Capítulo II

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Esta manhã de terça-feira está absurdamente fria. Ou melhor, eu estou com frio e ardendo em febre.
Liguei para minha mãe mais cedo e ela disse que eu não deveria ir à aula hoje, e que deveria tomar chá.
Minha vizinha, Marly, trouxe-me o chá e bolachas. Minha mãe havia ligado para ela. As duas tornaram-se amigas, de vezes em que minha mãe vinha me visitar.
Essas constantes mudanças de clima me acabam. Como assim ontem fazia exatos vinte e seis graus e hoje estão fazendo apenas doze? Eu jamais vou me acostumar com isso.
Orgulhosa demais para deixar que um resfriado e uma rinite acabem comigo, resolvi levantar da cama e ir até a biblioteca pública. Era um ótimo lugar para se acalmar e Phillip estagiava ali.
Coloquei dois casacos e uma blusa de mangas compridas. Tomei algum remédio para dor de cabeça e saí de casa.
Apesar do clima, o dia está relativamente bonito. São oito e vinte e cinco da manhã. O céu está acinzentado, mas ainda é possível ver o sol com todo seu brilho e beleza acima de algumas nuvens, reinando no céu. O chão está molhado, sinal da chuva que tivemos pela noite, levantando o cheiro de terra que tanto me agrada. As árvores, tem suas folhas brilhantes em um verde vivo. E, eu, em frente de casa admirando a paisagem. Isso, para mim, definitivamente não é o que eu chamaria de "tempo ruim".
Peguei meu celular e decidi que mandaria mensagem à Phillip. A biblioteca pública de Sunset City, ficava no campus da faculdade. Phillip fazia curso de artes cênicas e trabalha na biblioteca para quitar as despezas de aluguel e do curso. Como eu faço Biologia, meu curso é na quadra II do Campus, o que dificultou bastante a nossa comunicação.
"Lip, passei mal esta manhã e não fui à faculdade, estou dando uma passada na biblioteca. Será que tem como adiantar alguns livros de poesia Brasileira e Portuguesa para mim? Obrigada. Lucy."
Mensagem enviada e caminhei em direção a biblioteca. Não era tão longe, afinal. Quinze minutos de caminhada.
Abri a grande e pesada porta. Há duas prateleiras altas e cheias de livros que abrem caminho para uma espécie de corredor, que dá logo ao balcão da recepção. Como esperado, Phillip estava ali.
Seu cabelo loiro faz perfeito contraste com sua pele branca e maçãs do rosto coradas. Seus olhos azuis-acinzentados são como o céu lá fora. E meu coração bate tão forte que sinto que é uma dinâmite, prestes a explodir.
-Bom dia, Lucy. -Ele diz, assim que me aproximo do balcão. Esboçando um enorme sorriso.
-Bom dia. -Sorri. -Viu minha mensagem? -Perguntei, ainda sorrindo.
-Vi sim. Estão aqui. -Ele colocou os livros sobre a mesa. -Tem desde Clarice Lispector até Lucão. -Ele sorriu.
-Obrigada. -Respondi. Antes que eu me virasse, ele disse:
-Lucy, na mesa três, atrás da prateleira de romances, há um grupo de pessoas que frequentam o Artistic. Vamos lá? Eles querem te conhecer. -Phillip falou.
-Ah... Hum... Tudo bem. -Demorei um pouco a falar, eu fiquei nervosa.
-Acalme-se. -Phillip sai de trás do balcão e coloca suas mãos grandes sobre meus ombros, me encolhi com o toque. -Eles fazem o curso junto comigo. Vai gostar deles.
Fomos até a mesa, logo meus olhos captaram uma figura conhecida. Era Matthew. É estranho pois todas as vezes que o vejo, meu cérebro ativa uma zona de perigo, fazendo com que eu sinta medo. Talvez seja o jeito que ele me olha, ou, realmente, há algo de errado. Ou eu só estou sendo paranóica mesmo.
Incrível é, realmente, o fato de ele não ter me olhado.
Nos aproximamos da mesa:
-Oi, pessoal. -Phillip disse. -Esta aqui é Lucy. -Todos voltaram seus olhares para nós.
-Olá. -Eu digo, cumprimentando-os.
-Oi. -Eles respondem em unissono, menos Matthew que faz um cumprimento com a cabeça e volta seu olhar ao livro. Senti meu corpo estremecer.
