Srta. Griebel
Fui acordada, pela voz histérica da minha mãe gritando meu nome.
Conforme o sono foi se dissipando, percebi que os pequenos fones de ouvidos ainda estavam, perfeitamente, encaixados em minhas orelhas. Enquanto uma música romântica, bem deprimente, tocava as alturas. Porém, não alta o suficiente, para impedir meus ouvidos de captar a voz da Senhora Griebel.
Embora o relógio na parede, e os raios de sol que entravam, discretamente, pela janela, denunciassem o quão tarde estava, meus olhos gritavam para que eu os mantivesse fechados.
- Demétria! Acorda garota! Tem visita pra você - berrou minha mãe, novamente.
- Já vou mãe - respondi, tirando os fones.
Relutante, eu me levantei.
Eu não era de acordar tarde, gostava de ver o nascer do sol, mas eu havia passado boa parte da madrugada, com o nariz enterrado em alguns livros, em busca de um universo fictício para fugir da minha realidade. Só depois, quando meus olhos apresentaram bandeira branca, que coloquei os fones de ouvido para escutar qualquer música melancólica da minha playlist. Reconheci, que precisava chorar. Desabafar. E acabei dormindo, com fones de ouvido e tudo. Não estava nos meus melhores dias.
Enquanto escovava os dentes, meus dedos deslizavam pela tela do meu celular.
Havia uma janelinha pop up, com notificações:
Nove mensagens.
Sete chamadas perdidas.
Todas do mesmo contato: Ian.
Se fosse a alguns dias atrás, eu o responderia com minhas mensagens clichês cheias de carinhas felizes, e coraçoezinhos.
Mas não agora. Não depois da cena que eu tinha visto. Ainda não entendia como ele conseguia me mandar mensagem depois do que havia feito. Que cara de pau.
" Oi amor "
" Por que não atende as minhas ligações ?"
"Aconteceu alguma coisa ?"
" Tô preocupado "
Revirei os olhos ao ler.
Resolvi não me dar ao trabalho de perder meu tempo lendo aquelas mensagens falsas. Enxaguei minha boca e retornei ao meu quarto.
Depois de me arrumar desci a escada até o andar de baixo. Caitlin estava sentada no sofá.
- Oi. - disse - Desculpe pela demora, estava me arrumando.
Ela sorriu.
- Pronta? - indagou, com um sorrisão de orelha a orelha.
- Pronta para o quê? - perguntei, confusa.
O que quer que fosse, meu cérebro, havia deletado sem o menor esforço.
- Ah não - disse desapontada - Como pode esquecer? Demi, hoje é sábado: dia de irmos ao shopping, poxa já é tradição.
É, isso era verdade, quase todos os sábados iamos ao shopping. Éramos compulsivas quando o assunto era fazer compras. Principalmente a srta. Caitlin.
- Sinceramente não estou nem um pouco a fim de sair de casa hoje - falei.
- O que aconteceu? - perguntou ela, me olhando.
Ponderei.
Eu ainda não havia contado pra ninguém o que eu havia visto. Nem para minha mãe, nem para Caitlin, nem mesmo para Ian. Não estava a fim de ouvir suas desculpas esfarrapadas.
- Deixa pra lá. - repliquei, por fim.
- Bom você sabe melhor do que ninguém que fazer compras eleva a autoestima de qualquer um. Desencana Demi.
- Talvez, mas hoje só quero ficar em casa, lendo algum livro.
- Demi, não estou falando de qualquer coisa, estou falando de fazer compras, Hello!
- Isso é consumismo alienado, sabia?
Caitlin deu de ombros.
Ela ficou em silêncio, com os olhos cravados nos meus, como se dissesse: " por favor não me decepcione", com as palmas das mãos juntas, implorando.
Eu poderia arranjar bons contra-argumentos para faze-la mudar de idéia, mas não o fiz. Caitlin sabia me convencer como ninguém, e eu odiava isso.
Logo estávamos dentro da sua saveiro amarela.
Ela dirigia, intercalando seus sorrisos com sua tagarelice incansável. Ah, como ela falava. De certa forma era bom, pelo menos fazia eu esquecer dos meus problemas.
Mas, era visível que eu não estava bem. Só observava ela falar, dava sorrisos forçados, e vez ou outra murmurava respostas curtas e voltava a olhar pela janela da saveiro.
- O que você tem? - Seus olhos azuis me encararam.
Meus devaneios foram interrompidos.
- Quase não falou nada desde que saímos - continuou.
- Nada.
- Nada? Demi somos amigas a anos, lembra? Te conheço como a palma da minha mão, sabia?"
- É, sabia - respondi secamente.
Ela prosseguiu, fingindo não notar o tom seco da minha voz:
- Então me diz o que tá rolando.
Eu a encarei, por alguns segundos, antes que ela virasse o rosto para o para-brisa de novo:
- Não tá rolando nada Caitlin, tá bom?! Ti disse que não estava a fim de ir na droga desse shopping hoje, mais você não quis me ouvir! - berrei.
Só depois de falar, percebi o quão alterada minha voz havia ficado. Passei a mão pelo cabelo, e respirei fundo.Eu havia explodido.
Caitlin me olhou pelo que pareceram horas. Talvez tentando descobrir o por que dessa minha reação, e voltou sua atenção para a estrada, sem dizer uma palavra sequer.
