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O homem abre os olhos e se sente confuso. Não consegue se lembrar das últimas coisas que lhe ocorreram. Está deitado num chão empoeirado, coberto de pequenas pedras, algumas delas até lhe incomodam um pouco nas costas. Sua cabeça dói. Ele levanta o braço direito, analisa a própria mão estendida diante de seus olhos e se sente um pouco estranho, passa a mão sobre a nuca dolorida mas não sente nada de anormal. Não existe nenhuma umidade, nenhum irregularidade. Nada. Lentamente, ele apoia o peso do corpo sobre os cotovelos e começa a se erguer.

O homem está sentado. Olha ao redor e tudo que pode ver é desolação. Uma névoa envolve tudo, mas curiosamente aquela névoa não toca o chão. Para os lados a visibilidade é um pouco melhor, mesmo assim, não é possível enxergar muito longe. A névoa fica mais densa para cima, não é possível ver o céu, apenas um pálido disco brilhante. A luz do sol é em sua maior parte retida por aquela névoa. A superfície ao seu redor está mergulhada numa penumbra quase sombria. Ele não sente frio. Também não sente calor. 

O homem levanta e começa a caminhar devagar. Não sabe para onde ir, apenas caminha. As pernas estão um pouco doloridas e a calça que veste tem manchas de sangue. Ele se detém por um instante, se curva e passa as mãos sobre as manchas. Aquele sangue não parece ser seu, já que ele não sente nenhum ferimento. O sangue está apenas lá. Uma mancha seca. Ele volta a caminhar.

Um vulto aparece ao longe. Ele aperta os olhos para tentar ver melhor e acelera o passo, porém quanto mais ele se move, mais distante o vulto fica. Olhando fixamente para a frente é possível ver algo se movendo. 

Cabelos. 

Cabelos longos. 

É uma mulher! 

Ele corre o mais rápido que pode na ânsia de tentar alcançar aquela figura que se distancia cada vez mais, até que num dado momento aquela imagem some no limite na névoa. Ele para de correr. Não se sente cansado. Apenas acha que não faz sentido correr em direção a algo que ele não pode ver. Subitamente uma mão repousa sobre seu ombro esquerdo, o homem sente seu coração pular dentro do peito e se vira rapidamente para trás. Uma claridade imensa o envolve e ele começa a ver cenas de um dia comum em sua vida. As lembranças começam a lhe aparecer como num filme, passando diante de seus olhos. 

Ele acordou de manhã em um quarto que ele reconhece ser seu. Tomou café e enquanto estava à mesa se lembrou quem era seu pai. Subiu para o quarto, trocou de roupa e pegou carona para a escola. Ao descer do carro, porém, ao invés de entrar no colégio, atravessou a rua e saiu caminhando. Caminhou durante bastante tempo até chegar a uma casa de dois andares. Não se lembrava que casa era aquela, mas mesmo assim viu que sabia como abrir aquela porta, já tinha visto alguém fazer aquilo. Tinha visto tantas vezes que acabara aprendendo. Ele entra na casa e sobe o primeiro lance de escadas. Uma corrente de ar abre a porta da frente, que não havia sido fechada direito quando ele passou por ela. Ele ouve o leve clique da porta sendo aberta, mas ignora e sobe a segunda escada que leva para o terraço.

As lembranças ficam confusas. Ele vê um objeto cilíndrico dourado e tenta carregar, porém seu peso está além do que ele pode suportar. Seu corpo cambaleia para trás e seu calcanhar toca no batente que indica o fim do terraço. 

Desequilíbrio. 

Um frio lhe sobe pela espinha e a sensação de vazio toma seu corpo. Está caindo. O desespero o toma completamente. Ele olha para cima e vê uma mulher com os braços estendidos gritando por seu nome. Ele sente o impacto do chão em suas costas. Bate a cabeça com violência e recebe, quase que instantaneamente, o imenso impacto sobre o peito daquele objeto cilíndrico. Novamente ele vê um clarão intenso e volta para si.

O homem abre os olhos e se sente confuso, se ajoelha ao chão e chora compulsivamente. Ele consegue se lembrar das coisas que lhe ocorreram e agora sabe quem ele é.

Kevin.


OccultusOnde histórias criam vida. Descubra agora