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Alice levanta a cabeça do volante e olha ao redor. Felizmente ninguém estava lá para vê-la chorar. Ela enxuga as lágrimas na manga da camisa, confere as horas no painel do carro e acelera. Muita coisa passa por sua cabeça durante o trajeto para casa. Uma chuva fina começa a cair e desenhar pequenos traços no para-brisa. O asfalto fica brilhante. As cores das lanternas dos outros carros e dos letreiros nas vitrines refletem no chão molhado, criando um balé de luzes que a deixa momentaneamente numa espécie de transe. Ela volta a si abruptamente com o barulho da buzina do carro de trás. O semáforo já estava verde há tempos.

Ela para diante do prédio onde mora, mas não sai do carro, fica tentando entender o que acabou de acontecer. Joseph parecia tão duro, realmente não era a mesma pessoa quem ela beijou há tantos anos naquela colina ao pôr do sol. O que o tempo teria feito para ele? A perda de Kevin teve um peso maior para ele? Ela não sabia. Só sabia que perder um amigo tão cedo em sua juventude a fez passar a ver a vida de uma forma diferente desde muito cedo. Seu telefone vibra novamente em sua bolsa. Dessa vez é seu tio lhe ligando. Ela respira fundo e atende.

- Oi, tio.

- Oi, meu amor. Está tudo bem com você?

- Está sim! Estou feliz que tenha ligado!

- Ei, mocinha. A gente não se vê há bastante tempo, mas eu ainda conheço você muito bem. Não quer me contar algo?

- Não, tio, sério mesmo. Está tudo bem.

- Tudo bem que não queira dizer, eu respeito isso, mas eu tive um pressentimento aqui e quero que você saiba que apesar de estar bem crescida agora e morando longe, eu ainda estou do seu lado. Se precisar de mim, eu largo tudo e pego um avião na hora!

Alice começa a chorar e por isso fica em silêncio.

- Alô? Você está aí? - pergunta o tio.

- Tô – responde ela com a voz meio embargada.

- Eu sabia que tinha alguma coisa acontecendo. Quer falar sobre isso?

- Não, tio. Eu prefiro não falar. Eu estou bem. Fisicamente bem e saudável. Não se preocupe, tá?

- Você está em casa?

- Estou estacionada na porta. Ia sair do carro quando você me ligou.

- Tudo bem. Eu te ligo mais tarde. Meu coração está aí com você, ok?

- Obrigada, tio. Obrigada mesmo – diz ela desligando o telefone.

Seu apartamento andava meio bagunçado ultimamente. Alice é meio workaholic e seu envolvimento com a missão Occultus estava fazendo com que passasse muito mais tempo no trabalho do que em casa. Na verdade ela só passava em casa mesmo para dormir e naquele dia não seria diferente. Apesar do comportamento tempestivo e das coisas que falou para Joseph, ela sabia que não poderia simplesmente deixar a equipe. Muitos dos processos dependiam exclusivamente dela. Sua saída fatalmente culminaria no encerramento definitivo da missão, além de deixar uma mancha em sua carreira como engenheira.

Alice joga sua bolsa sobre o sofá, tira os sapatos de qualquer maneira e vai até a geladeira pegar um copo de suco de laranja, seu favorito. Volta para a sala, senta-se no sofá, toma um gole generoso do suco, encosta o copo gelado na testa e fecha os olhos dando um longo suspiro. Um filme começa a passar em sua cabeça. O filme do dia em que ela reencontrou Joseph.

*****

- Então, como podem perceber através da demonstração destes modelos, a Lei da Gravitação Universal de Laurel Wharton funciona muito bem para prever a trajetória de corpos no planeta Grindan e em outros sistemas de interação com apenas dois corpos. Para sistemas com mais corpos, como nosso sistema planetário, ela não funciona bem com intervalos de tempo maiores, como em milhares de anos. Para estes intervalos de tempo, vai-se acumulando erro após erro, que se propaga até o resultado final, causando um desvio absurdo. Até hoje, não se descobriu como corrigir esta falha, mas eu tenho uma teoria e gostaria de demonstrá-la agora – diz Joseph se virando para o quadro luminoso atrás de si.

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