- Me desculpa - disse a olhando. Seu semblante estava sério. - Caitlin me desculpa - repeti, me sentindo uma tremenda idiota, por ter gritado com ela. Mas o meu momento de arrogância, tinha motivos.
- Okay, já entendi que você não quer tocar no assunto.
dessa vez ela não me olhou, apenas continuou concentrada na pista.
Depois de alguns minutos de silêncio, eu me pronunciei:
- Ian. - revelei.
Tudo ficou quieto novamente.
ela, enfim, me fitou.
- Vocês brigaram?
- Eu o peguei aos beijos com outra garota - falei.
Virei meu rosto para a janela, e fechei meus olhos, com força, a fim de evitar que as lágrimas vinhessem a cair. Mas, não adiantou. Rapidamente levei a mão até meu rosto e as enxuguei.
Caitlin percebeu.
- Demi, não fica assim, tá? - ela passou a mão pelo cabelo volumoso, com cachos bem cuidados. - Sério, ele nunca te mereceu mesmo. Tá cheio de garotos lindos por aí, que sabem como tratar uma dama - ela esboçou um sorriso.
E eu a retribuí, em meio as lágrimas que eu tentava impedir, mas que mesmo assim vinham molhar meu rosto. Senti o gosto salgado em meus lábios.
- Olha, vamos comprar as roupas mais lindas que essa cidade já viu para você arrasar na escola, e mostrar ao babaca do Ian o que foi que ele perdeu.
Eu não disse nada, apenas balançei a cabeça, em concordância. Não queria voltar a chorar na frente de Caitlin, e o melhor jeito disso não acontecer seria não tocando no assunto.
Voltei a olhar para a janela, e meus olhos logo perceberam a silhueta de um garoto correndo pela calçada a alguns metros na nossa frente, e logo atrás dele vinha um rapaz uniformizado gritando alguma coisa inaudível.
Certamente um ladrãozinho. Ultimamente a cidade estava cheia desse tipo de gente.
Meu celular começou a vibrar. Desviei meu olhar para o telefone.
Ian estava me ligando.
Eu deslizei meu dedo sobre o "encerrar", desliguei o aparelho e voltei a olhar pela janela, como se nada tivesse acontecido.
- Era ele? - perguntou Caitlin quebrando o clima desconfortável de silêncio que havia se formado na saveiro.
Assenti, balançando a cabeça positivamente. Ela me encarava.
- Voce tem quê... - Caitlin não terminou a frase.
Quando olhei para o para-brisa de soslaio, vi apenas uma silhueta vindo ao nosso encontro.
- Caitlin! - gritei
Caitlin seguiu o meu olhar e freiou de rompante. Com o solavanco da freiada fui jogada para frente.
Por sorte o sinto me segurou, e me protegeu de um possível acidente.
Olhei para o para-brisa, em direção a silhueta, ofegante.
Um rapaz alto de cabelos pretos até a altura dos ombros, nos olhava, com os olhos arregalados. As mãos levantadas na defensiva, com as palmas das mãos viradas para o carro, como se dissessem "para". Em uma das mãos havia uma sacola branca.
Seu peito subia e descia abruptamente. Parecia cansado, estava visivelmente ofegante. Foi então que me dei conta, de que era o garoto que eu havia visto correndo, alguns minutos atrás.
Impacientes, os motoristas disparavam buzinas atrás de buzinas.
- Eii!!! Olha por onde anda, idiota! - berrou Caitlin irritada, chacoalhando o braço para fora da saveiro, feito uma louca.
- Me desculpe - ouvi o rapaz dizer, com a voz trêmula e baixa a ponto de ser incompreensível, se não fosse pela leitura dos lábios que realizei.
Seus olhos foram de Caitlin até mim. De mim até Caitlin.
" Volte aqui garoto!" Alguém gritava. Ele virou o rosto na direção da voz, o rapaz uniformizado se aproximava, furioso. " polícia!" Berrava ele.
O garoto que Caitlin quase atropelou saiu correndo, e desapareceu no meio das pessoas que iam na direção oposta.
Meu coração ainda estava acelerado. Respirei fundo, tentando me acalmar do susto.
- Foi por pouco. - comentei.
- Garoto idiota! Quem ele pensa que é? - bufou Caitlin, ainda irritada.
Alguns motorista persistiam na buzinas.
- Já vai, droga! Já vai!
Ela tirou o carro do ponto-morto e seguimos em frente.
Caitlin passou o percurso todo reclamando da falta de segurança da cidade. As situações do trânsito a deixavam irritadíssima.
- Até que ele era bonitinho. - disse ela, de repente, com um sorriso bobo no rosto.
- Quem? - perguntei.
- O ladrãozinho. - afirmou.
- Você nem viu o rosto dele direito, estava irritada demais para tal façanha. - retruquei.
- Iludida. - ela riu - você não me conhece Demétria. Não me conhece.
Não consegui segurar a risada.
A parte boa dessa história toda era que eu estava conseguindo desligar meus pensamentos de Ian, e isso era extremamente bom.
Depois de mais alguns minutos, chegamos ao shopping.
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Sons e Silêncios
RandomO retrato mais bem detalhado de Nicolas andriolli, compreende uma unica palavrinha: depressão. Dia apos dia ele luta contra certas lembranças de seu passado, lembranças estas que lhe obrigaram a abandonar o seu violão a poeira. Demetria é apenas u...