Sr. Andriolli
Naquela mesma noite eu iniciei a leitura do livro que Demétria havia me emprestado. Não demorei para devolve-lo. Era um livro curto, com poucas páginas e o devorei em algumas horas. Ela estava certa: Os livros eram um refúgio seguro para onde poderiamos fugir e nos esquecer dos nossos problemas.
Pela primeira vez na vida, eu consigui desligar pelos menos por alguns minutos, meus pensamentos das lembranças que tanto me maltratavam. E eu a agradeci por isso. Esse foi um dos motivos pelo qual não neguei minha companhia a ela, nos dias que se seguiram, além é claro de a cidade a noite ser bem traiçoeira para uma jovem garota perambular sozinha pelas ruas.
Assim que amanheceu, eu pulei da cama pronto para ir ao trabalho.
E sem querer meus olhos encontraram, mais uma vez, o violão, na velha case preta coberta por uma camada de poeira, que estava encostada na parede em um cantinho escuro e esquecido do meu quarto, próximo ao meu guarda-roupa. Meus olhos marejaram. Mas ignorei aquela sensação que me corroia por dentro.
Assim como os livros eram o porto seguro de Demétria; A música era o meu refúgio.
Mas agora, eu não conseguia executa - lá. Não conseguia mais usar do bálsamo que um dia curou as minhas mágoas.
Quando finalmente desci, Natan estava sentado no chão da sala brincando com o carrinho, que eu o havia dado de presente. Não era o mais bonito, nem o mais caro, mas era o suficiente para faze-lo sorrir.
Eu estava decidido em cessar a minha dívida na farmácia onde havia comprado o remédio para meu irmão.
Sai de casa e uma brisa fresca e gélida, logo beijou meu rosto.
Quando cheguei no estabelecimento parei do lado de fora e me preparei mentalmente antes de entrar. É claro, que passou pela minha cabeça, a ideia de apenas deixar o dinheiro ali sem ser visto. Todavia não era cem porcento seguro, por dois motivos principais: Primeiro, como o rapaz da farmácia teria certeza que aquilo realmente provinha de mim? E segundo, se ele não anexasse tudo aquilo a mim, tudo seria em vão e para ele eu ainda continuaria devendo.
Dei uma longa inspirada, até meu pulmão dizer chega e adentrei.
Logo meus olhos notaram o rapaz, atrás do balcão, mexendo no computador da loja, atentendendo a um senhor de idade, já com os cabelos branquinhos como a neve, e pele enrugada. Assim que ele percebeu que havia chegado algum outro cliente (no caso, eu) levantou seus olhos e nossos olhares se encontraram.
- Você?
Ele saltou de trás do balcão e veio em minha direção, me encurralando contra uma das parede onde não havia prateleiras de remédios e produtos, meu dorso se chocou contra o concreto.
Foi tudo tão rápido: Em uma hora eu estava parado olhando para ele; Em outra, seu antebraço era pressionado contra meu pescoço. Seu rosto restava a milímetros do meu.
- Finalmente, pude por as mãos em você. .. seu ladrãozinho de meia tigela.
A raiva e o desdém que exalava de sua voz era intensa, e o medo e a confusão no semblante do senhor que estava na loja eram visível.
- Dessa vez você não me escapa, seu desgraçado. - ele olhou para o cliente: - Chame a polícia.
Mas o senhor não se mexeu, confuso.
Meu coração estava acelerado, e um frio na barriga havia se instalado.
- Calma - eu disse. - Você não está entendendo, eu vim pagar. -expliquei.
Tentei me mexer na tentativa de mostrar o dinheiro a ele, mas ele notou, e talvez pensando que eu sacaria alguma arma, ou que daria uma de espertinho, me deu um soco no abdômen. Como eu estava sem esperar não pude retesar os musculos abdominais, o que permitiu um maior impacto ao soco.
Me dobrei ao meio, em busca de ar.
- Você não sabe o prejuízo que me causou..- seus olhos me encararam -.. Ei guarda! - Gritou em direção a saida, onde um cara alto e forte, fardado veio correndo de encontro a nois.
Levei minhas mãos a barriga, para acalmar a dor.
- Algum problema?
A voz rouca e grave do policial soou pelo estabelecimento.
A coisa não estava ficando boa para o meu lado.
O rapaz olhou para mim, enquanto eu torcia para ele disser que não.
- Sim, esse é o espertalhão que roubou um remédio aqui da farmácia, no dia que fiz a queixa.
O policial encontrou meus olhos. Engoli em seco. Pelo que tudo indicava, aquele policial foi posto a mando de seu superior, depois do incidente, para garantir a segurança no local.
- Isso é verdade? - perguntou ele a mim
- hã, não... quer dizer sim, mas eu - minha voz não soou firme, como eu queria que soasse - eu...
- Por favor , policial karl - disse o rapaz, impaciente. - É ele sim, não me esqueço desse cabelo longo e seboso tão fácil.
Karl, me encarou de novo, parecia me analisar de cima a baixo.
- Delinquentes não tem futuro nessa cidade garoto. - afirmou, enfim.
Congelei.
- Senhor, eu não...
- leve-o! - gritou o rapaz
A mão do policial, pegou um chumaço do alto da minha cabeça e me puxou com força em direção a saida da loja.
- Para onde está me levando? - perguntei, tentando me livrar das mãos do policial, debalde, pois quanto mais eu o fazia mais ele apertava.
- Para onde vândalos como você devem ir.
Ele me levou até uma viatura, que estava estacionada do outro lado da rua.
- Mas eu...
- É melhor você calar a boca, garoto.
Ele apertava mais e mais a mão que segurava meus cabelos, puxando sem dó.
Algumas pessoas que passavam, paravam para olhar o que estava acontecendo. Só torcia para que ninguém do colégio onde eu estudava visse aquela cena humilhante.
Sem a menor delicadeza me lançou dentro do camburão.
- Fim de show pessoal, voltem a sua rotina. - Disse ele para as pessoas que se amontoavam por ali, embusca de assuntos para as suas fofocas diárias.
Ele deu a volta até a porta e entrou.
Eu estava totalmente encurralado, cem porcento desesperado. Certamente aquilo chegaria aos ouvidos da minha mãe. E eu não queria isso
Ele ligou a ignição e seguimos em direção a delegacia.
Pelo vidro traseiro da viatura, pude ver a silhueta do rapaz na entrada da farmácia, de braços cruzados, ficando cada vez mais longe, e os demais cidadãos voltando a seus postos.
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Sons e Silêncios
De TodoO retrato mais bem detalhado de Nicolas andriolli, compreende uma unica palavrinha: depressão. Dia apos dia ele luta contra certas lembranças de seu passado, lembranças estas que lhe obrigaram a abandonar o seu violão a poeira. Demetria é apenas u...