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Emma

Depois de oito anos o meu pai decidiu voltar a falar comigo. Mas porquê agora? Mais uma vez passo os meus dedos pela carta em braile que o porteiro me entregou hoje de manhã. Existe algo que não faz sentido. Depois de todas as discussões daquele dia em que saí do hospital e depois de todas as outras que vieram de consequência. Que quer ele agora?

Lembro na perfeição o dia em que aquele filho da mãe me atropelou. A pessoa que o fez fugiu de seguida e nem sequer voltou para me ajudar. Nunca soube quem foi e por esta altura eu só quero esquecer que algum dia aquele dia aconteceu. Esquecer é difícil, pois foi o dia em que tudo escureceu para mim. O dia em que a minha família desmoronou e o dia em que eu aprendi a crescer. Nesse dia quando o médico disse que eu não voltaria a ver foi como se uma faca trespassasse o meu coração. Saber que jamais iria voltar a ver o mundo colorido, que não voltaria a ver o sorriso de quem amo e principalmente que iria deixar de ver as coisas a acontecer à minha volta foi um grande choque. Os meus pais tiveram de adaptar a casa e eu sempre me sentia um peso com isso. Depender de alguém sempre foi algo que eu nunca quis. Ao longo de tempo senti a minha mãe deixar de ser feliz e o meu pai entrar em discussões com ela dias e dias seguidos. Viver naquela casa tornou-se um inferno. Tive amigos que me viraram as costas, mas ganhei outros ao longo do tempo. Mas houve um que se manteve - Liam. O meu melhor amigo e com o qual eu sempre pude contar, antes e depois do acidente foi ele o meu porto de abrigo. No dia em que bati à sua porta e a sua mãe me acolheu no seu abraço pedindo para eu respirar fundo e que tudo se ia resolver é algo que me deixou muito mais reconfortada. O Liam desceu a escada e quando me viu ali frágil apenas me abraçou e deu-me toda a segurança que eu precisava. Nesse dia tomei a decisão de não ser um fardo para a minha família e comecei a tornar-me mais independente. Consegui através do Liam e do meu médico o meu companheiro de viagem. Sim a minha vida tornou-se numa grande viagem e se não fosse o Hatchi tudo poderia ser mais difícil. O Hatchi quando veio para minha casa estava treinado apenas para me auxiliar, mas tornou-se muito mais que isso. Tornou-se ele também o meu melhor amigo de quatro patas. "Vi" o meu pai sair de casa e a minha mãe definhar sem felicidade. Eu com dezanove anos decidi que estava na hora de deixá-la seguir com a sua vida. E para isso nada melhor que ir viver para outro local. O Liam estava à procura de uma companhia para dividir o apartamento dele pois as despesas com a faculdade e a casa eram algumas. Assim que eu dei a ideia de que o poderia ajudar ele ainda hesitou, mas entendeu o porquê de eu querer ter a minha vida e foi o primeiro a dar-me apoio na mudança. E assim me despedi da minha mãe e rumei para uma nova etapa da minha vida. Enquanto o Liam estava em arquitetura eu estava na faculdade, mas no curso de educadora de infância. Não foi fácil terminar o curso enquanto trabalhava como animadora no colégio de crianças com problemas. Durante esse tempo aprendi que a minha cegueira seria apenas um pequeno obstáculo comparado com os problemas que as crianças tinham. Quando terminei o curso apenas a minha mãe veio à minha formatura. Foi triste para mim não ter a presença do meu pai nesse dia tão importante para mim. Lembro da minha mãe apenas me dar os parabéns e me desejar felicidades. Desde essa altura ela apenas me liga nos anos e vemo-nos no máximo duas ou três vezes por ano. O Liam e a sua família tornaram-se a minha família e sempre que existe uma data importante fazem questão que eu esteja presente.
Lembro o meu aniversário de vinte e três anos. A família do Liam organizou uma festa e foi ótimo voltar a sentir-me amada. Nesse ano recebi um presente do Liam que me deixou sem maneira de lhe agradecer. Ele e o Dr. Mike inscreveram-me num projeto do Hospital St. Mary. Projeto esse dirigido pela Dr.ª Catherine Evans, uma das médicas mais conceituadas na área da oftalmologia. Fiquei com algum receio mas depois de falar com a médica decidi arriscar e verdade seja dita que as correrias entre o hospital e o colégio onde trabalho são grandes, mas sinto que no fundo vai valer a pena.

Agora o que me deixa meio chateada é esta carta do meu pai. Porquê agora? É uma pergunta recorrente na minha cabeça.
Oiço a porta e deduzo que seja o Liam ou a sua namorada Anna. Eles conheceram-se no ano passado na empresa onde o Liam trabalha. Ela foi estagiária dele e acho que foi aquilo que se chama amor à primeira vista.
No mesmo instante que amachuco o papel oiço o Liam entrar na cozinha...

