5: O PRIMO DA DULCE

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"Eu não posso fixar a hora, o local, ou os motivos que o causaram. Foi há muito tempo. Eu já estava envolvido antes mesmo de saber que tinha começado."
- Jane Austen (Adaptado) -


Era a segunda semana de aula e até então nada. Absolutamente nenhum sinal do "carinha misterioso do auditório". Seu círculo monótono de amizades não se enlanguescia, sua vida continuava restrita e os veteranos faziam questão de espalhar seu nome e "conquistas" para os novatos. Principalmente os garotos. Quem seria o digno de resgatar Shanon Britt de seu transe a lá freira? Quem seria o digno de levá-la de volta ao seu passado obscuro?

A resposta era: ninguém. Esse era o propósito de seu plano: o controle de sua vida pertencia unicamente a ela. Quem no mundo seria capaz de desarmar um jogo tão perfeito e arquitetado em sua mente? Precisaria ser muito insistente, consistente e profundo. E pensando bem, pelo juízo que fazia de si mesma, talvez nem isso.

Mas bastou que o sinal soasse pelos corredores para que tudo ao redor perdesse importância. Bem ali, em frente aos seus olhos. Era ele, o enigmático aluno que roubou sua atenção. Não teve a mesma sensação de dias atrás ao olhar para aquela criatura. Sentiu um nervosismo que se assemelhava a uma pré-entrevista muito importante. Precisava descobrir quem ele era e porque a olhara daquela forma. Precisava estudá-lo e criar seu antídoto potente contra suas armas. Se apenas com um olhar lhe tomou a completa atenção, o que um mero toque nao faria?

Era isso? Queria tocá-lo? Mas de onde surgiu esse pensamento? Balançou a cabeça e desviou o olhar, voltando para Ben, colado ao lado de seu armário, aguardando que ela pegasse os materiais para que finalmente seguissem até a sala.

Não tardou para os comentários surgirem de todas as partes. Ele foi o assunto do dia. Não o único aluno a entrar na escola, mas sua expressão, vestes e aquele olhar de predador mirando a caça transformavam a garota mais pura em um pecado materializado. E transportava Shanon para dentro de si mesma. A tarefa: entender o que sentia.
Admiração, definitivamente, não. Paixão ou tais romantices estavam fora de questão. Tudo o que se misturava em seu ser se traduzia simplesmente em curiosidade. E em um temor anormal devorando cada parte de seu lado casto e mostrando o quanto era vulnerável àquela imagem e àquele olhar.

Era um desafio.

E o desafio estava aceito.

As conversinhas isoladas cessaram assim que a professora pôs os pés na sala. Senhora Boulevard, professora de História. Amarga, na decadência de seus cinquenta e cinco anos. Nunca esteve feliz e quando não despejava sobre os alunos sua angustiante rotina da vida real, exigia uma dissertação cheias de regras sobre qualquer período da história mundial.

Mas a surpresa do dia foi vê-la sorrir, não à toa, sorria para o aluno novo, que nem sequer vacilou do desenho que fazia na mesa.

- Como todos perceberam, recebemos um novo aluno. - Todos imediatamente e em sincronia olharam para o garoto sinistro do fundo da sala. - Gostaria de se apresentar? Ei rapaz - caminhou até ele e pôs as mãos sobre sua mesa.

Risinhos se alastraram pelo ambiente.

Primeiramente ele fitou os rostos curiosos que o circundavam, depois as mãos da professora que atrapalhou seu desenho, e finalmente encontrou os olhos da Sra. Boulevard, e os dele cintilaram em um azul quente e vibrante.

Os arrepios furtivos correram o corpo de Shanon, dissolvendo qualquer certeza como gelo num dia quente de verão. Era realmente só curiosidade? Ou descobria a facilidade com que seus sentimentos avançavam com apenas olhares? Apenas olhares?

OBSCURO: Entre amor e morteOnde histórias criam vida. Descubra agora