Sobre o amor não recíproco, sobre viver à beira.

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De todos os pontos que considerei ao tomar minha decisão, a mais difícil de aceitar foi que minha família era uma das grandes culpadas. Pois eu sempre teria um laço com eles, como um dever afetivo para com eles. E eles são culpados pelo amor que sentiram.

Mas como algo tão inocente como o amor pode ter me desprendido da vida?

O amor é um sentimento protetor, possessivo. Em outras palavras, grudento. Persegue, conecta, aliena. Amar alguém é prendê-la a si. É esperar que seja recíproco, é ligar, querer estar sempre ao lado.

Mas eles amavam a ideia de mim que tinham. Se soubesse o que se passava em minha mente, pensariam que eu era perturbado. E eu os perturbaria. Me chamariam de louco, diriam que minha maneira de pensar era errada. Mas eles que estavam errados.

Deixei que construíssem uma imagem de mim. Deixei que amassem essa imagem. Doeria menos.

Ao longo dos anos, fui cansando-me deles também, por todas as vezes que me amaram. Eu não os amava.

E eu nunca fui aquele que anima as festas, que puxa conversa. Aquele cuja presença é facilmente notada. Cuja falta é sentida.

Eu sei que para eles foi doloroso. Mas foi necessário.

A dor que sentiram foi culpa deles. Eles nunca esperavam isso de alguém como eu. Garanto que após um tempo ainda comentarão, chocados, o que fiz a mim mesmo.

Nunca aceitarão que foi por vontade própria. Culparão a depressão. Culparão até Deus. Mas a culpa é minha. E deles.

A culpa é de todas as vezes que me fizeram pensar no quão fútil uma companhia pode ser. O quão fútil a companhia deles pode ser.

A ignorância deles me fez querer me afastar. E cada segundo contribuiu. Cada comentário sobre mim, cada riso pelas minhas costas. Isso me corroía, presenciar tais crimes. Escutá-los feria minha moral, ameaçava corromper meu bom senso. Me feria de inexplicável forma.

E eles, que iam fundo na vida de todos, não foram capazes de desconstruir o falso eu que eu usava como máscara. Porque eles tiveram significativa participação na construção desta.

Entre sorrisos e pequenos gestos educados e de acordo com seus padrões, driblei as atenções, morrendo aos poucos, à beira. Mas eles me impulsionaram, e muito. Tomei ciência do quão fútil era minha existência por influência. E viver assim não é viver. Não para mim. Ao ter ciência disto, conclui. Isso era a vida como eles a conheciam. Como eles a viviam. E isso não era viver para mim.

Então concluí, viver não era para mim.

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