Escondido

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[Prólogo]

 Era mais uma noite quente e alegre de verão na Vila Celestino.

 Jorge Ricardo estava com os braços apoiados na parede e escondia a sua face impedindo de enxergar qualquer coisa. Devagar e com grandes paradas para respirar, Jorge ia contando os números em volume quase mudo.

- 1. 2. 3...

 "Bater cara", assim que era conhecido o que ele estava fazendo, não estava em seus planos. Pelo contrário, Jorge era um dos melhores jogadores quando a brincadeira se tratava de esconde-esconde, mas por conta de um descuido ele acabou indo parar ali.

 Jorge era um dos que mandava na brincadeira. Por ser um dos meninos mais velhos da rua, com 17 anos, ele sempre tratava de inventar novas regras quando lhe achava necessário e também burlava essas novas regras, tudo pelo simples prazer de se dar bem em cima dos meninos menores.

 Mas hoje Jorge estava afim de outro tipo de prazer.

- 47, 48, 49 e 50!

 A contagem havia acabado. Jorge virou a cabeça e respirou fundo. Ao contrário dos outros "pegadores" ele era muito mais esperto, sabia que o segredo era também se esconder, pois assim ele também seria um elemento surpresa para seus amigos. Por isso, caminhando bem devagar, Jorge foi à caçada.

 Oito horas da noite era o horário ideal para a brincadeira. Os garotos e garotas da vila Celestino passavam de casa em casa para chamar seus amigos para brincar. Ninguém nunca sugeria outra brincadeira, pois esconde-esconde era tipo um ritual de todas as noites.

 A vila Celestino era formada por sete ruas paralelas e verticais sem nenhum desnível, retas. Duas ruas horizontais ligavam todas elas formando esse bairro localizado na periferia da cidade. Antigo, mas nem por isso em sumo desenvolvimento, a Vila Celestina abrigava aproximadamente cinquenta famílias. Cada rua tinha seu próprio nome, mas os moradores utilizavam números para a identificação das ruas. A primeira rua, a de número 1, fica localizada na entrada do bairro, fazendo divisa com outros bairros e por isso mais "perto" do centro. Atrás dela os outros números vinham seguindo na ordem 2,3,4... até chegar na última. Após a rua 7 não existe mais nada além de campos de grama e uma estrada que levava para as fazendas.

 A rua 4, a que ficava no meio de todas as ruas, é aonde estava acontecendo a brincadeira. Tirando a rua horizontal, a rua número 4 era a única que tinha asfalto. Dizem as más bocas que alguns anos atrás um homem rico e milionário tinha se mudado para o bairro, e começou a construir sua casa. Para isso ele obrigou o prefeito da cidade a asfaltar a sua rua. Depois de um ano, esse homem simplesmente desapareceu. Sua casa ficou inacabada com um enorme muro em volta protegendo toda a propriedade de qualquer intruso.

 Jorge sabia que ela não estava cem por cento protegida.

 Pelas regras impostas pelos garotos maiores, só valia se esconder em volta das ruas 3,4 e 5. Regra que muitos, até mesmo seus criadores, burlavam.

 Jorge desceu até a rua horizontal para começar a procura. Ele sabia exatamente aonde ir, o lugar mais clichê para se esconder. O terreno baldio que se localizava no meio de duas pequenas casas era escuro e seria perfeito para se esconder se o pegador não fosse o Jorge.

 O barulho entregou cinco crianças que estavam escondidas lá. Jorge as surpreendeu com um grito e saiu correndo com destino ao bate.

- PELÉ, BRUNINHO, LUANA E VITÔ UM DOIS TRÊS, PEGO!!

 O quinto garoto ele deixou passar e fingiu não tê-lo visto quando ele se salvou.

- CAIO UM DOIS TRÊS, SALVO! – Disse o menino com grande alegria de saber que não teria que procurar na próxima rodada.

Lendas de amor e sangue: Vila CelestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora