Vinte e Oito - Ajuda

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-Desculpe, mas vamos fechar. – o careca gorducho com sotaque italiano falou de trás do balcão que vinha limpando há vinte minutos com o mesmo pano sujo.

Corey olhou atentamente para o copo de whisky intocado que tinha em mãos. Perdeu-se no brilho do líquido dourado. Não tivera coragem de tomar um gole. Mal sabia como havia ido parar ali, naquele bar maltrapilho em um beco a uma quadra de Cambridge. Como aquele careca gorducho se mantinha ali, naquele local não estratégico, não tinha ideia. Mas certamente não seria reconhecido, sabia que os alunos de Cambridge não tinham preferência por locais como aquele. E havia muitos deles pela rua quando Corey conseguiu se refugiar naquela pequena e quase despercebida porta de madeira.

Era um ótimo lugar para ficar até que eles fossem embora para suas casas. Corey pediu o whisky porque o careca gorducho lançou diversos olhares rabugentos em sua direção. Não, não poderia se sentar ali sem pedir alguma coisa. Mas não conseguiu fazer mais nada a não ser pensar em Brian. E naquele Audi prata tão familiar...

O que ele estaria fazendo ali?

Sim, já havia concluído que era ele. Acreditava que Brian poderia estar seguindo Melissa, ele havia pedido para encontrá-la sem a menor necessidade, talvez tivesse colocado um rastreador nela? Sim, era muito provável. Os punhos de Corey cerraram quando pensou naquilo pela milésima vez nos últimos trinta minutos. Esqueceu-se, inclusive, de Melissa. De que ela estaria fazendo algo arriscado, que algo poderia dar errado, que precisava estar ao lado dela... Mas ele não estava. Estava enfiado naquele bar como um covarde.

-Ei! Você me ouviu? Vamos fechar. – o homem chamou outra vez.

Corey suspirou e deixou uma nota de dez libras sobre a mesa ao lado de seu copo ainda intocado. Não era uma boa hora para beber, definitivamente. Precisava estar muito sóbrio, caso quisesse que Melissa acreditasse em sua história sobre Brian estar ali, em Cambridge, ao mesmo tempo em que eles estavam. Ela gostaria de buscar algumas explicações também, certamente se irritaria como Corey com o fato de que ele os havia seguido. E, de certa forma, sentiu o coração esquentar com isso. Melissa irritada com Brian era música para seus ouvidos, tudo o que queria ver desde que ela pôs os pés no St. Marcus e o médico imbecil a levou para um passeio pelos jardins.

Corey saiu do bar em seguida, sem olhar para trás e nem agradecer a pouca hospitalidade de seu rabugento barman. Já não havia mais tantos alunos na rua. Alguns poucos se aglomeravam nas esquinas, nada com que Corey devesse se preocupar. Não seria difícil passar por eles e voltar ao campus. De repente notou que estava com pressa de voltar ao campus. E de encontrar Melissa. Uma ansiedade excruciante fez seu peito disparar pela necessidade de vê-la. Como se não a visse há meses, anos... A ansiedade se transformou em dor e ele atravessou a rua correndo.

Tinha alguma coisa errada acontecendo...

Cambridge era especialmente sombria à noite, e tal sensação se elevava quando não havia alunos povoando seu vasto campus. Uma brisa gelada passou pelas árvores e arrepiou cada centímetro de pele que Corey tinha exposta. Inevitavelmente seus olhos foram atraídos para aquela árvore, a que menos gostaria de contemplar no mundo, a mais odiada. Era covarde, sim, por não levantar a cabeça e encarar o local de morte dela. Mas naquele momento parecia que ela estava falando com ele, atraindo seu olhar até lá, tentando alertá-lo sobre algo...

As folhas balançavam ao ritmo do vento e Corey jurou ter visto a sombra de uma garota morta ser projetada no chão pela luz da lua cheia. Ele parou no caminho de pedras e perdeu não soube quantos minutos analisando a cena, na esperança de que a imagem aparecesse mais uma vez... Talvez um rápido vislumbre de cabelos vermelhos como fogo... Como aquela visão o aqueceu por dentro antes, como amava aqueles cabelos, o modo como balançavam ao vento, exatamente como as folhas da árvore que abrigara seus últimos suspiros de vida...

Lobotomia (Livro II)Onde histórias criam vida. Descubra agora