3 - Julieta

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- FAZ TEMPO, HEIN? - Dorian pergunta andando ao meu lado pelo corredor cheio.

Olho para ele de soslaio, tentando, precisando decifrar seus pensamentos. Dorian costumava me seguir para todo lado, mas depois que descobrimos a intenção dos nossos pais, nos afastamos gradativamente até, enfim, não nos falarmos mais.

- Pois é, professor - brinco e ele me olha feio, mas sorri brevemente. Sempre muito sério.

- Eu nem acreditei quando te vi - ele confessa. - Sabe, eu fugi de tudo o que tinha França, todas as responsabilidades e o passado. Não esperava revê-la nem tão cedo.

- Passado, uh? - ergo uma sobrancelha e ele me olha, sério, como se isso não fosse uma piada. - Eu também não. Para mim, você ainda estava lá em Paris, tentando escapar da faculdade de administração.

- Sei - ele suspira quando saímos do colégio e passamos pelo portão de ferro. - Está livre agora? Faz tempo que eu não te vejo e queria... - ele olha para outro lado, acanhado. - Saber como anda meu pai.

- Estou - digo com um sorriso teimando em aparecer. É raro ver Dorian envergonhado com algo, quanto mais sobre a família. O tempo passa e a gente nem percebe.

Caminhamos em silêncio, com uma eu apenas seguindo Dorian, em direção à uma lanchonete na esquina do colégio que eu nunca tinha visto. Até porque eu vim de carro e estava muito brava para fazer qualquer coisa senão encarar furiosamente meu pai. Isso parece ter sido há anos. O nome é Lanchonete Sam's and Dickinson e tem um jeito de padaria. A fachada é de vidro e o interior é muito mais simples do que os lugares que o eu normalmente frequento. E também parece ser um ponto para os alunos, já que pelo menos uma meio dúzia está distribuía nas mesas da pequena lanchonete.

Dorian e eu sentamos no canto mais afastado, preferindo esse lugar ao que está próximo ao banheiro. Ponho a mochila na cadeira ao lado e o blazer cor de carvão no encosto da cadeira. Dorian se limita a colocar a pasta encima da mesa, juntar as mãos e começar a brincar com os dedos. Uma garçonete nos atende quase que imediatamente e eu não posso evitar a admiração pelo serviço rápido.

- Em que posso ajudá-los? - ela pergunta com o bloco de notas e caneta a postos.

- Apenas um café - Dorian diz ainda olhando para os dedos. A garota, não muito mais velha que eu própria, anota e se vira para mim.

- E a senhorita?

- Um chá e um queijo quente - falo e ela me olha como se eu tivesse dito alguma piada. - Só isso mesmo.

- Desculpe, mas não temos chá - ela diz com ironia.

Como assim não tem chá? Que tipo de estabelecimento não tem isso? Fala sério, é apenas ervas e água quente. Esses americanos estão cada vez mais decadentes. Piores que os britânicos.

- Hum - olho com suspeita ao redor, ponderando as escolhas. - Então só o queijo quente.

- É pra já - ela sorri para mim e lança uma piscadela para Dorian, que não presta atenção a nada e à ninguém, absorto em pensamentos.

- Então... - ele diz depois de uns segundos e levanta o olhar para mim.

- Então... - repito, incentivando-o a continuar.

- Como vai Luís? - ele questiona e nós sabemos muito bem que não era isso que ele queria perguntar.

- Está bem - digo examinando sua postura cansada. - E Joseph?

- Não falo com ele desde que saí de casa para estudar matemática - ele admite e me olha, zombeteiro. - Sabia disso? Meu pai me expulso, pois achou melhor me deserdar do que ter um filho professor.

- Ele te deserdou? - pergunto sem querer ouvir sua resposta. O pai de Dorian sempre foi muito, muito rígido e não duvido que poderia dar um castigo muito pior que deserdar Dorian. E eu aqui reclamando, como uma garota mimada, por ter sido tirada da França e dos meus amigos.

- Não - ele bufa com exasperação e bagunça os cabelos cacheados, os olhos cor de mel tristonhos. - Quer dizer, não sei. Não é como se eu tivesse ligado para confirmar.

- Você saiu quando? - indago e sem pensar muito, ponho minha mão sobre a sua. Ele sorri fracamente e aperta a minha mão.

- Acho que quando eu saí, você tinha acabado de conhecer o Luís - ele diz com um olhar perdido. - Fui aceito em uma faculdade simples no interior da Geórgia e acabei ficando aqui. Meu pai até tentou me impedir, mas eu tinha um dinheiro guardado e dava para pagar as despesas por um bom tempo. Depois que eu me formei, consegui vários empregos como professor e um deles, é nessa escola. O que você que está fazendo aqui? Que eu saiba, você sempre disse que detestava os americanos e os ingleses, que eles eram bárbaros...

- Shhh! - ponho um dedo nos lábios quando a garçonete chega com os nossos pedidos.

Dorian ainda possui essa mania de falar pelos cotovelos sem medir as palavras e parar para pensar nas consequências. Lembro que ele e o pai brigavam bastante por conta disso. Ele é calmo demais, autossuficiente demais, franco demais... Fez bem em ser professor. Nunca conseguiria ser um empresário se não contesse a língua.

A garota põe nossos pedidos, demorando bastante no de Dorian, que é apenas um café preto sem açúcar nem leite. Ele parece se aborrecer e isso me diverte um pouco. Tão tímido por trás dessa fachada fria...

- Enfim, o que faz aqui? - ele pergunta depois que a garota vai embora.

- Papai se separou da minha mãe - ele me olha, surpreso, mas eu apenas continuo. - E me fez a seguinte proposta: ou você fica comigo nos Estados Unidos e garante sua posição como herdeira da empresa, ou fica com seus avós e se vira com as pensões que, ele prometeu, seriam menores que um salário mínimo.

- E por que você escolheu ficar com ele? Pensei que você detestasse esse país - olho para ele com raiva.

- Pode me deixar continuar? - ironizo e ele ergue as mãos, em um gesto de rendição. - Eu escolhi meus avós, mas como sou a única filha dele e ele não pode ter mais filhos, não tive opção quando ele me arrastou para cá. Fim de história.

- Nossa - ele me encara, calado.

- Se eu tivesse me casado com você, ainda estaria na França sem perigo de não ser mais a herdeira, você poderia exercer sua profissão à vontade e ninguém estaria infeliz - digo e ele concorda, arrependido.

Eu até ficaria arrependida, mas se eu não tivesse vindo para cá não teria conhecido Romeu. E para falar a verdade, por mais bonito que Dorian seja, eu não consigo me imaginar casada com alguém tão taciturno e lógico. Tudo bem que eu não sou a pessoa mais animada do mundo, mas eu também gosto de aventuras, paixões e festas. Se eu casasse com ele, teria tudo isso negado. Seria a futura mãe dos herdeiros da maior e mais rica empresa do mundo. Não sei se eu saberia lidar muito bem com a pressão.

- Então o que você faria? - ele diz, duvidoso. - Eu não podia simplesmente te pedir em casamento. Nem eu consigo me imaginar ajoelhado e dizendo "Quer casar comigo?"

- Casar com quem? - uma voz muito familiar pergunta e minhas bochechas coram imediatamente.

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