4: A MORTE

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"Sempre há outra chance. Outra amizade. Um outro Amor. Para todo fim, sempre haverá um recomeço"
- Antoine de Saint-Exupéry (Adaptado) -

- Eu abdico meu cargo - disse Marcel, a entidade da morte. Perante o Conselho, munido apenas de sua certeza irrevogável.

Foram séculos e séculos servindo ao Juiz. Deixando-se, muitas vezes, ser levado pelo instinto pútrido que o cargo carregava. Deixando ir aquilo que mais amava... Não foi do nada que tirou aquela ideia. Já vinha pensando em abandonar o posto. Só precisava de um estopim. E ela estava ali, sentada entre os outros membros do Conselho, apoiando-o a todo o tempo. A primeira reação de Órion foi praguejar. Séculos tinham se passado desde que convencera Marcel. E foi uma tarefa árdua de influenciar o ser que antigamente revestia-se de luz. Mas o Juiz era precavido. Seus planos acompanhavam todas as letras do alfabeto...

- Você tem certeza e total convicção desta escolha? - Donye disse com pesar explicito em seu rosto. A participação de Marcel no Lumina seria reduzida à quase nada.

- Sim. Há séculos que faço isso e não estou mais apto a este cargo.

- Bom. Então devolva suas vestes e o colar... me entregue o colar - pediu Crisma. Marcel lhe entregou o colar com os cinco símbolos. E tudo pareceu mais leve, como voar na imensidão casta do Primeiro Céu. - A partir de agora e para todo o sempre você será apenas mais um servo do Mestre. Sem nenhuma participação em nossas reuniões ou decisões. Será apenas uma entidade simples, um auxiliar e sempre preparado para ajudar. - Crisma parecia feliz em receber Marcel em sua agremiação. E o sorriso de Marcel concordava com os sentimentos do Amor. Nada mais combinava tanto com sua mais nova condição do que ser auxiliar do maior sentimento já criado.

- Vá em paz em sua nova jornada. Com a minha benção - agora era a entidade da paz interior: Youre. O Conselho era formado por sete entidades e a Morte, embora esta última não surtisse peso sobre as decisões da cúpula, participava assiduamente das reuniões.

- Que assim seja... - respondeu Marcel, ao ver a luz branca rodeando sua cabeça.

A saída de Marcel da sala resultou em silêncio, mas apenas externamente. Cada cabeça ali reunia milhares de pensamentos e expectativas sobre o destino da antiga Morte. E todos compartilhavam o mesmo temor: qual seria a próxima vítima do Juiz da morte?

- Bem - Órion disse em alto e bom som, chamando a atenção de todos na grande mesa. - Preciso encontrar um novo servo.

- O Ocaso está cheio de entidades torcendo para serem escolhidas. - Crisma disse sorrindo.

- Não. - A negativa fez todos ali se encolherem como papel amassado. E então esperaram pela declaração do desejo do Juiz. - Desta vez eu quero um servo humano.

As vozes se misturaram, advertindo, em dúvidas ou dando voz à total ignorância de como seria ter um humano entre os celestes. Como seria ter um humano, que se tonaria a Morte e mataria seus (quase) iguais.

- Basta! - A voz de Órion se elevou dentre as outras, trazendo o silêncio mortal ao recinto novamente.

- Tem certeza disso, Órion? - Rugas de preocupação se acentuaram no rosto pacífico de Crisma.

- Nunca a tive em tanta abundância em minha vida. - E se retirou da sala, sorrindo com a possibilidade que teria brevemente em suas mãos.

OBSCURO: Entre amor e morteOnde histórias criam vida. Descubra agora