O café

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Apressadamente, Lúcio adentrou o café Augustos, que servia o melhor daquela cidadezinha esquecida por Deus e o Diabo naquele fim de mundo. Olhou para as duas outras pessoas no interior do café, o bartender de uns dezoito anos e o gerente, de sessenta e cinco. Estavam sentados diante da televisão, sem ter lugar melhor para estarem naquele momento.

Lúcio evitou olhar para o aparelho, e pediu o de sempre ao jovem, que bufou antes de se levantar para preparar o café. Lúcio pediu que se apressasse, ou não daria tempo. Ele limpou o suor da testa com a manga da camisa engravatada e depositou a pasta sobre a mesa.

— Indo trabalhar? A negação é uma benção, mesmo, não é? – O velho gerente gargalhou com gosto, os olhos borrados de lágrimas.

— Disse o homem que trás seu filho para servir cafés num dia como esses. – Lúcio revidou com um sorriso torto.

Ele voltou os olhos para a televisão e recebeu a notícia que não queria.

"Atenção, senhores, a Peste Negra se alastrou para o leste, contrariando as previsões dos cientistas. Lembrem-se, qualquer contato com a poeira mata instantaneamente e torna as pessoas mortos-andantes. Abriguem-se onde puderem, e que Deus tenha piedade de nós."

O café foi depositado no galpão. Lúcio sacudiu o líquido no interior da xícara, sentindo o cheiro refrescante. A madeira dos pilares que sustentavam as telhas tremeu e os tijolos saltaram das paredes. Que lástima, sempre gostou da decoração retrô do café.

Lúcio olhou para a janela, e viu a nuvem vermelha levantar-se implacável alguns quilômetros atrás da vizinhança mais próxima. Que Deus tenha piedade de nós, ele repetiu, e bebeu seu café, peculiarmente mais saboroso, até o último gole... 


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