Em um recanto isolado, não muito longe da grande metrópoles, havia um pequeno vilarejo cercada por uma densa floresta de amoras. Isso mesmo! Amoras. E era ali que Abelly e sua filha, Éria, viviam em meio à natureza, longe do conforto e do caos que é na cidade grande.
O aroma das tortas, feitas com amoras maduras, ainda pairava no ar, mas a realidade dura da pobreza também se fazia presente. Abelly, determinada a sustentar a filha, oferecia seus serviços culinários nas casas dos poucos vizinhos que viviam nas redondezas.
Na véspera de um Natal que prometia ser frio e sombrio, Éria, uma menina de nove anos e um coração puro, teve uma ideia que a encheu de esperança. Sentada em seu pequeno quarto, onde as paredes ecoavam o silêncio da solidão, ela decidiu escrever uma carta ao lendário Papai Noel. Em um pedaço de papel, a garotinha começou a rabiscar as palavras que refletiam seu mais profundo desejo.
"Querido Papai Noel,
Meu nome é Éria, e tenho um pedido especial. Sei que este é o momento perfeito para pedir a boneca Barbie que sempre sonhei. Mas, na verdade, o que mais desejo neste Natal não é um brinquedo. Papai Noel, eu sei que o senhor pode achar que sou uma menina como qualquer outra, que deseja presentes ou riquezas. Mas não é assim. Tudo o que quero este ano é uma ceia de Natal para mim e minha mãe. Estou cansada de viver de amoras da floresta. Elas são doces, é verdade, mas o corpo humano precisa de mais do que isso. Não que tenhamos muito para comer, mas seria o melhor Natal da minha vida se eu pudesse ver minha mãe feliz, sem preocupações, e saber que posso ajudá-la...
Com carinho, Éria."
Quando a garotinha terminou de escrever, dobrou cuidadosamente o papel, guardando-o em um envelope que ela mesma havia confeccionado com retalhos de jornal.
Com um suspiro profundo, fechou os olhos e imaginou o banquete descrito na carta. Podia quase sentir o aroma do assado, o sabor do pão fresco, e, acima de tudo, via o sorriso radiante de Abelly, que ecoava em sua mente como uma canção distante, chamando por seu nome.
— Éria? Filha? — A voz da mãe ecoou pelos corredores da casa, mas Éria, absorta em sua imaginação, quase acreditou que Abelly estava prestes a entrar no quarto para buscá-la.
Subitamente, a porta se abriu e Abelly apareceu, carregando uma pilha de roupas. O frio que Éria sentiu no estômago não era por ver a mãe, mas pela súbita realização de que Abelly já não fazia parte de suas fantasias.
Com uma habilidade quase instintiva, Éria escondeu o envelope atrás de si, enquanto observava a mãe colocar as roupas na cabeceira da cama. Abelly parecia mais séria do que o habitual, com um brilho nos olhos que a garota não via há muito tempo, e isso fez com que Éria se sentisse inquieta.
— Vá se trocar rápido, temos visitas para o almoço — ordenou Abelly, agora com uma expressão de urgência que a filha nunca tinha visto antes.
— Visitas? Quem são? — perguntou Éria, sua curiosidade despertada.
— Novos vizinhos. Vieram da Europa. São viajantes apaixonados pelo Brasil, e me ofereci para preparar um banquete para eles em troca de muitas, mas muuuitas moedas. Agora, pare de enrolar e vá logo se trocar, mocinha. Temos pouco tempo para recolher amoras, já que farei mais tortas para que eles possam comer durante a viajem. Vá! Rápido. Estarei esperando lá embaixo — explicou Abelly, saindo do quarto.
Sozinha novamente, Éria ainda tentava processar a ideia de receber visitas na véspera de Natal, algo inédito em sua vida. Sem perder tempo, foi até sua escrivaninha improvisada, guardou o envelope na gaveta e, com um suspiro, dirigiu-se ao guarda-roupa para se trocar.
— Mais amoras... — murmurou, desanimada. O processo de colheita, outrora excitante, agora era apenas uma rotina cansativa. Mas algo dentro dela ainda ansiava por uma aventura, por algo desconhecido, talvez até mágico. Apesar de não conhecer nada do tipo.
— Queria estar em um lugar tão... tão distante daqui... — confessou, tentando se animar com a ideia de um mundo diferente.
De repente, como se suas palavras tivessem invocado algo, uma rajada de vento forte entrou pela janela. As luzes piscaram freneticamente e um clarão ofuscante emanou diante de seus olhos, e antes que pudesse entender o que estava acontecendo, foi envolvida por aquela luz misteriosa.
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O Faz de Conta e a Flor de Lótus
AdventureNarra a trajetória de Éria, uma garotinha que jamais tivera o delicioso prazer em ouvir HISTÓRIAS ANTES DE DORMIR, ou qualquer contato com o mundo do faz de conta. No entanto, ao desejar estar em um lugar bem distante de sua casa, ela acaba indo par...