- Porque estás zangada? - Pergunta quando abre a porta do armário dos copos, deduzo.
- Boa tarde também para ti. - Respondo meio a leste ainda e apertando o papel entre os meus dedos. - O grande Robin Brown decidiu escrever-me.
- O quê? Mas porquê agora?
- Aí está uma pergunta à qual eu gostava de ter uma resposta.
- E que te disse ele? - Noto curiosidade na sua voz.
- Que tens saudades minhas e quer desculpar-se. Quer contar o que realmente o fez deixar a minha mãe e a mim. Pelo que conta ele quer enterrar o passado. - Falo levantando-me e deitando a carta no lixo.
- Vais falar com ele?
- Liam, tu sabes que nem com a minha mãe falo em condições quando mais com o meu pai. A minha família, és tu, os teus pais e a tua irmã Sophia, sem contar com o Hatchi. Por favor não vamos falar mais nos meus pais.
- Muito bem Emma. Não quero que te chateies. Mas mudando de assunto, tenho uma novidade para ti. - Fala de modo risonho e sinto a sua felicidade.
- Pedi a Anna em casamento.
- Estás a falar sério? Fico tão contente por vocês. - Ando na sua direção e abraço-o.
- Agora resta que aquele irmão dela não coloque entraves.
- Tu falas como se o irmão dela te fosse enforcar.
- Isso porque não o conheces. O Louis nunca foi com a minha cara e sempre que eu vou lá a casa ele olha-me como se me matasse com o olhar. A Anna diz que ele tem problemas com o passado, mas nunca me falou sobre isso. Dá a sensação que ele não é feliz.
- Se calhar não é.
- Mas ele é casado e tem um filho. Tu é que deves conhecer o filho dele.
- Devo? - Questiono meio surpresa.
- Sim. O Luke anda no colégio em que trabalhas.
- Luke? Luke Tomlinson... Mas esse é o filho da Dr.ª Catherine.
- Elah. Informação a mais para mim.
- Mas o Luke parece tão doce. Como poder ter uma mãe cheia de sucesso e um pai assim tão frio e de mal com a vida?
- Não faço ideia... Bem e se fossemos jantar fora?
- E onde pensa o senhor Payne ir?
- Talvez ao restaurante preferido de uma amiga minha. Que tal o Rúcula?
- Parece-me uma boa escolha. Além disso é o único em que o Hatchi se deixa deliciar pelos mimos dos empregados. - Falo passando a minha mão pelo labrador que se encontra a meu lado. - Mas ainda vai ter de me apresentar essa tua amiga. Pois tenho de aprovar os gostos do meu amigo Liam. - Digo com riso na minha voz.
- Muito engraçadinha a minha pequena. - Dá-me um beijo na testa. - Vá, vamos embora.

Vou até ao bengaleiro e visto o meu casaco e pegando na minha mala e na trela do Hatchi caminho para fora de casa na companhia do meu melhor amigo.


O jantar foi animado e deu para relaxar e abstrair-me da carta que recebi domeu pai. O Liam realmente é um bom amigo e sempre esteve e está lá para mim. Ribastante com ele quando pediu lasanha ao empregado mas em italiano. Este rapaztem o dom de me fazer rir quando menos espero. No regresso a casa passamosantes pelo parque e desfrutamos de um belo passeio a pé, na companhia do Hatchipara me auxiliar quando o Liam se afastava una metros. A noite estava calma,mas não fria como é normal nesta época do ano em Londres. Ouvi passosapressados na minha direcção enquanto o Liam se afastou para comprar as pipocasque tanto nos apetecia. De repente senti um puxão da parte do Hatchi, mas não osuficiente para me afastar do impacto que senti ao cair.

- O que pensa que está a fazer? - Oiço a voz do Liam correr na minha direcção.
- Desculpe, eu apenas vinha distraído. - O homem desculpa-se.
- Sim, mas para a próxima tenha cuidado por onde anda. - A mão do Liam ajuda-mea levantar. - Estás bem? - Pergunta preocupado.
- Estou bem. Podemos ir para casa?
- Só depois de ter a certeza que estás bem.
- Mas eu estou bem. - Pego a trela do Hatchi e agarro o braço do Liam.

Se eu estou bem? Bem é óbvio que não. Situações como as de empurrões e palavrasduras contra mim deitam-me abaixo e raramente falo delas. Mas lá estás, isto sóme faz ficar mais forte perante os outros e desejar acima de tudo voltar a vero mundo a cores. Nem que seja apenas por cinco minutos.



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