O restaurante era bem próximo da redação, mas Guilherme, ainda sim, fez com que todos fossem juntos em seu carro. O intuito era causar em Rômulo algum tipo de boa impressão.
— Então Rômulo, Samantha, sejam bem-vindos à nossa turminha! — Falou Guilherme de forma tão amistosa que sequer notou o quão cedo aquilo soou.
Entretanto, não era apenas Guilherme que estava perdendo o senso. Rômulo também parecia entusiasmado, não apenas com a euforia de Guilherme, mas em alargar os laços com Eduarda, ele sabia que só tinha a ganhar enquanto modelo, sendo amigo de uma colunista. O garoto era ambicioso o bastante para reconhecer que aquela amizade agregaria contatos à sua carreira. Ao constatar o óbvio, Eduarda ficou ainda mais indiferente as investidas do novo boneco Ken do Guilherme. No restaurante, os quatro ainda continuavam engessados, apesar de conversarem, nada parecia tão descontraído quanto deveria. Com exceção de Guilherme, que sequer parecia compreender a situação em que estava inserido. Entre um assunto e outro, Eduarda soltou um questionamento:
— Por que está tão calada, Clara? — De fato Eduarda não conseguia ler seu silêncio.
— Liga não, a Clarinha sempre foi assim; mais ouvinte que falante. — falou Rômulo interrompendo a chance de resposta de sua colega.
— Como assim "Clarinha"?! Que intimidade é essa? — Interrogou Guilherme brincando com as palavras como se de fato estivesse com ciúmes. Todos riram da intimidade que ele ousava entoar em poucos minutos de conversa.
— Pois é, quanta intimidade! De onde vocês se conhecem? — Eduarda soltou com um olhar firme e interrogativo, aproveitando a frase de Guilherme. Rômulo abriu a boca para responder, mas antes que ele pudesse falar qualquer coisa, Clara toma à frente de suas palavras e confessa:
— Ele é meu amigo desde que fizemos umas campanhas juntos, quando tive uma carreira meteórica de modelo comercial e fotográfico. Enfim, amigos de trabalho. Foi quando também conheci a Samantha e nossa amizade continuou para além da agência e dos trabalhos. — Evidenciou Clara com um pouco de tensão, sorrindo para disfarçar minimamente. Rômulo olhou intrigado para Clara, seus olhares se encontraram e ela sorriu sardonicamente para ele. Com isso, ele desviou o olhar sorrindo para os demais, enquanto Guilherme fazia outra de suas gracinhas que seu cérebro sequer conseguiu processar.
Eduarda respirou aliviada, sentindo que finalmente as coisas se encaixaram. Sua insegurança era tão danosa que sentia em seu íntimo os ciúmes infundados, mesmo quando sequer havia motivo. Agora, com as peças se encaixando, parou de mexer com os guardanapos da mesa para trazer a mão de Clara para junto da sua. Era um sinal de paz. Samantha então entendeu que era mais que uma amizade. Sua amiga e Eduarda estavam juntas e isso lhe explicava muito sobre suas fugas de sinceridade. Mas era sua amiga. Sua melhor amiga e isso bastava para que ficasse do seu lado.
— Gente, já está mais que na hora de expulsar esse clima de velório da mesa, porque a única coisa que temos que matar aqui é nossa fome! — Guilherme evidenciou lembrando a todos que precisavam pedir, enquanto o garçom se aproximava.
Comeram, riram, brincaram e quebraram um pouco do clima pouco amistoso que havia se instalado. Guilherme fez questão de pagar a conta. Não era costumeiro, mas naquele dia ele estava mesmo disposto a roubar os holofotes da atenção de Rômulo. Despediram-se e dividiram-se em caminhos diferentes. Guilherme e Eduarda tinham que voltar à redação e os demais tinham seus próprios caminhos a seguir...
— Se eu não tivesse no horário de trabalho te levaria até sua casa. — Guilherme foi direto.
— Não faltará oportunidades. — Rômulo devolveu no mesmo tom.
Eduarda e Guilherme ficaram parados enquanto os três se perdiam de seus olhos.
— Ain esse Rômulo é um deus grego né, mona? — Falou Guilherme como se Eduarda conseguisse ver algo naquela direção além de Clara.
— Ele é lindo mesmo, agarra o boy! — Disse Eduarda tentando encorajar o amigo.
— Falando em boy, agora que a Clara está longe, me diga, você já superou mesmo o Rafa? Ele era tão louco por você...
— O carinho ficou. Foi um lance bacana, mas eu não podia chamar de amor. Mas por que está falando da Rafaela no masculino? Você está deixando minha cabeça confusa. — Interrogou sem a menor compreensão.
— Então você realmente não sabe?
— Saber o quê?
— Sobre a transexualidade de Rafael, ué. Ele tinha uma série de insatisfações com o corpo biológico e ao voltar para São Paulo, decidiu buscar uma ajuda especializada. Ao que parece, não vai demorar muito para que ele comece o tratamento hormonal. Eu conversei com a minha tia e pelo que entendi, tudo está se encaminhando de acordo com a vontade dele. O processo para mudança de nome estava seguindo bem e apesar de algumas burocracias, acho que ser filho de um dos maiores advogados do país abre muitas portas.
— Transexualidade? Mudança de nome? Tratamento hormonal? — Eduarda repetia a tudo como se estivesse atordoada com os fatos.
— Eu sei, esse negócio de mudança de pronome de tratamento demora um tempo até que a gente se acostume. Foi assim comigo também. A notícia da transexualidade de Rafael também me pegou de surpresa. Apesar de sempre ter constatado seus trejeitos masculinos, não imaginei em tamanha proporção... Mas estou feliz que ele tenha se encontrado. Ele merece ser feliz!
— Merece sim. É uma pena que ela, quer dizer... ele, não tenha conseguido se abrir comigo neste sentido. Talvez tivesse explicado muitas das minhas incógnitas.
Eduarda estava atordoada com a revelação. Era insano pensar que ela nunca sequer havia percebido. Será que havia sido tão desatenta assim aos sinais? A obviedade só parecia límpida agora, com a afirmação.
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1 - O preço de uma mentira [ ROMANCE LÉSBICO]
Storie d'amoreO romance acontece em Recife - Pernambuco. Duda mora sozinha e escreve artigos de moda para o jornal em que trabalha. Seu único amigo é Guilherme que trabalha junto com ela. Um dia, a caminho do trabalho, Duda conhece Clara, mas logo depois, também...