2 - Floresta o Que?

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Éria abriu os olhos devagar, encontrando-se em meio à névoa densa de uma floresta sombria, seu coração acelerado enquanto tentava entender o que estava acontecendo.

Olhou para si mesma, surpresa ao perceber que vestia uma roupa de tecido fino, reluzente como uma joia.

Onde estou? E por que estou vestida assim? — espantou-se, a mente em um turbilhão de perguntas sem respostas.

Ela não se lembrava de como havia chegado àquele lugar, nem de como fora envolvida por aquele traje de princesa.

Era como se tivesse sido transportada para um mundo estranho, onde nada fazia sentido.

A luz do sol mal penetrava entre as copas das árvores imensas, criando um jogo de sombras dançantes no chão coberto de folhas douradas. Havia um brilho etéreo no ar, como se pequenas faíscas de luz flutuassem em torno dela.

As árvores, de troncos retorcidos e cobertos por musgos luminescentes, pareciam ter vida própria, suas folhas reluzindo em tons de verde esmeralda e prata.

Aos nove anos, Éria nunca havia visto algo tão maravilhoso e, ao mesmo tempo, tão misterioso.

Os olhos dela, arregalados de espanto, refletiam o encanto daquele lugar, onde tudo parecia ser possível, como se estivesse em um sonho onde magia e mistério se entrelaçavam a cada passo.

Enquanto seus pensamentos corriam, o som de passos apressados rasgou o silêncio da floresta, seguido por gritos desesperados.


— SOCORRO! SOCORRO! O Lobo está vindo!

A voz era aguda, aterrorizada, e antes que Éria pudesse reagir, uma criatura pequena e arredondada chocou-se contra ela, quase derrubando-a.

— Ai! Cuidado, seu... — berrou a garota, mas fora interrompida.

— Sra. Emma, por gentileza. — repreendeu a pequena criatura, com um tom amigável, mas que não escondia o medo.

Éria, ainda atordoada, olhou para baixo e viu um porco, mas não era um porco comum. Este porco, em questão, falava. E muito.

Assustada, a garota recuou.

— Um... Porco falante? Isso não é uma floresta normal. Onde estou, seu... seu porco?

Porém, o animal se ofendera.

— Ah, querida, eu sou uma porca. P-O-R-C-A. Porca! Entendeu? — vociferou Emma, empinando o focinho com ar de superioridade e um olhar astuto — E deixe-me contar uma coisa. Não sou qualquer porca não, tá? Enquanto meus três irmãos tolos foram facilmente enganados e acabaram presos nas suas armadilhas, eu, por outro lado, sou uma gênia! — A porquinha, toda convencida, deu uma risadinha presunçosa — Construí minha casa com tijolos, sabe? Não tem lobo que sopre! Meus irmãos pensaram que palha e madeira eram o suficiente. Tsc, tsc, tsc... falta de visão, não acha?

Éria não entendeu uma palavra sequer do que ouvia do fucinho do animal, enquanto a porquinha continuava tagarelar sem parar:

— ...Eles podem ter músculos, mas eu, ah, eu tenho o cérebro da família! Enfim, se me permite, bem-vinda à Floresta das Sombras. E que falta de educação, hein, mocinha? Eu já me apresentei, disse o meu nome, e você aí, me encarando seriamente sem dizer nada. E se você for cúmplice do Malvin? — Emma retrucou, desconfiada.

— Quem é Marvin?

— Ora essa, 'quem é Marvin'... — repetiu em um tom zombeteiro — O Lobo que me persegue, é claro.

Éria sacudiu a cabeça, incrédula.

— Eu? Cúmplice de um Lobo? Ai, ai. Isso só pode ser um sonho.

Para provar a si mesma que estava certa, ela se beliscou com força. Mas, ao sentir a dor aguda percorrendo seu braço, soltou um grito de surpresa.

— Aaaaaaaaaaaiiiii! Isso não é um sonho... Estou mesmo conversando com um porco falante.

— Ei, eu ainda estou aqui, sabia? — ponderou a porquinha , com uma expressão aborrecida.

— Desculpe-me, seu... Sra. Emma. Eu sou Éria, e não faço ideia de como vim parar aqui.

Emma, ainda ofegante, sorriu de maneira um tanto forçada.

— Prazer em conhecê-la, Éria. Como eu já disse, você está na Floresta das Sombras, um lugar muito, muito distante. Ou... Tão Tão Distante. Tanto faz. Seja bem-vinda, embora... Talvez 'bem-vinda' não seja a melhor palavra para usar agora.

— Floresta das Sombras? Muito, muito distante? — Éria repetiu, sua voz carregada de fascinação e medo. — Que lugar é esse? Ouço os cantos dos pássaros, mas... há uma melodia estranha, quase sinistra no ar...

— Essa é a magia da Floresta das Sombras, — Emma explicou, sua voz agora grave. — Mas não se deixe enganar, menina. Há perigos aqui, muitos deles. Venha, precisamos sair daqui antes que o Lobo Mau nos encontre.

— O Lobo Mau? Quem é ele? E por que você tem tanto medo? — Éria quis saber, sua curiosidade misturada com uma crescente sensação de terror.

— Ele é o seu pior pesadelo — sussurrou Emma, seus olhos se arregalando em pânico — Você quer conhecê-lo? Melhor não. Não mesmo. Ele está me caçando há muito tempo, sabe. E se ele nos encontrar... Bem, será tarde demais.

Com o coração batendo rápido, Éria olhou ao redor, sentindo a escuridão da floresta fechando-se sobre as duas criaturas assustadas.

O perigo era real, e, para Éria, a magia que permeava aquele lugar era desconhecida e inédita. A garota jamais havia compreendido o significado de magia. Crescendo em meio à pobreza, nunca tevira a chance de ouvir as histórias encantadas que as outras crianças conheciam tão bem na cidade grande.

Enquanto outros mergulhavam nos contos de fadas, sereias, duendes e bruxas, Éria vivia em um mundo desprovido dessas fantasias. Gigantes e princesas eram criaturas desconhecidas para ela, assim como as narrativas criadas pela imaginação de qualquer outro.

Sua mãe, sempre sobrecarregada pelo trabalho na cozinha, passava o dia inteiro ocupada e, ao cair da noite, o cansaço a impedia de sequer desejar um "boa noite" à filha. Éria se acostumara a essa rotina solitária, crescendo sem conhecer as maravilhas e os mistérios que povoavam a infância de tantas outras crianças.

Em seu coração, havia um vazio, uma ausência daquilo que fazia o mundo parecer mágico e repleto de possibilidades, mas Éria, sem saber, carregava em si um potencial desconhecido, aguardando o momento certo para despertar.

O Faz de Conta e a Flor de LótusOnde histórias criam vida. Descubra agora