Lobotomia (Livro II)

Quatro - Reconciliação

Melissa demorou um tempo até conseguir enfiar a chave corretamente no buraco da fechadura. Sem ter muita certeza do motivo, suas mãos suavam e tremiam. Sua concentração parecia dispersa demais para sua própria segurança. Talvez, finalmente, a consciência teimosa que lhe comandava tivesse entendido que Corey estava ali.

Vivo.

A dois passos de distância.

Exalando seu característico perfume em uma naturalidade que beirava ao ridículo.

Aquele perfume detentor da maravilhosa habilidade de transformar Corey no ser mais afrodisíaco da face da Terra. Ou talvez fosse apenas o contrário.

Quando obteve sucesso na temporariamente complexa tarefa de abrir a porta, Melissa adentrou o apartamento, parando no meio da sala. Não olhou para trás e não se preocupou em convidar Corey a entrar. A educação havia perdido espaço para um turbilhão de emoções que se ocupavam de transformar sua cabeça em um perfeito caos.

Melissa apenas respirou fundo, buscando tranquilidade no ar caseiro que infestava sua sala de estar. O efeito foi desesperadoramente o oposto. A tranquilidade tencionada foi substituída por uma ansiedade torturante.

Os passos decididos de Corey se chocaram contra o chão de madeira, provocando um misterioso eco pelas paredes. Ele fechou a porta com calma, girando a chave na fechadura. No silêncio sepulcral que se instalou no aposento, todos os ruídos por Corey provocados pareciam amplificados por uma potente caixa de som.

Melissa fechou os olhos, e não ousou mover um músculo. Corey caminhou até o local em que ela se encontrava ridiculamente paralisada. Sua distância de Melissa parecia estar resumida a poucos centímetros, dado o fato de que ela podia sentir seu calor a envolvendo. Melissa, contudo, preferiu adiar a ideia de checar se sua constatação era verdadeira. Temia um contato visual com Corey naquele momento.

O poder que aquele mar azul tinha sobre ela ridicularizava o termo 'livre arbítrio'.

Melissa e sua ridícula submissão aos poderes de Corey Sanders...

Algo que jamais mudaria entre eles, por mais que, no momento, Melissa se encontrasse absolutamente revoltada. A verdade era que temia se esquecer de todos os problemas que teve que enfrentar por achar que Corey estava morto. Seria fácil se entregar aos braços dele a partir daí, porque não havia mais motivos para enlouquecer. Estava tão habituada à sensação da insanidade, que uma mudança brusca na situação poderia provocar efeitos colaterais distintos do esperado. Recuperar a sanidade era uma dádiva, afinal, porém rodeada de muitos perigos. Porque Melissa não sabia o que viria em consequência disso. Como sempre, tinha medo. Aquele medo bobo e infantil, sem qualquer explicação. Portanto, sua consciência, já acostumada a rejeitar Corey, achava melhor acertar todos os pontos. Antes que a luxúria dominasse a situação, como era costume.

-Doutora... – a voz de Corey chamou, cortando o silêncio como uma poderosa lâmina afiada.

Seu tom foi rouco e baixo. Teria arrepiado todos os cantos mais obscuros do corpo de Melissa. Se as circunstâncias fossem distintas...

-Já disse para parar de me chamar de 'doutora'. – Melissa retrucou. Sua voz saiu mais decidida do que imaginava.

-Tudo bem, Melissa. Se você quer ir pelo caminho mais difícil...

-Eu quero ir pelo caminho mais difícil? – Melissa finalmente se virou na direção de Corey.

Sua expressão era ressentida. A dele não diferia muito.