Eu costumava tomar o ônibus para a escola todos os dias na esquina de minha casa, o que de certa forma contribuiu para que eu me tornasse quem sou.
Mas neste momento você não deve estar interessado em como a história do ônibus vem a caber nesta história. E eu penso da mesma maneira. Você deve estar pensando sobre a parte em que eu menciono 'o que eu sou'.Acertei?
Acertei. Pois bem, vamos a uma rápida história sobre mim.
Eu sempre fui um garoto muito educado, mimado. Mas ao mesmo tempo eu era incompreendido, solitário e confuso. E isso não é facil de admitir uma vez que é a mais pura e cristalina verdade. Eu realmente era insuportável, analisando os fatos. A diferença entre mim e os mimados incompreendidos comuns é básica: eu penso antes de falar e fazer. Ou pensava, pois não acho que agora eu possa fazer grandes usos de meu cérebro.
Mas o 'o que eu sou' ao qual me refiro é 'suicida'.
Mas aí você volta a me questionar: somos suicidas após o suicídio? Porque até agora dei a entender que quando você tiver acesso a essas memórias, eu já terei me suicidado. Ido, pra sempre.
Sim, para mim você é suicida mesmo 100 anos após o suicídio propriamente dito. Mas a maioria não pensa como eu. Após a morte somos perdoados dos atos em vida. E o suicídio é um ato em vida, mesmo que seja o último. Mesmo que seja o que a tenha dizimado.
Mas como uma simples viagem de ônibus matinal fez com que eu me tornasse um suicida? Não foi o fator mais influente, mas um dos fatores cuja participação na soma é significativa.
Ficava horas encarando a janela enquanto ao meu redor todos falavam e interagiam. Eu nunca interagi com ninguém. E eu não guardo isso como um rancor particular, mas como consequência das minhas escolhas. Como consequência de quem eu sou.
Eu era tímido, verdade. Mas há mais uma verdade nessas viagens matinais: eu cansei das pessoas.
Sim, eu havia cansado de tentar muitas e muitas vezes achar alguém que me compreendesse. E o período ao qual aqui me refiro se dá na minha linha do tempo antes de eu ter consiência de que eu queria partir voluntariamente. Em termos realistas, antes de eu querer morrer.
Eu havia me dedicado tanto a amizades que tinham tudo pra dar certo, pra durar uma vida. Mas as pessoa nem sempre são o que esperamos. E eu realmente esperava dessas pessoas. Esperava o mínimo, acredite. E todos continuamente me decepcionavam. Talvez fosse eu que decepcionava a mim mesmo por esperar. Talvez fosse eu o errado.
Todos esses pensamentos desenvolvi encarando a paisagem que passava por aquele vidro sujo.
E muitos se sentaram ao meu lado. E ninguém realmente ficou ao meu lado. Era questão de semanas e o banco estava vazio, aguardando o próximo.
Quem sabe fosse as conversas. Eu de fato conversava pouco. Mas sobre diversos assuntos.
E eu só queria alguém que se sentasse ao meu lado, sem exigir conversa. Sentasse ao meu lado e deixasse-me viver a minha melancolia. Eu só esperava das pessoas a presença contínua. O estar sempre lá.
E ninguém esteve lá por tanto tempo.
Era minha única expectativa nas pessoas. Algo simples. Estar. Era só isso que eu esperava das pessoas.
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Crônicas Suicidas
Ficción GeneralO que fazer quando você acorda e simplesmente não se reconhece? Quando se cansa até mesmo das menores coisas, quando tudo no que sempre encontrou alguma familiaridade subitamente passa a ser estranho, insuportável pra você? Quando finalmente se che...