A vida? ela continua.

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O Haiti não foi um lugar bonito de se visitar. Não é um lugar para se admirar, para querer passar as férias. O Haiti, é um lugar para aprender. Para ver como coisas tão básicas são importantes.

Nunca havia passado fome, e nem conhecido quem passasse, nunca havia visto pessoas tão carentes por um olhar amigo, por um gesto de carinho.

Conheci crianças de todas as idades. Ambas com desnutrição. Bebes que já nascem com problemas. Mães que não tem o que fazer para mudar a vida de suas famílias. Era um lugar triste, que continha muita dor e sofrimento.
Eu tentei ao máximo não chorar, por que se eles que tinham inúmeros motivos para fazer isso não faziam, então eu tinha que me mostrar forte também.
Mas o pior não era isso. O pior era ver e não poder fazer nada que mudasse realmente a situação, nada que fosse fazer uma grande diferença, algo que lhes permitisse ter um futuro longe daquelas terras sombrias. Era minha vontade, mas nem tudo é como queremos. Fazíamos o que pediam para que fizéssemos, nada mais nada menos, apenas o que era pedido. Se você visse uma criança morrendo por causa da sede, só era permitido entregar uma garrafa de água para ela, caso fosse mandado. Se tivessem roupas para serem lavadas e você lavasse mais do que foi pedido para tentar agradar, também seria punido. Lei é lei.
Meu cabelo loiro depois de dois meses já estava grande. Depois de quatro, ele caia para o lado com seu tamanho. Minhas roupas nunca estavam 100% limpas, muito menos eu, e os outros soldados não se encontravam em uma situação diferente. No começo foi difícil, mas depois de meses ninguém se lembrava mais da antiga rotina.
Eu e o John dividiamos uma barraca. Na nossa última noite, lembro de acordar com o choro fraco do meu colega.
- John? Eu sei que está acordado, e que não é fácil nada disso... Mas é só uma fase, um momento. E eles sempre chegam ao fim. - Falei baixo, em um tom que transmitia compreensão.
- E-e-u, eu sei... Não é fácil, e tenho pensamentos que estão me atormentando.
- Pode dividir-los comigo se quiser. - Um longo silencio se estendeu e quando achei que sua intenção era de guardar os sentimentos para si, ele disse:
- Justin... Eu penso nessas crianças sabe, que não tem culpa alguma, e em quantas pessoas existem que não fazem a minima ideia do que é viver aqui. Para nós, que viemos em missão de paz, uma hora acaba. Vai chegar nossa hora de partir, de voltar para casa. Mas e eles? Eles não vão ir embora dessa vida. Eles vão permanecer aqui.
- Ninguém merece essa vida... As vezes duvido da existência de Deus sabe? Se ele existe, e ama a todos, por que essas pessoas estão aqui passando por isso? Por que umas não tem nada e outras tem tanto?
- É injusto, eu sei... Também penso nisso as vezes. - Disse ele limpando as lagrimas e se recompondo. -Mas por hoje prefiro esquecer um pouco isso e tentar dormir. Amanhã partimos não é mesmo?
- Amanhã partimos.

No dia seguinte, acordamos cedo para deixar tudo pronto. Todos estavam arrumando suas malas, pegando seus pertences. Depois nos despedimos dos habitantes daquele lugar, foi impossível não chorar com os rostos que nos olhavam, sabendo que uma grande parte da esperança que eles tinham, estava prestes a partir. Um menininho, que aparentava ter uns 5 anos, me presenteou com um colar de artesanato, ele não disse nada, apenas me entregou junto com um abraço e então saiu correndo.

Saímos de lá com dois carros, era para John ter ficado no mesmo que eu, mas como se atrasou o colocaram no que ficava atrás.
Não sei explicar o porquê aconteceu, mas foi mais uma coisa que serviu para me destruir, para desabar metade do meu mundo.

O carro em que John estava foi bombardeado.
Os soldados morreram no mesmo instante. Deixando apenas restos de o que um dia foram grandes pessoas, e os destroços do carro.
Lembro de sentir um grande aperto no coração, de ficar sem ar e gritar para que parassem o carro, mas eles não podiam correr o risco de ser bombardeados também. Meu peito todo doía intensamente. "Eles se foram Justin, não há o que fazer além de irmos embora agora." Eles diziam para mim ignorando talvez todo o treinamento que serviu para dizer que em primeiro lugar, em hipótese alguma, nunca devíamos deixar NINGUÉM para trás. Só que isso não aconteceu.

A única coisa que John queria era fazer a diferença, ajudar quem precisava, era dar um pouco do amor que ele tinha. O sonho dele e dos outros soldados dentro daquele carro haviam acabado, deixado de ser existir. Eles nunca mais iam voltar para casa, nunca mais iam abraçar seus familiares. E a vida? A vida continuava. Para muitos como se nada tivesse acontecido.

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N/A: Só quero avisar que isso é um texto fictício então não sei como é realmente o Haiti e não conheci as pessoas que moravam lá. Mas escrevi o que eu imagino, e o que queria que as pessoas imaginassem também, para ter uma noção do quanto deve ser grave.
A parte sobre religião ( não me julguem pelo que disse) foi um ponto de vista dos dois, não meu. Uma coisa que os dois chegaram a pensar vivendo naquele lugar. Eu entrei no ponto de vista deles.

Bom é isso, só para deixar claro.
Obrigada a quem está lendo, e vou aceitar com o maior carinho opiniões ( criticas ou elogios) por que é isso que nos fazem se tornar cada vez melhor.
Beijos <3

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