Sonhos 1/2

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Você já realmente quis algo que parecia impossível?


Tenho 72 anos e acredite, Zé, ainda tenho alguns sonhos na bagagem.

Sonhos estes, que muitos consideram insanos, imprudentes para um velho como eu. Mas olhe pelo meu lado da história, amigo, eu não tenho mais nada a perder.

Hoje conheci uma garota. Eu estava no ônibus, perto do contorno norte, à caminho do meu grupo de apoio das quintas¹, quando uma mulher jovem, de uns 28 anos, acredito eu, entrou e se sentou ao meu lado.

Ela usava um sapato de salto, pequeno demais para seus pés — ás vezes me divirto imaginando as mulheres como aquelas pessoas do circo que ficam se equilibrando sobre pernas de pau para chamar atenção do público —, ela também usava jeans preto, uma camisa de botão cinza e, o que mais me chamou a atenção, um lenço de um vermelho vívido, um único ponto de cor que harmonisava com todo o neutro de sua vestimenta. Sem dúvida era muito elegante, mas sua beleza não me encantou, ela tinha um rosto muito comum.

— Ninguém merece esse tempo, não é? — disse ela e sorriu gentilmente. Começava a engrossar as gotículas de garoa na janela do ônibus, tapando minha visão.

— Todos tem o direito de entristecer-se, inclusive o tempo. — respondi, quase que automaticamente.

Ela baixou os olhos e avistou meus braços, meus punhos, marcados pelo tempo, por mim...

— Meu nome é Luce. E você é...? — perguntou, hesitante.

— Cartter.

— Cartter... nome de escritor... poeta. Acertei?

Eu ri. Tudo bem, vai... estava começando a ver que ela realmente era interessante.

— Eu não diria tanto. — respondi.

— Qual seu sonho, Sr. Cartter?

— Sonho? —  olhei-a, confuso. Ela me olhava com expectativa. — Sou velho de mais para sonhar, garota.

— Para que uma coisa se torne real, você só precisa acreditar nela. — ela piscou com o olho direito — Chegou meu ponto. Até breve, Cartter.

Avistei ela partir, minha mais nova pessoa preferida no mundo.

¹Participo de muitos grupos de auto-ajuda, mesmo meus cinco últimos psicanalistas dizendo não ser necessário. Eu tenho problemas e, posso até ser uma pessoa ruim por isso, mas ouvir o problema dos outros torna os meus um pouco mais suportáveis.

Relatos de Uma Mente ConfusaOnde histórias criam vida. Descubra agora