Capítulo 1

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Estava embaçado. Me vejo sentada em uma calçada qualquer, em um bairro qualquer, em um dia qualquer. Estou com o rosto entre as pernas e abraço-as com tanta força que sinto uma leve pontada nos joelhos. A chuva fina e gelada que caia sobre mim já não doía mais do que a horrível sensação de não entender o motivo de estar ali, ali não na calçada mas ali no mundo. Ouço alguém chamar pelo meu nome:

- Katarina...

Levanto a cabeça em direção a voz calma e suave, ela vinha de uma sombra enrolada num manto preto do outro lado da rua. Com os olhos semicerrados tento ver o que exatamente era aquilo que mais uma vez chamava pelo meu nome. Antes mesmo de eu tentar me levantar, sinto-me sugada e meu corpo estremece com a sensação.

Abro os olhos e me deparo com o telhado e o irritante barulho do despertador que tocava melancolicamente como quem está abusado de repetir a mesma tarefa diariamente.

Me chamo Katarina Vuldegart, nascida a 17 invernos atrás. Meus pais, Joana e Fred Vuldegart, ambos psicólogos falidos, achavam que um filho seria apenas mais um fardo à carregar e por isso diversas vezes no dia do meu nascimento pensaram em me abandonar.

No momento estou atrasada pro colégio.

Levanto depressa da cama e corro em direção ao banheiro pulando alguns obstáculos como o meu gato e minha jaqueta jogada no chão do quarto. Escovo os dentes, visto meu uniforme amarrotado e desço um lance de escadas até chegar a porta, meus pais ainda dormem no quarto ao lado do meu no andar de cima.

Chego na parada a tempo de meu ônibus passar. Droga! Esqueci o meu passe livre de estudante então conto desesperadamente as moedas que encontro na mochila até resultar no valor da passagem. Meu ônibus chega.

Passo pela mesma avenida todos os dias, vejo as mesmas coisas, as mesmas pessoas dentro e fora do ônibus, a cidade é pequena e não ia demorar pra chegar na escola. Nesse longo intervalo de 10 minutos entre meu quarto e o ônibus eu ainda não parei pra pensar no sonho que tive, acho que agora é um bom momento.

Coloco meu fone e encosto minha cabeça na janela do ônibus e fico olhando fixamente para as árvores do outro lado da estrada, a impressão que tenho é que elas que estão se movendo e não o veículo. De repente vejo a mesma figura sombria do sonho entre uma das árvores, aquilo me paralisa de medo, não sei se foi realidade ou apenas devaneios de meus pensamentos.

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