Capítulo 4

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Vó Naxa sempre disse-me que cada criatura é especial e singular, portadores de dons que habitam o mais íntimo de cada um. -Ninguém é totalmente humano, Kat -Dizia ela- apenas esquecemos que esses dons existem e então o lado humano fala mais alto.

Agora tudo faz sentido.

Estou sentada no sofá da sala, minha perna não para de balançar e esse frenesi me deixa ainda mais nervosa. Nunca tinha reparado quantos bibelôs vó Naxa colecionava, até agora contei umas vinte corujas, vários elefantinhos, uma bola de vidro e um casal de anões de gesso que pareciam olhar diretamente pra mim. O ambiente e a demora de minha avó pra voltar não estão ajudando a me acalmar. Ela está no sótão procurando um álbum velho da família e uma caixa pequena de madeira. Da minha árvore genealógica eu não sabia quase nada e ela me disse que era importante ter o álbum em mãos para ter a tal conversa comigo.

Quando ela retorna eu já estou sentada no chão, rodeada de almofadas estampadas, alisando meu gato e o casal de anões estão agora virados pra parede. Não gosto de ser observada. Retorno rapidamente para o sofá e trato de me sentar ao lado dela, que com toda delicadeza cruza as pernas. O álbum e a caixa estão cobertos por uma leve camada de poeira, nada que uma boa soprada não resolva. Ela folheia as páginas repletas de fotos em preto e branco até chegar em uma que eu arriscaria dizer ser a mais antiga. Nela mostra uma mulher vestida com trajes que aparentam ser do século XIX, ela não apresenta expressão em sua face, o que de alguma forma realça ainda mais a sua beleza, está usando um colar com um pingente em forma de olho, idêntico a tatuagem de minha vó. Então ela começa:

-Essa daí é a vó da sua tataravó, chamava-se Sófia Hadassa Salem. Foi uma mulher esplêndida que lutou por um ideal mas acabou sendo condenada e assassinada como muitas naquela época.

-E o que ela fez pra ser assassinada?-pergunto eu com um tom de indignação.

-Não se trata do que ela fez mas de que ela era... -Nesse momento vó Naxa fica pensativa. -Preciso que você tenha a mente aberta minha filha, eu compreendo tudo que você está passando e com certeza Sófia passou por isso também. Os sonhos que você tem, as coisas que você vê... -Neste momento eu a interrompo.

-Espera, eu ainda não te contei sobre isso, como você sabe? Minha mãe te ligou? Oras! Será que ela não tem outra coisa pra fazer?

-Não, não! Ninguém precisou me contar nada porquê eu também já passei por essa fase.

-Vó, que fase? Como assim você já passou por isso? -pergunto atordoada.

-Kat, preciso que você acredite em tudo que eu lhe disser, é para o seu próprio bem. -concedo com a cabeça- nós somos descendentes de uma linhagem de wiccas, não aquelas que você vê em filmes mas mulheres milenares e poderosas que possuem dons extraordinários e que por milhares de anos habitaram e habitam este plano em segredo...

Minha reação não foi das melhores. Primeiramente eu caí na gargalhada mas quando percebi que apenas eu estava rindo, vi que não se tratava de uma brincadeira. Logo em seguida eu entrei em estado de reprovação de identidade onde eu não sabia se aquilo era algo bom, ruim ou até mesmo real. -Como assim wiccas? Então eu sou uma aberração? Eu fui a culpada pela morte de Dominique? Vó, eu estou assustada.- disse logo antes de começar a chorar.

-Não meu anjo!! Não pense nisso agora, não se culpe, eu sei que é muito difícil pra você entender e até mesmo acreditar mas eu te explicarei tudo, assim como a minha avó me explicou e me ensinou. Nós não somos aberrações, somos apenas pessoas abençoadas pela natureza com dons que podem se expandir além do comum. Tente ficar calma e eu lhe contarei tudo que quiser saber.

Pra dar sequência à minha coleção de dias estranhos, começo a descobrir o real motivo da minha existência e este motivo me afasta ainda mais do mundo em que vivo. Descobrir quem eu sou tornou-se uma tarefa ainda mais difícil e aquele dia estranho em específico, mudou a minha vida completamente.

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