Através da janela do carro observei o céu dançando com o seu alaranjado manchado de cinza. Meu coração silenciava ao olhar cada densa nuvem passar de fininho, enquanto minha mente gritava estridente pedindo para que elas parassem, puxassem-me e me fizessem voar para longe.
Muito ocupados com seus próprios pensamentos, os outros iam buscando em cada avenida pequenas maravilhas em um lugar onde apenas se via escuridão. Escuridão nos bairros centrais, nas mais belas casas, em todos os lugares, pensei. Eles não enxergavam o quão longe estavam indo. Estavam saboreando lentamente a morbidez nos olhares de cada morador.
Devagar... Bem devagar...
Silêncio.
É uma bela cidade, por fim sussurraram. Mas como algo pode ser belo quando se está envolto em sombras?
Cerrei os olhos. Naquele momento desejei ter em minhas mãos uma luz, por menor que fosse, para me guiar no trajeto de volta pra casa. Eu queria a claridade, o calor.
Más escolhas tornam a vida um circo macabro.
Suspirei, abri meus olhos marejados e forcei um sorriso ao avistar a casa que tanto meu pai nos falara. Vi a estrutura de madeira rígida se erguendo enquanto me aproximava cada vez mais. Não poderia negar que sua beleza estava de acordo com cada relato. Era tão imensa quanto rica em detalhes.
Na entrada havia um belo jardim, repleto de flores de diferentes formas, tamanhos e cores. As inúmeras roseiras emanavam odores perfumados, que acalmavam o espírito conturbado de quem passasse por ali. Exceto o meu. Havia também uma enorme varanda na parte frontal, tão grande que poderíamos pôr nela toda a família Mason, desde netos a bisavós. Janelas majestosas, elas estavam por todas as partes. Isso, de alguma forma, aliviava um pouco a dor aguda que o vazio me trouxera desde o primeiro dia daquele mês.
Contudo, não importava quão lindas fossem as coisas e as histórias que carregavam consigo, nada me fazia sorrir com sinceridade, com a alma. Nada. Parecia-me que tudo não tinha mais valor ou sentido, pois apenas enxergava o pior e, deixe-me dizer, não há nada tão frustrante quanto viver esperando apenas desilusões, desastres e infelicidade.
Pessoas preocupadas com batalhas futuras que provavelmente não existirão, nunca encontram a felicidade. Elas estão carregadas de medo e negam-se a viver intensamente o hoje, o agora.
Ao atravessar a porta, tropecei em algo e cai. Uma dor aguda espalhou-se por minha perna direita repentinamente, o que me obrigou a sentar no chão frio.
Fiquei alguns minutos ali esperando a dor diminuir, quando senti alguém segurar-me pelo braço esquerdo.
- Scarllet, querida, não deveria andar prestando um pouco mais de atenção? Você não é mais uma criança para ficar se jogando ao chão - Ashley disse com uma ponta de sarcasmo em sua voz enquanto abaixava-se para fixar seu olhar no meu - Aprenda a andar direito, garota.
- Solte-me - respondi calmamente, tirando sua mão do meu braço.
Se passar por uma mudança era algo terrivelmente ruim, passar por uma mudança com Ashley Weinstein era muito pior. Ela era a nova esposa de meu pai.
Em qualquer lugar haverá alguém que, um dia, tentaremos matar.
Matar Ashley estava como uma das minhas muitas prioridades.
***
Já era noite. As coisas estavam se saindo muito bem para o restante da família, pois cada um motivava-se a arrumar seu próprio cômodo de maneira que tudo ficasse impecável. No entanto, diferentemente dos outros, eu insistia em passar horas e horas dentro do quarto, apodrecendo em meio a um universo de caixas.
Estou presa...
Já tarde, resolvi que deveria tentar algo novo para me distrair. Então, lembrei-me da grande janela.
Sai do quarto a passos lentos e calmos, carregando um edredom. Andei por um largo corredor tentando encontrá-la e quando finalmente a vi, uma sensação de liberdade encheu-me por completo.
Em poucos instantes eu estava deitada sobre o telhado, observando uma vasta extensão de negro: o céu. Não havia estrelas, não havia lua. Via-se apenas a escuridão.
Em meu céu havia estrelas. Em meu céu havia a luz da lua.
De repente, uma lágrima verteu. Duas... Milhares...
Como em uma sincronia perfeita, em sinal de compreensão e dor, o céu soltou um grunhido desesperado e gotas frias caíram sobre mim. A chuva.
O céu agora estava em prantos, assim como eu.
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Canções de Inverno
Fiksi RemajaDurante uma memorável madrugada, em uma região tão decrépita quanto fria, ela compôs sua primeira ode, deixando para trás quem realmente era; esculpiu no papel palavras e mais palavras. O inverno amaldiçoou-a. Restaram-lhe apenas medíocres canções.