3.

140 1 0
                                    

Se você visse a aldeia saxã à distância e a certa altura, ela teria lhe parecido mais familiar como “aldeia” do que o abrigo de Axl e Beatrice. Por uma razão: não havia nenhuma escavação colina adentro, talvez porque os saxões tivessem um senso mais aguçado de claustrofobia. Se estivesse descendo a encosta íngreme do vale, como Axl e Beatrice estavam fazendo naquele fim de tarde, você veria lá embaixo cerca de quarenta casas independentes, dispostas no fundo do vale em dois círculos irregulares, um dentro do outro. Talvez estivesse longe demais para notar as variações de tamanho e de luxo entre elas, mas teria visto os telhados de colmo e percebido que muitas delas eram casas redondas não muito diferentes do tipo de casa em que alguns de vocês, ou talvez seus pais, cresceram. E se sacrificavam de bom grado um pouco de segurança em troca dos benefícios do ar livre, os saxões tinham o cuidado de compensar isso: uma cerca alta, feita de mastros de madeira amarrados uns aos outros e pontiagudos como lápis gigantes, circundava a aldeia inteira. Em qualquer ponto, a cerca tinha pelo menos o dobro da altura de um homem e, para tornar a ideia de escalá-la ainda menos tentadora, um fosso profundo acompanhava todo o contorno da cerca pelo lado de fora.

Essa seria a imagem que Axl e Beatrice veriam logo abaixo quando pararam para recuperar o fôlego, enquanto desciam a encosta. O sol agora estava se pondo sobre o vale, e Beatrice, que enxergava melhor, estava mais uma vez se inclinando para a frente, um ou dois passos adiante de Axl, o capim e os dentes-de-leão ao seu redor batendo em sua cintura.

“Eu estou vendo quatro, não, cinco homens guardando o portão”, ela disse. “E acho que eles estão armados com lanças. Quando estive aqui pela última vez com as mulheres, era só um guarda com um par de cães.”

“Você tem certeza de que vamos ser bem recebidos aqui, princesa?”

“Não se preocupe, Axl, a essa altura eles já me conhecem muito bem. Além do mais, um dos anciãos deles é um bretão que é considerado por todos um líder sábio, apesar de não ser do mesmo sangue que os demais. Ele vai providenciar um abrigo seguro para passarmos a noite. Mesmo assim, Axl, acho que aconteceu alguma coisa e estou aflita. Agora chegou mais um homem com uma lança e veio trazendo um bando de cães ferozes.”

“Quem entende o que se passa na cabeça dos saxões?”, disse Axl. “Talvez seja melhor procurarmos abrigo em outro lugar esta noite.”

“Já, já vai escurecer, Axl, e aquelas lanças não são por nossa causa. Além disso, há uma mulher lá que eu gostaria de visitar, uma mulher que entende mais de remédios que qualquer pessoa de nossa aldeia.”

Axl ficou esperando que Beatrice dissesse mais alguma coisa. Como ela continuou calada, perscrutando o que acontecia ao longe, ele perguntou: “E por que você precisaria de remédios, princesa?”.

“É um pequeno desconforto que eu sinto de vez em quando. Essa mulher pode conhecer alguma substância que alivie isso.”

“Que tipo de desconforto? Onde é que você sente esse incômodo?”

“Não é nada, não. Só lembrei disso porque vamos precisar procurar abrigo aqui de qualquer forma.”

“Mas onde é, princesa? Essa dor?”

“Ah...” Sem se virar para Axl, ela pôs uma das mãos na lateral do corpo, logo abaixo das costelas, e depois riu. “Não é nada de mais, não. Hoje você viu que isso não diminuiu o ritmo da minha caminhada até aqui.”

“Não diminuiu mesmo. Eu é que precisei ficar implorando para nós pararmos para descansar.”

“É o que estou dizendo, Axl. Então não é nada que seja motivo de preocupação.”

O Gigante EnterradoOnde histórias criam vida. Descubra agora