[1976]
A família Celestino estava sentada na grande mesa de mármore para mais um jantar de sábado.
O pai da família, mais conhecido como Dr. Evandro chefiava as plantações de soja de todo aquele território. O homem já tinha seus 58 anos de idade e se encontrava na ponta da mesa de onde observava muito bem seu único filho e herdeiro de todas as suas terras.
Ferdinando, um garoto no auge dos seus 19 anos, temia o olhar do pai. O menino tinha os cabelos castanhos penteados para o lado, era magricela e tinha pequenos fios de barbas nascendo em seu queixo. Diferente do pai que sempre fora um homem forte e robusto até mesmo com sua idade avançada.
- Você mudará para São Paulo no próximo Domingo. - Dr. Evandro disse enquanto mastigava uma suculenta coxa de frango.
- Pai, eu... - o garoto tentou intervir.
- EU DISSE - a voz de Dr. Evandro se levantou - que você irá para São Paulo nesse domingo. Por acaso você está surdo?
Ferdinando revirou os olhos e deixou o prato intocável em cima da mesa e se dirigiu para o seu quarto. A casa em que eles moravam era a sede da fazenda, fora construída pelo seu pai há mais de vinte anos para iniciar uma bela vida da família Celestino, mas tudo acabara dando errado.
E Ferdinando era o motivo de tudo aquilo.
Sempre ouvira histórias de que no dia em que ele nasceu, uma grande tempestade atingiu o interior. As plantações foram completamente destruídas pela chuva, casas levadas pelo vento e o pior de tudo: no meio do parto, sua mãe teve um sangramento e era impossível chamar um médico. Ela acabou morrendo sem ao menos carregar o filho no colo.
Seu pai se tornara o homem mais amargo e fechado de toda região. Criou o filho com mãos de aço, isolando ele do restante do mundo. Ferdinando sempre teve aulas particulares em casa, aprendeu serviços braçais com alguns criados e teve a companhia de sua babá Tereza que sempre fora uma segunda mãe para o menino.
Ferdinando provara que não havia puxado o pai em nenhum aspecto. Não era inteligente igual ao Dr.Evandro, não possuía a mesma força que o seu progenitor e muito menos a coragem que ele jurava que deveria ter. O menino sempre gostava da simplicidade, da justiça e do amor. Isso deixava Dr. Evandro cada dia mais decepcionado com seu único filho.
O estopim da decepção veio uma semana atrás. Dr.Evandro retornava de uma reunião com alguns fazendeiros que plantava café e queriam fazer um acordo de terras. O homem chegou em casa mais cedo e exausto e quando entro pelas portas de sua fazenda, sentiu que algo estava errado. O filho de Benedito, seu sitiante de maior confiança, não estava o esperando na porteira como de costume. Sabia que o menino de nome Francisco não puxara nada da honestidade do seu pai, assim como Ferdinando não puxara nem um traço dele mesmo.
A procura de encontrar os dois meninos aprontando. Dr.Evandro abriu a porta da casa devagar e o que ele viu, fez o coração do homem congelar.
Seu filho estava beijando Francisco na boca.
Ferdinando percebeu a presença do pai e tentou disfarçar. Encarou o pai por alguns instantes, mas sabia que ele não poderia dizer nada para amenizar as coisas. Apenas se despediu de Francisco e encarou os olhares de reprovação do pai.
No dia seguinte, recebeu a notícia que teria que se mudar para São Paulo.
Ferdinando sentiu seu estômago se embrulhar e arrependeu-se de não ter jantado. Em menos de dois dias ele teria que se mudar para a capital e jamais iria rever seu único amigo que tentava ajuda-lo naquela vida.
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Lendas de amor e sangue: Vila Celestino
Terror"Pois na Vila Celestino era assim. A brincadeira sempre continuava..." [SINOPSE] Murilo acaba de se mudar da capital de São Paulo para uma cidade do interior. Sua família tenta se restabelecer em meio de tempos difíceis e para isso vão parar em um...