Mesmo tendo saído mais cedo, aquele tinha sido um longo dia. Era quarta-feira, dia 6 de setembro do ano de 2000. O senhor Márcio Oliveira, um dos donos da Oliveira Costa Associados, havia me liberado mais cedo por conta da viagem que eu ia fazer no fim de tarde. Raramente pedia para ir embora fora do meu horário, mas aquela era uma ocasião especial. Sempre que alguém me pedia, eu fazia hora extra sem reclamar. Lá eu estava aprendendo com os advogados, já que eu queria ser um, e acho que por essa razão, de sempre fazer hora extra, que o senhor Márcio me liberou.
Essa viagem estava marcada a mais de um mês. Ricardo sempre me ligava em todos os feriados, me convidando para ir a casa dele, e eu sempre negava, porque não tinha tanto dinheiro sobrando, e não era de gastar muito. Mas eu estava cansado e precisava mudar um pouco de ares. Por isso aceitei o seu convite de ir passar o feriado da independência com ele e Evandro em Franca, interior do estado de São Paulo. Na verdade nós passaríamos o feriado na fazenda de Ricardo, o que era melhor ainda.
Eu estava em meu Kadet preto, indo para casa. Estava feliz por ir viajar, e era também a primeira viagem que faria sozinho em meu próprio carro, isso estava me deixando radiante. Nem vi quando cheguei à frente de casa, abri o portão da garagem com o controle, e entrei com o carro. Morávamos em um apartamento de três quartos. Não era nada grande, mas eu já tinha me acostumado com o tamanho, e achava a minha casa o lugar mais confortável do mundo. Meus pais haviam comprado aquele apartamento em Moema a mais de dez anos, e eles não se mudariam de lá. Eu nem pensava em mudança, minha cabeça estava focada em fazer minha faculdade e me tornar um advogado bem sucedido.
- Oi mãe, oi pai. - Eu cumprimentei ao entrar em casa.
- Oi filho - disse minha mãe da cozinha. Meu pai estava na sala vendo TV e apenas acenou com a cabeça.
Fui até meu quarto. Ele era simples, tinha minha cama e minha televisão em cima de uma cômoda. A mala já estava pronta, eu a tinha arrumado no dia anterior, para deixar as coisas mais rápidas. Estava ansioso por sair logo, devia ser umas quatro da tarde. Eu tinha programado sair em torno das seis, seis e meia, por isso eu tinha algum tempo e iria dormir um pouco, para não correr nenhum risco na estrada. Mas era claro que eu não correria risco algum. Estava acostumado a acordar cedo, mesmo indo dormir tarde, por isso o sono não me incomodava antes das onze, e eu chegaria a Franca por volta das onze, no máximo onze e trinta. Eu estaria tão animado que o sono nem chegaria perto de mim. A verdade era que estava gostando de preparar tudo, de deixar tudo certo. Na mala tinha posto quatro cuecas, cinco pares de meia, quatro shorts, cinco camisetas, duas calças jeans e duas blusas de moletom. Ainda era inverno e a noite com certeza faria frio. Minha mãe falou para eu por a jaqueta do tio Jorge, mas é claro que eu não colocaria. A jaqueta era mais velha que o próprio tio Jorge, porém minha mãe disse que coisa de qualidade não tinha idade. Ela me contou que o tio Jorge tinha ido para Nova York com ela, e disse que não passou muito frio. Tio Jorge deu a jaqueta pro meu pai quando estava internado e moribundo. Fazia quatro anos que ele tinha morrido, e meu pai nunca usara a jaqueta. E eu também não ia usar.
Tomei um banho e deitei um pouco para tirar um cochilo. Revirei-me na cama, e acho que dormi um pouco, mas dez para as seis eu já estava de pé e pronto. Peguei meus pertences de higiene pessoal e os coloquei na mala.
- Você vai mesmo hoje, Fábio? - perguntou minha mãe quando levei minha mala para sala e me preparava para sair. - Já está escurecendo, e você nunca dirigiu em uma estrada antes. Não acha melhor ir amanhã bem cedinho? Eu te acordo. - Ela passou as mãos em meus cabelos lisos e castanhos, os tirando da minha testa. Um gesto muito carinhoso de uma mãe insegura; era deste jeito que ela estava naquela quarta-feira. Estava preocupada, e não era para menos. O filho mais velho dela, o único filho homem ia fazer uma viagem de cerca de quatrocentos quilômetros à noite, com um carro não tão novo assim. E para piorar, era a primeira viagem dele. Eu já podia imaginar ela rezando a Deus para que nada de ruim me acontecesse.
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Os Visitantes
TerrorJá fazia tempo que Fábio ficava adiando uma visita a fazenda de Ricardo. Quando finalmente aceita passar um feriado na companhia de seus amigos, ele começa a ver luzes no céu, e coisas estranhas passam a acontecer. Será que Fábio e os outros consegu...