-Bem, Lucy, esta é Dora. -Phillip diz, apontando para a menina de vestido rosa florido e cabelo cacheado. -Este é Evo. -Um carinha branco, magro de óculos. -Roanna. -Ela também usava óculos, tinha uma aparência oriental. Japonesa, talvez. - Eles fazem o curso comigo. Porém, o lobo solitário ali é Matthew. -Matthew olhou e riu. -Ele faz direção de cinema.
Eu apenas sorri.
-Vou voltar ao trabalho, antes que Noelí chegue. Fiquem a vontade. -Assim, Phillip se foi.
-Senta aí, garota! -Dora exclama, apontando para a cadeira vazia entre ela e Evo.
Sentei na cadeira indicada.
-Adorei sua apresentação na última sexta-feira. Foi magnífica. -Roanna fala sorrindo.
-Obrigada. -Agradeci envergonhada.
-Quando você tocou "A thousand years", nunca vi nada igual. -Dora diz, seus olhos brilham e expressam sinceridade.
-E você estava muito bonita também. Sua voz é linda. -Evo diz.
-Obrigada. -Eu digo. Um sorriso enorme está eu meu rosto e eu sinto que estou corando. -Ah, droga... -Eu digo rindo. -Estou ficando sem graça.
-Não precisa. -Dora diz. -Que livros são esses?
-Ah... -Olhei para os livros e depois para ela. -São de poesia portuguesa e Brasileira.
-Nunca li. -Roanna fala.
-É muito bom. Recomendo. -Eu digo.
Continuamos ali, falando sobre nossos autores favoritos e livros que lemos.
Vez ou outra, Matthew me olhava mas apenas por frações de milésimos. Antes que eu sentisse-me mais incomodada, resolvi ir.
-Enfim, gente... -Me pronunciei. -Foi bom conhecê-los, mas agora eu, realmente, preciso ir. -Levantei-me.
-Está cedo. -Roanna disse. -Fique mais um pouco.
-É que estou mal, tenho que comprar um remédio. Mas obrigada. Qualquer dia saímos para tomar um café. -Ouvi minha própria voz falar, quase contra a minha vontade. -Vão ao Artistic nesta sexta?
-Vamos sim. -Dora responde.
-Hum... Vejo-os lá? -Perguntei.
-Sim! -Evo responde.
-Tudo bem, então. Beijos, até. -Me despedi e ouvi "Beijos" em unissono atrás de mim.
Aproximei-me do balcão onde Phillip fazia algo no computador. Ele mordia os lábios sendo, absurdamente, sexy. Seu cenho estava franzido.
-Phillip, eu já vou. -Digo, assim que chego mais perto.
-Já? -Ele pergunta, e levanta-se para sair de trás do balcão.
-Sim, preciso de um remédio.
-Ah, qual o remédio?
-Qualquer um para febre.
-Ah, sim. Tudo bem. Melhoras. -Phillip me abraça e sussurra: -Se cuida.
Sinto meu corpo vibrar com aquele gesto. Bem, eu acho que gosto dele. Saí da biblioteca indo direto à farmácia.
Havia uma mulher robusta com jaleco branco e cabelos grisalhos, olhando no computador quando cheguei a farmácia.
Abri a porta cuidadosamente, mas, ainda assim, rangeu. Dirigi-me até o balcão, a fim de pedir qualquer remédio que me livrasse dessa febre e garantisse que eu estaria boa até amanhã. Ou até sexta a noite.
Sexta a noite eu tinha que estar bem. Phillip estaria no Artistic. Ele tocaria piano. Eu cantaria. Seríamos uma dupla na sexta-feira.
Fui para casa pensando em Phillip, e no jeito que seu cabelo estava bagunçado aquela manhã. Seu sorriso e sua bochecha rosada.
Contudo, penso também em Matthew. E no seu jeito, irritantemente, observador. Em como ele não falou nada. Sinto-me em desvantagem, e, ah, droga, eu odeio isso.
Matthew sabe muito sobre mim, porém tudo o que eu sei é que ele cursa cinema na mesma faculdade que eu. E que seu nome é Matthew.
Enquanto aos amigos de Phillip, adorei Dora. Mas, ainda assim, senti falsidade nas palavras de Roanna. Tento não pensar muito sobre isso, os conheci essa manhã.
Deito-me sobre a cama, após tomar uma das pílulas que comprei cujo a farmacêutica robusta e de pele avermelhada havia indicado-me. Adormeci.
Acordei às dezessete e quinze. Fome. Muita fome.
Fui até a cozinha e preparei uma daquelas lasanhas instantâneas. Estava bom. Muito bom.
Tomo um banho e coloco minha roupa de correr. Hoje eu não pegaria Lindsay. Avisei dona Marly de que iria dar uma volta, e a assegurei de que já me sentia bem.
Corri, creio que por meia hora, mais ou menos, ao longo do rio.

