-Deve ser fácil, não é? Responsabilizar Deus por tudo. Outro dia vi uma mulher dizer: precisamos orar para que a água não acabe. Claro, Deus vai mesmo fazer água brotar do nada para que você continue lavando seu carro ou tomando horas de banho.
- Sim, verdade, e é bem capaz de que, se a água não vier, as pessoas digam que é castigo divino. Que é uma provação.
- Exatamente. Temos certo vício em atribuir bens e males para Deus. Imagino o quanto os ombros da entidade não devem pesar de tanta responsabilidade.
Riram, mas Beto ria com nervosismo. Era sua profissão resgatar pessoas, entrar em prédios tomados por chamas e até subir em árvores para resgatar um gato se fosse necessário. Mas estava na situação que considerava a mais arriscada de todas: convencer um suicida a não pular de uma ponte. Tinha que levar a pessoa no papo, e torcer para que não fosse corajosa o suficiente.
Um segundo separava o sucesso do fracasso.
Poderia estar salvando vidas que precisavam dele, mas ali estava, em prol de quem não queria ser salvo. Quão injusto era aquilo?
- Por que quer pular, Ruan?
- Vê? O mal da humanidade é querer arranjar razão para tudo. E se não houver razão para pular? E se eu só estiver cansado dessa merda toda? Eu não me adaptei ao mundo. Não fui feito pra essa luta diária.
O infeliz chorava, pois obviamente não queria morrer. Eles nunca querem. É só um misto de chamar atenção com desespero. Quem quer morrer mesmo, morre sem alarde, à surdina, sem plateia. Muitos que querem morrer estão morrendo nesse exato momento.
Beto aproveitou uma deixa e agarrou Ruan com toda sua força, puxando-o para dentro do parapeito. Ele ouviu as vozes atrás de si, na ponte, dando graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus. Não era graças a ele? Não sabia que havia sido divinizado de uma hora para a outra.
Como um servo rastejante, o suicida agradeceu, quase de joelhos. Então era assim que Deus se sentia...
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Pequenas grandes histórias
Short StoryCausos cotidianos sempre me fascinaram. Pessoas vivendo suas vidas e fazendo a diferença em pequenos atos. Uma escolha que pode redirecionar os rumos da história. O que seria do mundo se não fossem as pequenas grandes histórias?! Essa coletânea é so...