mas pensar nos defeitos seria mais fácil ainda. Para cada qualidade poderia pensar, tranquilamente, em pelo menos cinco defeitos.
Suspirou chateado e começou a escrever.
Ruby Smith analisou os alunos envolvidos no que lhes pedira. Alguns em maior grau de meditação, outros bem menos empolgados.
Foi apenas ao pousar os olhos castanhos sobre Stiles que sua postura mudou um pouco. Deixando de ser descontraída, ficou levemente tensa. Levou a mão à ponte do nariz empinado e apertou de leve.
Então aquele era Stiles Stilinski...?
Ele mudara absolutamente nada, em todos aqueles anos.
Os grãos de areia começaram a rolar na ampulheta que lhe guiava os passos. Quase sentiu pena dos alunos, pois não dividiriam um semestre. Não haveria provas ou trabalhos. Tudo aquilo era mentira, uma grande, frágil e desesperada mentira.
Ruby tinha apenas uma semana. Uma misera semana que culminaria em sangue, lágrimas, dor e morte.
E então a jornada chegaria, finalmente, ao fim.
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Sacrifício de Amor (Sterek)
FanfictionA cada três mil anos ocorre, simultaneamente, dois fenômenos raros: Contemplação Maia e Alinhamento perfeito. Situações capazes de fazer o impossível acontecer. Uma figura misteriosa entra na vida escolar de Stiles e Scott, e essa pessoa parece ter...