×××

Finalmente chegou a sexta-feira. Talvez hoje fosse meu grande dia. Será que Phillip me notaria?
Ao longo da semana, percebi que talvez eu goste mesmo dele. E que talvez ele goste de mim. Decidi que vou me abrir com ele.
E será com o poema que escrevi no sábado. Talvez ficaremos juntos.
O que será maravilhoso. Afinal, daqui à dois meses, mais ou menos, será nossas formaturas.
Escolhi um vestido vermelho esta noite. Nunca usei nada igual. Dona Marly, que ajudou-me arrumar, disse que eu estava linda.
E eu me sentia assim.
Cheguei ao Artistic mais cedo que o de costume naquele dia. Seis e cinquenta e cinco da tarde e eu já estava no meu "Camarim". Recebi flores, alguém desconhecido. É estranho.
Refleti mais algumas vezes sobre o poema e se deveria -ou não- recitá-lo. Decidi que sim. O máximo que ele poderia fazer era dizer não, certo? Certo. Assegurei-me de que tudo ficaria bem e de que minha dignidade não acabaria por isso.
-Lucy. -Ouvi.
-Entre.
-Olá. -Dora surgiu na porta. -Está bem?
-Estou. -Sorri.
-Phillip já está no palco.
-Estou pronta. Vamos?
-Vamos. -Dora respondeu. Apaguei as luzes e saímos do camarim.
Phillip tocava no piano "Fix a heart" Cantei aquela música com todo o coração. Por um momento senti que fosse uma previsão do futuro. Não deixei que aquilo me abalasse, assegurei a mim mesma que não teria nada a ver comigo e Phillip.
Após acabar a música, comecei o meu discurso.
-Antes de abrir espaço para o resto de vocês... -Todos me olhavam. Engoli em seco. -Eu queria falar sobre meus sentimentos para uma pessoa. -Falei firme. -E acho que o Artistic seja um ótimo lugar para isso.
Encontrei o olhar de Matthew. Olhei para baixo e antes de ter consciência da coragem me invadindo, comecei:

A forma que aconteceu
Como me comoveu
Ouvir o som da tua voz
Sobre minha mente vazia

Eu não sei como fazer
Como dizer
Que o que eu sinto por você
É infinito

Seus olhos são como uma fonte
Uma fonte de vida
Que me mantém viva

Nos veremos ainda hoje
Sei que iremos até o fim
A confusão no meu coração
Vai ser calada pela tua canção

Eu não sei se é amor
Não sei se é paixão
Desceu ao meu peito
Bagunçou feito furacão

Devo estar sozinha nessa
Mas digo-te de coração
Vem junto comigo
E seremos diferentes então.

-E é com esse poema que digo-te, Phillip, -Todos me olharam, os olhares transbordavam expectativa. -Há algum tempo sou apaixonada por ti.
Todos aplaudiram. Os olhares brilhavam. Phillip levanta-se de sua cadeira e me abraça. Seus braços firmes seguravam-me com segurança. Eu me senti tão bem. A partir daquela noite, talvez, algo mudasse.

Mas não foi isso que aconteceu.

×××

Na noite do artistic, tudo ocorreu maravilhosamente bem. Eu e Phillip nos beijamos, e ficamos juntos naquela noite. Contudo, segunda-feira, na faculdade, encontro-me diante de Phillip e suas palavras, parecendo distantes, ecoando em minha mente:
-Lucy, você é uma pessoa maravilhosa. Uma ótima amiga, eu a adoro. -Ele me olhava nos olhos e eu tentava conter as lágrimas nos meus. -Mas, eu não estou preparado. Eu não gosto de você como você gosta de mim. -Ele disse, por fim.
Eu apenas assenti e ergui a cabeça, esboçando um sorriso falso de "felicidade".
-Tudo bem. -Eu disse.
Nos abraçamos e logo o sinal tocou, avisando-nos de que devíamos voltar às aulas. Phillip disse-me "tchau" e correu para o bloco contrário ao meu.

Os dias passam correndo. Minha formatura está cada vez mais próxima. E eu cada vez mais ansiosa.

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